[Contém spoilers]
Sim, eu sei que é não é a primeira nem segunda vez que nos debruçamos sobre 13 Reasons Why, mas há séries sobre as quais tenho mesmo a necessidade de escrever e a verdade é que a história me marcou. Não a nível pessoal, mas como ser humano.
Primeiro li o livro, depois vi a série. Confesso que gostei mais do livro. Não adorei a série, mas acho-a socialmente muito relevante. Muitas séries abordam temas de maior importância, mas este é algo com que todos nos podemos identificar, porque todos andamos na escola, todos percebemos muitos dos problemas com que os adolescentes se debatem, mesmo que não tenhamos passado por algum em concreto. Quem é que nunca se sentiu posto de parte por um amigo(a) e/ou quem é que nunca fez precisamente isso? Eu confesso, já passei por ambas as coisas. São coisas normais da adolescência! Podem ser algo passageiro e que rapidamente ultrapassamos, mas também podem ser coisas que deixam marcas pesadas. Foi o que aconteceu com Hannah.
Já referi que gostei mais do livro do que da série e é aqui que explico o porquê. O livro é mais puro, menos exagerado. Muito do que se passa no livro acaba por acontecer de forma pior na série e isso chateia-me por uma razão muito simples, porque dá a ideia de que estão a dizer: Hannah, aquilo que te aconteceu no livro não é suficientemente mau, por isso vamos piorar tudo para justificar o teu suicídio. Ok, provavelmente a intenção não era transmitir isso, mas é a ideia com que fico. No entanto, o que importa não é o que aconteceu a Hannah, é sim a forma como ela se sentiu em relação a isso. Talvez Hannah fosse uma menina demasiado sensível para o seu próprio bem, mas foi demais para ela e não é justo que alguém ache que as coisas pelas quais passou não fossem suficientes para se matar só porque ela já tinha pensado nisso antes de ser violada. Não é justo culpar a vítima ou atribuir-lhe um rótulo de frágil.
Contudo, eu não consigo deixar de pensar que Hannah foi uma vítima, mas também foi uma bully, de certa forma. Aquelas cassetes… O sacana do Bryce merecia ser denunciado; Sheri tinha de ser responsabilizada pelo que fez; as pessoas precisavam de saber que Marcus não é o bom rapaz que aparenta, que Tyler é um weirdo que tira fotografias a momentos privados e Justin precisava de encarar o facto de que não tinha feito nada para impedir que a namorada fosse violada, mas muitos dos outros… Quanto muito são culpados de serem idiotas ou egoístas. Acho que sentirem-se responsáveis pela morte de alguém é um castigo demasiado pesado por se ser parvo. E Jessica! Aquilo por que aquela miúda passou… Ela devia ter tido duas hipóteses: Justin e Hannah. Os dois sabiam o que Bryce lhe estava a fazer e nenhum o impediu. É uma culpa que Justin terá de continuar a carregar e que Hannah certamente levou com ela. No entanto, é a prova de que boas pessoas permitem que coisas más aconteçam!
Apesar da minha clara preferência pelo livro, é óbvio que a série é muito mais eficiente em mostrar a dor de todos os envolvidos: Hannah e os pais, Clay. Mas Hannah, a sério! Acho que nunca chorei tanto a ver uma série como no momento em que ela se matou. Com o distanciamento que os meus 27 anos me dão, acho que há algo de verdadeiramente deprimente e cruel no suicídio de uma miúda de 17 anos que deveria ter a vida toda pela frente. A vida para Hannah tornou-se tão má que não foi capaz de ver para além do sofrimento, não conseguiu ver que o liceu acaba e que teria o mundo à espera dela. Não conseguiu ver que um dia ultrapassaria tudo aquilo e que poderia conhecer pessoas que seriam aquilo de que ela precisava. Hannah não conseguiu ver um futuro porque o presente foi demasiado cruel com ela. Nenhuma criança devia sentir-se assim, nunca: sozinha, sem esperanças, sem sonhos. Tudo o que ela queria era ser aceite, respeitada e ter amigos. Não é pedir muito.
