Wir Sind Die Welle não é uma série perfeita, nem ficará para a posterioridade pela sua originalidade, mas é uma série necessária nos dias que correm, por abordar os temas mais importantes e preocupantes da sociedade moderna. Tendo como cenário uma pequena cidade da Alemanha, Wir Sind Die Welle faz desfilar, ao longo dos episódios, tudo o que está mal na nossa sociedade.
Um dos temas que está mais na ordem do dia em toda a Europa e, principalmente na Alemanha, devido ao seu passado nazi, é a ascensão da extrema-direita. O partido NfD (uma alusão clara ao partido alemão AfD) é aqui utilizado como representação dessa ascensão. Cheio de apoiantes fervorosos, o primeiro episódio começa num comício desse mesmo partido. A ideologia do partido é-nos transmitida através do seu líder, que profere um discurso racista e ditatorial, querendo livrar a Alemanha de todos aqueles que são considerados “imundos”. Os jovens apoiantes do partido mostram-nos os preconceitos que têm para com os estrangeiros e os mais desfavorecidos.
Infelizmente, e pegando num exemplo real, o partido AfD, de extrema-direita, tem vindo a ganhar cada vez mais apoiantes. Nas últimas eleições regionais da Turíngia, há apenas uns meses, o AfD foi o partido mais votado na faixa etária abaixo dos 30 anos e no total foi a segunda força política mais votada, um resultado muito preocupante, pois a tendência crescente da extrema-direita nas faixas etárias mais altas está a generalizar-se para as faixas etárias mais jovens. Se pensarmos em Portugal, também muito recentemente, nestas eleições para o Parlamento, o povo elegeu pela primeira vez um deputado de um partido de extrema-direita, o Chega.
Voltando à Alemanha, e também recentemente, foram observados cânticos racistas nazis num jogo de futebol. Esta popularidade extremista crescente deixa um grande ponto de interrogação no futuro das sociedades a nível mundial. A História está a repetir-se e isso não é algo positivo. As pessoas estão descontentes e não têm cultura de memória, fazendo-nos dar um passo atrás e recuar cada vez mais para uma ideologia supremacista e intolerante que privilegia a raça “perfeita”. O quinto episódio, 99%, demonstra como a elite se acha acima da classe média e não hesita em culpar todos aqueles que estão desempregados e que não contribuem em nada para a sociedade por tudo o que está mal na mesma.
Como é dito no discurso proferido por Tristan, se estes 99% não existissem, não haveria tantos problemas no mundo. Mais uma vez, racismo, xenofobia e discriminação, vinda destes “privilegiados” que estão convencidos de que são mais e melhores, simplesmente por terem mais dinheiro, cargos mais “importantes” e por contribuírem e se “saberem comportar melhor” em sociedade. Para mim, este discurso foi um dos pontos altos da série e resume muito bem o valor que as pessoas comuns têm para quem só se interessa por lucro e dinheiro: nada, são um empecilho; a vida delas não tem significado nenhum.
Aproveitando a deixa do racismo, temos um bom exemplo de discriminação com Rahim, um libanês a viver na Alemanha. O facto de ser frequentemente atacado faz com que seja difícil para a personagem acreditar que alguém se preocupa com ele. Na casa de banho da escola, durante a sua primeira interação com Tristan, o seu primeiro pensamento é que o rapaz está ali por pensar que é ele quem vende as drogas na escola. Um estereótipo presente em muitas culturas este, o de que se se é de um país do Oriente, árabe ou da Europa de Leste só se pode ser uma pessoa sem escrúpulos, que tem negócios ilícitos, e não uma pessoa séria e sensata, que, tal como tantas, vive uma vida honesta.
Continuando com Rahim como exemplo, concentremo-nos agora na família dele, que está prestes a ser despejada porque vão construir um centro comercial no lugar dos blocos de apartamentos em que eles vivem. O agente imobiliário oferece vários tipos de alternativas, dando-lhes a escolher de entre várias residências noutros locais da cidade, mas o problema é que são todas demasiado caras. Nós temos em Portugal um problema semelhante com o despejo dos moradores das zonas históricas de Lisboa e do Porto para a construção de alojamentos locais. Ambas as situações têm o mesmo objetivo: porem pessoas na rua de modo a se poderem construir negócios que irão dar lucro no lugar da casa delas. Isto não está certo, não se pode obrigar ninguém a sair de suas casas, sítios onde, provavelmente, já vivem há dezenas de anos, só para abrir um negócio que vai, mais uma vez, beneficiar o capitalismo. Com isto privilegia-se um negócio lucrativo em detrimento da vida e da vontade das pessoas.
Passamos assim para esse tão grande problema da sociedade em que vivemos, o consumismo. Vivemos numa época em que o que importa é comprar e comprar sem limites, fazem-se promoções ao desbarato e anúncios publicitários que quase nos obrigam a comprar determinado produto, porque senão não estaremos na moda, nem nos sentiremos felizes. A ideia de que as coisas nos fazem felizes é usada para influenciar a sociedade a gastar dinheiro em todo o tipo de coisas, mas como esta ideia é tudo menos verdadeira, vamos continuar sempre a comprar o último grito da moda ou a última invenção “inútil” para podermos vivenciar a tal felicidade que é uma mera ilusão momentânea.
