1986, a série portuguesa criada por Nuno Markl. O que é que vos posso dizer sobre ela? Primeiro, que tentei mesmo! Vi o primeiro episódio quando passou na RTP, esperei uma semana e vi o segundo e foi aí que tudo descambou. Nessa mesma noite em que passou o segundo episódio, dei por mim a ir ao RTP Play. Quando fui dormir já ia a meio da temporada, composta por 13 episódios de pequena duração (aproximadamente 38 minutos). É escusado dizer que a acabei no dia seguinte.
Para quem já viu os primeiros dois episódios e anda a acompanhar ao ritmo que a RTP transmite, já sabe sobre o que vai ser a história, sobre um grupo de miúdos e as suas vidas numa altura de grande tensão política quando Freitas do Amaral se opunha a Mário Soares na segunda volta para as presidenciais de 86. O jovem grupo é constituído por Tiago, um rapaz inteligente e simpático que sofre um pouco de bullying na escola por ser considerado um nerd. Sérgio, fã de metal, sempre divertido, é o melhor amigo de Tiago. Em oposição temos Patrícia, uma rapariga que segue um estilo de vida gótico e vê sempre o lado depressivo das situações. Em complemento ao trio temos Marta, uma rapariga bonita e certinha por quem Tiago tem uma paixão. E, por fim, temos Gonçalo, o rufia não muito inteligente que também gosta de Marta.
É muito redutor reduzir estas cinco magníficas personagens a umas descrições tão simples e peço que me perdoem, mas é apenas para quem ainda não decidiu ver a série conseguir ter uma leve ideia do que vou falar.
Apesar de ter nascido muito depois do ano de 1986, é fácil de perceber onde está logo uma das genialidades desta série, na captura espectacular de uma época, desde as roupas às falas, já para nem falar do estilo musical. A banda sonora desta série é deliciosa, desde a música de entrada, Electrificados, criada por Lena D’Agua, João Só e Catarina Salinas, que não passei à frente uma única vez, quer fosse o primeiro episódio que via naquele dia ou o sexto. O trabalho de João Só a recolher e organizar a banda sonora é espetacular e merece ser louvado. Se quiserem ouvir, esta já se encontra toda disponível no Spotify. Duvido que alguma vez os Baltimora pensassem que Tarzan Boy daria nome a um episódio de uma série e, muito menos, que fosse um bom episódio. Mas aconteceu!
Saindo do capítulo da música, queria dirigir-me à realização e atuação presentes nesta série. Eu sofro de um grande preconceito, alguns de vocês poderão sentir também o mesmo, mas para mim, ao nível de entretenimento televisivo, o que é feito em Portugal normalmente é logo mau e, quando comparado com as possibilidades que temos de fora, fica muito aquém. No entanto, a minha admiração e gosto pelo trabalho de Nuno Markl fez-me combater esse preconceito e dar uma oportunidade justa a esta série. E valeu a pena cada minuto. Não faltava credibilidade às atuações deste maravilhoso elenco.
E a história? Totalmente original e com todos os outros fatores que já deixei enumerados, a nossa atenção consegue focar-se na história e ficamos interessados e cativados. O primeiro episódio é para conhecer as personagens e com o que contamos, apesar do pai de Marta e do pai de Tiago serem um pouco exagerados nas suas afiliações políticas, isso acaba por aumentar a longo prazo o interesse e afiliação que temos para com a situação política da série. Quando damos conta já estamos interessados em ver até a um evento que é uma grande festa. Depois disso vem um episódio duplo com um pormenor delicioso. Existe um momento de metaficção. Quando Sérgio diz algo do género “Se fosse uma série ficávamos agora à espera do episódio seguinte” e acaba. Sim, barreiras entre a ficção e o espectador a serem quebradas por algo feito em Portugal.
A evolução das personagens também é algo digno de nota, vamos conseguindo acompanhar e ver essa evolução e aqueles personagens que começaram os primeiros episódios já não são os mesmos que acabam no último. Resta dar os parabéns a toda a gente envolvida neste projecto e que venha uma 2.ª temporada! A toda a gente e em especial ao Nuno Markl, que sem ele isto não teria sido feito! As poucas aparições que teve na série foram tal e qual dignas de um cameo do Stan Lee. Uma pequena série de 13 episódios que espero que seja um grande impulso para mais produções destas. Obrigado, Nuno!
Raul Araújo