E aqueles pais! Deve ser o pior pesadelo para alguém deparar-se com a filha morta numa banheira cheia de sangue e depois terem que lidar com a culpa de que algo de errado se passava com ela sem terem reparado em nenhum sinal. No entanto, a verdade é que Hannah não lhes deu nenhum. As cenas de família nos flashbacks foram das minhas preferidas da série e ver a transformação na vida de Andy e Olivia… Kate Walsh está extraordinária no seu papel. Acompanhei-a durante muitos anos em Grey’s Anatomy e Private Practice e não vi em Olivia nada que me lembrasse Addison. Walsh distancia-se tremendamente de todos os outros papéis que lhe conheço e é precisamente essa versatilidade que gosto de ver num ator.
E Clay! Como é que um miúdo genuinamente bom lida com uma coisa destas? A perda de alguém de quem ele gostava realmente e que ele veio a descobrir que poderia ter ajudado. Clay não sabia que tinha o direito de se envolver porque, se soubesse, tê-lo-ia feito. Podia ter sido a tábua de salvação de Hannah.
Na altura em que a série saiu, foram feitas críticas às imagens chocantes transmitidas, quase como se 13 Reasons Why fosse uma glorificação do suicídio. Acho que não faria muito sentido contar a história de uma miúda que se mata sem depois mostrar o fim. É certo que a forma como acontece é chocante, muito chocante, mas não será muito mais chocante o resultado em si do que a forma como a morte ocorreu? O que é que pode haver de mais chocante do que uma miúda de 17 anos a matar-se? Hannah matou-se da mesma forma como viveu, com intensidade. Teria sido muito mais soft tomar uma data de comprimidos, mas não teria tido o mesmo efeito dramático e, afinal de contas, esta é uma história trágica. E trágico foi o quanto Mr. Porter podia ter feito alguma coisa e não fez. O trabalho dele não passa por ajudar os alunos e perceber quando há algo de errado com eles? Quer dizer, a forma como Hannah falou não o alarmou o suficiente? Era preciso ser mais óbvia do que aquilo? Hannah pediu ajuda e se Porter tivesse feito o seu trabalho ela ainda poderia estar viva. Ele era o adulto naquela situação, tinha a obrigação de ter feito alguma coisa. Uma miúda está morta porque ele não quis saber, fez o discurso que nenhuma vítima gostaria de ouvir. Ajudou-a a atirar-se para o abismo que tantos outros já tinham ajudado a criar.
Eu já sabia o desfecho, mas dei tantas vezes por mim, durante os episódios, a desejar que as coisas nunca acabassem como iriam acabar. E se naqueles momentos finais Hannah tivesse tido a sorte que não teve durante o resto da vida e a mãe a tivesse encontrado antes de se esvair em sangue? Teríamos uma miúda deitada numa cama de hospital, com os pulsos ligados, mas viva e com a possibilidade de um futuro. E Clay nunca teria de carregar a culpa de não lhe ter mostrado que podia ser a razão para ela viver.
Esta série é uma lição de vida que nos ensina a olhar para os outros de forma atenta e a tratá-los de forma mais decente. É também uma lição de que muitas vezes perdemos tempo com os Justin Foley deste mundo quando devíamos reparar nos Clay Jensen. Este miúdo vale mais que uma equipa inteira de desportistas populares. Este miúdo carregou uma culpa pela qual não merece ser responsabilizado, procurou respeitar os últimos desejos de Hannah e, ao mesmo tempo, fez tudo para fazer justiça e preocupou-se com Jessica quando mais ninguém pareceu querer importar-se com aquilo que ela precisava. E viu que Skye também precisava de alguém! Acho que Skye e Hannah poderiam ter sido amigas, que se teriam compreendido. Hannah nunca encontrou as pessoas certas e elas estavam mesmo ali.
Não sei em que é que este processo judicial vai acabar, mas há responsabilidades a apurar. Aquele liceu é um verdadeiro epicentro de bullying e enquanto as escolas não tomarem medidas sérias que sancionem esses comportamentos, nada vai mudar. Esta Hannah Baker é um produto de ficção, mas nem assim deixa de ser real. Há muitas como ela, só que com outros rostos, com outros nomes, e isso tem que parar!
Diana Sampaio