(Ainda) Precisamos de Falar Sobre… Assédio Sexual(?)
| 26 Dez, 2018

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Quase tudo é uma questão de modas e o mundo do entretenimento não é diferente. Já passou um ano desde que a polémica estalou em Hollywood quando Harvey Weinstein foi acusado por dezenas de mulheres de vários crimes de natureza sexual. A ele seguiram-se muitos outros acusados, nomes também sonantes dentro da indústria e que todos conhecemos. Os movimentos #MeToo e TIME’S UP promoveram a partilha de histórias de sobreviventes de abusos, mas também a discussão da imensamente grave temática dos abusos sexuais e já se nota um pouco de mudança. No entanto, se na altura eu pensava que ainda tínhamos um longo caminho a percorrer, cada vez me convenço mais disso e acho também que já não se está a falar do assunto como há alguns meses atrás.

Comecei a sentir necessidade de voltar a escrever sobre o tema depois de ter lido notícias relacionadas com mais um caso de conduta imprópria. No centro da questão estava a atriz Eliza Dushku, que certamente muitos conhecerão de séries como Dollhouse e Tru Calling, que foi indemnizada em 9.5 milhões de dólares por ter sido retirada do elenco da série Bull. O que aconteceu? As informações indicam que Dushku acusou (tendo inclusivamente feito uma queixa formal à CBS)  Michael Weatherly, o protagonista da série, de comentários sexuais impróprios. Não tardou a que a personagem da atriz fosse assim afastada da série. Ok, eu vejo aqui alguns problemas. Não se viu em lado nenhum informações sobre tentativas da CBS de apurar o que aconteceu, que é o mínimo que devia ser feito. Assumiu-se então que o problema era Eliza – ou o facto de ela ter falado de algo delicado – e portanto o passo a tomar foi afastá-la. Para mim este é o segundo problema. O terceiro prende-se com Les Moonves, o manda-chuva do canal na altura. Também ele tem sido alvo de várias acusações de assédio e violação sexual e em setembro acabou por ser afastado do cargo. É claro que enquanto houver complacência por estes atos nos lugares de topo, nunca nada mudará significativamente.

Outro grande problema somos nós próprias, mulheres. Depois de mais esta polémica com Dushku e Weatherly, houve vozes femininas que vieram a público defender o amigo. Foram elas Sasha Alexander e Pauley Perrette, antigas colegas do ator em NCIS, que falaram no grande coração e na amizade e confiança que nutrem por ele. Ok, são amigos, mas estas declarações passam a mensagem errada. Só porque adoramos uma pessoa e não temos uma única coisa de mal a dizer sobre ela por experiência própria, isso não significa que essa mesma pessoa não possa ser um traste noutras relações. Não tem que haver um precedente para fazer de algo verdade.

Quero, no entanto, sublinhar que não defendo uma caça às bruxas e acho que todas as alegações devem ser investigadas seriamente para apuramento da verdade. Não estou a atribuir culpas, mas também sou da opinião de que às vezes se procura descredibilizar algo só porque nos custa a acreditar. Quando são casos isolados pode ser mais fácil fazê-lo, mas quando alguém é acusado por várias pessoas do mesmo crime, então talvez haja realmente algo de alarmante ali. Nem sempre é feita justiça nos tribunais porque nem sempre é possível provar as alegações, mas também defendo que as cadeias de televisão e quaisquer outras plataformas em causa devem tomar as suas próprias medidas com averiguações internas. Não se pode encarar com leveza nenhuma destas questões.

Lembro-me que na altura em que este movimento de consciencialização para a problemática do assédio sexual surgiu, houve logo vozes que se levantaram para dizer que poderia estar a cair-se no exagero. Vem-me à memória Catherine Deneuve, por exemplo, uma famosa atriz francesa que considerou estes movimentos como uma “caça às bruxas” que está a ser feita aos homens. Não me identifico nada com a visão de Deneuve, que defende que este combate promove o ódio aos homens e reprime a liberdade sexual. As liberdades que estão a ser violadas são as daqueles que – independentemente de serem do sexo feminino ou masculino – são alvo de avanços indesejados, de piadas ou comentários sexuais, de discriminação de algum género.

É claro que uma violação não está ao mesmo nível de uma piada porca, mas só porque uma coisa é menos má do que outra não significa que não seja errada também. Porque é que alguém que está a trabalhar, por exemplo, tem que lidar com esse tipo de coisas? Nunca passei por uma situação assustadora, mas já atendi clientes que fizeram comentários sobre a minha aparência e garanto-vos que isso me deixou furiosa. Porque é que tenho que estar a servir uma torrada a alguém ou a mostrar uma peça de roupa numa loja e o cliente faz uma observação pessoal sobre mim? E sabem que mais? Fiquei furiosa, mas não fui capaz de dizer nada, simplesmente virei costas. Tenho a noção de que a sociedade no geral acharia que o comentário feito não tem mal, mas deixou-me extremamente desconfortável. Imaginem quando esse comentário – ou pior – é feito por um superior hierárquico ou quando não se trata de uma situação esporádica, mas algo com que têm de lidar diariamente.

Mais importante, o objetivo não é perseguir os homens, mas sim impedir que estes comportamentos continuem, sejam da parte de quem for. Também Frankie Shaw foi notícia por alegações de discriminação racial e comportamentos abusivos nos bastidores de SMILF e espero a mesma tolerância zero em relação a ela que defendo em qualquer outro caso que tenha surgido anteriormente.

Este problema não pode estar apenas nas nossas mentes quando surgem notícias como aquelas que aqui mencionei, deve ser algo que combatemos no dia a dia, com pequenas coisas. A televisão, o cinema e a música são indústrias que despertam a nossa atenção para este tema porque são muitas as vezes em que estão envolvidos nomes que conhecemos e dos quais até gostamos. Por isso é que acho importante que o debate continue e que não perca força, porque todos os dias há crimes sexuais a serem cometidos, pessoas a ficarem com as vidas destruídas por causa disso.

Falem sempre que uma injustiça ou crime for cometido sobre vocês, mas nunca façam ouvir as vossas vozes para denunciar alguém por um crime que não cometeu. Só algo assim pode retirar força a estes movimentos e seria uma pena que algo tão significativo fosse manchado desta forma. Se defendo as vítimas de crimes, também tenho a maior solidariedade para com todos aqueles que são acusados injustamente de crimes que não cometeram, às vezes apenas por vingança. Casos assim também todos conhecemos das notícias e uma acusação destas tem a mesma capacidade de destruir uma vida que um abuso sexual. É por isso que é tão importante o apuramento da verdade, mas também não podemos esquecer que nem sempre os organismos competentes conseguem dar às vítimas a justiça que elas merecem.

Os atos têm consequências e já se tem vindo a provar que isso é verdade, mas é preciso mais. Precisamos de apostar na mensagem de que ninguém tem o direito de nos fazer sentir desconfortáveis no nosso corpo, de violar a nossa privacidade, de dizer ou fazer coisas impróprias, de discriminar com base na raça, género ou preferência sexual. Precisamos de passar esta mensagem às gerações mais novas para que deixe de haver pessoas a dizerem #MeToo.

Diana Sampaio

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