Uma das indústrias que mais vive do consumismo é a indústria da moda, uma indústria que esconde grandes problemas de “bastidores” e que, muitos deles, são nossos conhecidos, como a mão de obra barata ou infantil, a falta de condições de trabalho, etc., mas aquele que nos é apresentado na série prende-se com as grandes marcas que, para não venderem os produtos mais baratos ou para que estes não sejam doados, os queimam. Quando vi esta cena, achei um absurdo e não acreditei imediatamente que fosse verdade, pensei que estivessem a exagerar, por isso fui pesquisar e, infelizmente, é verdade. É um exemplo repugnante daquilo que se faz pela simples ganância do dinheiro.
Da roupa saltamos para a epidemia do plástico, que está mais do que na ordem do dia. É irreal a quantidade de plástico que utilizamos diariamente, muito dele sem necessidade, e que vai parar aos nossos oceanos. Devido à facilidade de produção e à mão de obra mais barata, o plástico foi ganhando cada vez mais protagonismo nas nossas vidas. Não precisamos nem de metade, mas utilizamos. A Coca-Cola foi começando a alterar a produção de garrafas de vidro para garrafas de plástico com os argumentos de que são menos pesadas e mais fáceis de transportar. A verdade é que o facto de não terem vasilhame leva a que seja preciso menos trabalhadores, sendo o processo cada vez mais automatizado, o que significa mais lucro.
Mais uma vez, tudo neste mundo se baseia no lucro e em mais nada. Se estiverem interessados neste tema, vejam o documentário A Plastic Surgery: Coca-Cola´s Hidden Secrets, de Sandrine Rigaud, e vão ficar chocados com a quantidade de plástico que é deitada fora. A solução também não está nos substitutos, nas palhinhas de bambu, nem em sacos de algodão, a solução está na reutilização, pois os substitutos só iriam trazer novos problemas para o planeta, pois também teriam de começar a ser produzidos em massa. É preciso reeducar a população e isso não é fácil, porque exige que as pessoas façam alguns sacrifícios e mudem os seus hábitos.
Uma vez que estamos a falar em poluição, falemos noutro tipo de poluição também abordado na série, a do solo e dos rios e mares provocada por produtos químicos e resíduos tóxicos das fábricas, como é o caso da fábrica de papel da série, que causou a infertilidade dos solos da quinta do Hagen, destruindo a família e o sonho de o filho poder vir a pegar no negócio de família no futuro. A poluição causada pelos automóveis, em especial os SUV, também é destacada. Estes tipos de poluição e tantos outros que contaminam o nosso planeta são apenas causados pelos seres humanos e pelas suas invenções que têm intenção de facilitar a vida, mesmo que para isso o mundo em que habitamos é que tenha de pagar, pois estamos a torná-lo tão doente que, se não agirmos com urgência, corremos o risco de já não termos planeta para as gerações futuras.
Uma das ações que achei mais interessante foi a da hamburgueria. Filmada numa antiga loja do Burger King, a cena é hilariante. A carne está, supostamente, contaminada por algo que ninguém sabe o que é, mas que é bastante perigoso para a saúde. Esta ação em conjunto com a do matadouro são um exemplo dos problemas que existem na indústria pecuária. As condições desumanas em que os animais são mantidos e, por vezes, a falta de higiene são características de uma indústria que tem de produzir mais e mais para conseguir satisfazer a população crescente.
A contaminação da carne é mais provável em matadouros ilegais, que além de não cumprirem os requisitos necessários de segurança e higiene, também utilizam métodos de matança que provocam mais sofrimento ao animal. As cadeias de fast-food são as maiores inimigas da existência de uma indústria mais humanizada e regulada, pois é preciso matar o maior número de animais de forma rápida e barata para conseguirem cumprir as exigências do consumidor e manter os preços baixos. A verdade é que as pessoas sabem o que se passa e a “porcaria” que estão a comer, mas não querem saber. É barato e sabe bem. Para que é que se hão de importar?
Para terminar esta crónica, que já vai longa, gostava de também fazer referência ao negócio das armas. Existem guerras espalhadas pelo mundo que podiam ser evitadas se países que supostamente estão contra e querem ajudar no seu término não enviassem para esses países armas fabricadas nos seus. Existe uma grande hipocrisia a este nível por parte de grandes países americanos ou europeus. Há pessoas inocentes a morrerem por causa destes conflitos, enquanto outros, do outro lado do mundo, estão a contar as notas que receberam de mais uma remessa de armas de fogo que foi enviada para contribuir para a chacina.
Em suma, Wir Sind Die Welle apresenta-nos um grupo com comportamentos extremistas e que age com o objetivo de mudar mentalidades e o mundo. Alguns comportamentos podem ser exagerados, mas será que este exagero não é necessário? Parece que, mesmo assim, ninguém está a ouvir. Vejam só o exemplo da COP25. Foi um fracasso. Os interesses económicos voltaram a vencer. As empresas vão continuar a não se importarem com mais nada a não ser com o lucro. Será difícil mudar uma sociedade consumista e capitalista que prefere o conforto a pensar no outro e na Natureza que a rodeia. Séries como esta são necessárias e precisamos realmente de acordar o mundo.
Parece que estamos a regredir, mas, ao mesmo tempo, há grupos de jovens que estão empenhados em mudar mentalidades e o mundo e, para isso acontecer, foi preciso uma adolescente de nome Greta Thunberg ter dado o primeiro passo. Apesar de não ter muita esperança que consigamos mudar o mundo capitalista e consumista em que vivemos, acredito que não desistiremos e que continuaremos a lutar. Uma boa forma de despertar consciências é com produções como esta, que não têm medo de mostrar ao mundo o que está mal na nossa Terra.
Cláudia Bilé