Já aqui foram escritas algumas linhas sobre Chosen, mas será que alguém ouviu falar da série de animação Chozen? Dou um rápido mergulho numa série animada made in USA com um elenco vocal de fazer inveja ao nosso querido Dragonball, de “puro cristal.”
Chozen é antiga. Chozen é alternativa. Chozen é complicada de digerir. Falamos da série ou da personagem principal que lhe dá nome? De ambos, na verdade. Com protagonistas de primeiríssima linha como Michael Peña, Kathryn Hahn, Hannibal Buress ou Method Man, Chozen leva-nos numa alucinante e psicadélica viagem ao submundo e subconsciente de… Chozen, pois claro.
No centro da trama temos um rapper que foi preso por um crime que não cometeu e que voltou para rabejar o mundo que lhe virou costas. Traído pelo seu colega de banda Phantasm (um incrível Method Man no mic), Chozen sai da joint de ideias fixas e motivações claras: vai ser uma estrela de hip-hop. Tem de ser. Dê por onde der!
A série convida ainda Danny McBride (que está de volta com The Righteous Gemstones e foi um dos estarolas que assinou longos contratos com a HBO e nos deu séries de culto como Eastbound and Down e The Vice Principals) para o papel de Jimmy, uma personagem que bebe bastante do ator que lhe dá voz. Jimmy é tempestade num copo de shot: imprevisível, perigoso, viciado em drogas e maus conselhos. Demasiado Danny? Por mim, impecável!
Voltando à premissa: o rapper pretende conquistar o mundo e arredores, só que volta para ‘nanar’ em casa da sua irmã mais nova. Kathryn Hahn mostra serviço, sendo uma das tarefeiras que satisfaz sempre bem, dando voz a uma estudante de universidade. Logo as coisas começam a dar para o torto: desde ir à casa-de-banho fazer cocó e não fechar a porta (“Great, you’re shitting with the door open…”, “Yay, I’m shitting with the do’ open. Gotta keep my eyes open cuz fools be creepin’!”), até alugar filmes para se masturbar no sofá, Chozen ‘diverte-se’, respira o ar fresco da liberdade, ao mesmo tempo que solta rimas sobre sofrimento, os tempos que passou na prisão, como isso o afetou, etc..
A série intercala momentos estapafúrdios com beats e rimas (ou não fosse ele um rapper amador), num exercício interessante de autoanálise que nos engaja e aproxima do protagonista e dos seus dilemas. Ao visitarmos sonhos e esperanças de Chozen, torcemos por ele, mas também nos partimos a rir graças à sua miséria.
Falou-se do antagonista, Phantasm, que funciona como acelerador de conflitos óbvios que cedo são anunciados. O primeiro episódio termina com Chozen de volta à pseudo-ribalta, quando retoma o contacto com os seus antigos colegas de banda, Crisco e Ricky (interpretados por Buress e Peña), retirando-os das sombras das performances de festas de crianças para devolvê-los à alegria de atuarem ao vivo, os três, felizes e contentes como antigamente.
Não sabemos exatamente como esta série surgiu. Sabemos, obviamente, porque rapidamente acabou. Um rapper branco, homossexual, ex-condenado, num mundo diverso (brancos, negros, latinos, asiáticos, a série junta todos num caldeirão de piadas que hoje iriam ao lápis azul da cena woke) não foi fácil de manter. O mentor da extinta série (uma one season wonder), Grant Dekernion, garantiu que era importante “animar a série porque queria ter momentos onde pudesse esticar a realidade, entrar nos sonhos de Chozen e dos outros tipos”.
À vista desarmada, Chozen é sobre um underdog. Não difere, na essência, de outras animações, mesmo do Japão, como Naruto, Hunter X, My Hero Academy, entre outras. Basicamente, “ele começa por baixo”, adianta. Sendo um fã incondicional de rap, Grant levou a ideia à Rough House Pictures, de Danny, Jody Hill e David Gordon Green, que logo viram Chozen como uma pedra no charco em termos do que poderia trazer ao pequeno ecrã. Ao médio ecrã. Sim, porque estamos na era dos telemóveis e tal…
Da Rough House até à aprovação do FX foi um tirinho: “Bastou uma reunião. Eles fizeram-me perguntas acertadas sobre a personagem, motivações, até onde poderia ir, e pimba. Nem queria acreditar. De repente, passados nem dois anos do início da ideia, tinha uma série aprovada para estrear!”, conta o criador, numa entrevista dada à AWN.
Grant conseguiu aprovar uma série animada alternativa, no pitch e nas personagens, nos idos de 2014, sem sequer apresentar desenhos, algo absolutamente único em termos de animação: “Tinha ideia que o Crisco seria parecido com A, B, C. Nunca lhes mostrei visuais.” Ainda assim, sabia que seria um long shot em termos de aceitação do público: “Talvez seja visto e aceite por todos, mas acho que é mais para malta dos 18 aos 40.”
Como já foi dito, para alavancar Chozen, a escolha do elenco foi importante. Capturar Bobby Moynihan (“primeiríssima escolha”, segundo o criador), um all-arounder do Saturday Night Live, deu frutos porque há em Chozen tanta maluquice e egocentrismo como coração mole e vontade de ajudar os outros, algo que Bobby consegue transmitir na perfeição. Aliás, basta espreitar Comic Cons com o ator e de imediato sentimos esta vibe.
O resto do talento vocal já tinha trabalhado com Danny McBride. Quem faz as vozes dos raps de Chozen é o próprio criador, Grant Dekernion. Quanto a Michael Peña ou Method Man, gente mais difícil de agarrar, a disponibilidade foi tremenda: “o Michael estava a gravar um filme da II Guerra e aceitou dar uns berros por nós; o Method Man podia estar na Noruega durante uma semana, a mesma coisa… todos foram incríveis.”
Chozen foi rap de pouca rima. Tão depressa foi aceite e apoiada pelo FX como rapidamente levou com o machado após o 13.º e último episódio da (então) 1.ª temporada.
Uma série anos à frente do seu tempo, que arriscou, brincou, baralhou e não voltou a dar, como a maioria do conteúdo mainstream da época. As fraquíssimas audiências ditaram o fim da aventura e, assim, o simpático e tresloucado rapper ficou-se pela rota dos festivais de verão, nunca estrelando nas arenas que desejava.
Com pena minha, porque Chozen merecia mais. Muito, muito mais.