Para quem gosta de História e de viajar até outros tempos, não faltam séries passadas em épocas em que a maioria de nós ainda nem sequer sonhava nascer. Já aqui falámos de algumas, mas desta vez o nosso foco vai ser mais específico: minisséries históricas. Umas passadas num período em que os nossos pais ou os nossos avós já eram vivos; outras, remontam a períodos mais longínquos, mas todas elas nos dão a conhecer realidades bem diferentes das nossas. Aqui fica então uma lista que junta algumas das nossas favoritas e outras que considerámos não terem sido concretizadas com o maior sucesso. Sim, porque nem sempre a História nos cativa!
Belgravia
Esta série é como uma droga de recuperação para quem, anos volvidos, ainda ressaca por Downton Abbey. Em vários aspetos tenta recriar a nostalgia do melhor de Downton Abbey (o guarda-roupa, o estilo de diálogo, os costumes, a passivo-agressividade dos personagens), mas falha no mais importante, a familiaridade. O que tornou Downton Abbey tão amada foi a proximidade desenvolvida com os personagens ao longo do tempo, algo que uma minissérie não consegue forçosamente replicar. Isso faz com que as alegrias não batam tão forte nem os vilões provoquem reação como o esperado.
Assim, Belgravia está mais parecida com uma série de adaptação aos romances de Jane Austen (Sense and Sensibility, Pride and Prejudice, Emma e Persuasion) do que Downton, o que não é forçosamente algo mau. Apesar do jovem romance e das ganâncias adultas, é através de Anne Trenchard (Tamsin Greig) e Caroline (Harriet Walter), duas veteranas da representação, que o argumento é transportado, arcando elas também com os principal mérito em termos de elenco. Belgravia é um bom delight para quem gosta de séries de época, de histórias de amor e de ler Os Maias.
Man In An Orange Shirt
O passado e o presente interligam-se numa história inspirada na família do seu criador, Patrick Gale. O tema da homossexualidade ganha destaque nesta minissérie e transporta-nos para um período em que era impensável alguém assumir uma relação com uma pessoa do mesmo sexo, num verdadeiro contraste com a liberdade que Adam Berryman (Julian Morris), um jovem de agora, tem para viver a sua vida às claras. É impossível ficarmos indiferentes à impossibilidade de Thomas e Michael viverem o seu amor e também não é fácil lidar com a reação de Flora ao facto de o marido ser gay, mas temos que lembrar-nos que se tratava de uma época completamente diferente, ainda distante de quaisquer lutas pelos direitos das pessoas homossexuais.
Man In An Orange Shirt abre-nos os olhos para o facto de que algo tão simples como o amor não é um dado adquirido para todos. O final pode não ser o mais feliz, mas esperar outra coisa seria irrealista de um período posterior à Segunda Guerra Mundial. O elenco é bom, a história é comovente e os episódios são só dois!
Esta série é uma adaptação de um livro com o mesmo nome e conta a fascinante história de Mildred, uma mulher muito à frente do seu tempo que, ao separar-se do marido, decide abrir o seu próprio negócio, um restaurante, em 1929, em plena Grande Depressão. Numa época em que as mulheres não eram independentes economicamente e em que viviam praticadas confinadas à vida familiar e à casa, Mildred revela-se uma verdadeira guerreira. A vida não é fácil para ela, que tem de criar sozinha as filhas, mas o destino reserva-lhe obstáculos ainda maiores. No entanto, esta é uma daquelas mulheres que nunca permite que a vida a deite abaixo e que luta sempre para seguir em frente.
O elenco é incrível, com destaque para a sempre brilhante Kate Winslet e para uma Evan Rachel Wood ainda novinha, mas já muito promissora. A série parece realmente transportar-nos para aquela época e a forma como a história é contada agarra-nos ao ecrã do início até ao fim, fazendo-nos viver com emoção todas as tribulações que Mildred tem de enfrentar ao longo da vida.
Mrs. America
Esta é uma série que todos deviam ver. Em nove episódios, Mrs. America leva-nos pela História recente americana, até aos anos 70, onde está em jogo a ratificação da ERA (Equal Rights Amendment), uma emenda que pretendia dar às mulheres direitos iguais aos dos homens. De um lado estavam as feministas; do outro, as conservadoras que fizeram da sua luta impedir a aprovação desta emenda. É sabido que há muitas mulheres que, tal como muitos homens, fazem da sociedade um lugar de desigualdade – que, em última instância, as prejudica -, mas conhecer esta parte da História em que sabotaram os seus próprios direitos foi uma verdadeira aprendizagem para mim.
Os argumentos contra a ERA eram absurdos, tal como o é sempre este tipo de retórica. Senhoras, ninguém vos vai obrigar a deixarem de ser donas de casa, ninguém vos vai obrigar a ir trabalhar, ninguém vos vai obrigar a fazer um aborto e a vossa heterossexualidade e a instituição do casamento não vai ser ameaçada se forem concedidos direitos às mulheres e à comunidade LGBTQ+. E estão tão preocupadas que as vossas filhas sejam obrigadas a ir para a guerra? Porque não vos interessa lutar contra as guerras que levam os vossos filhos rapazes para frentes de batalhas onde correm o risco de ficar estropiados para toda a vida, psicológica e emocionalmente destruídos ou mortos? É bom que uma mulher seja sustentada pelo marido, não tenha que trabalhar e possa ficar em casa a tomar conta dos filhos? Talvez possa ser para algumas, mas o que acontece àquelas que até não têm a sorte de ter um marido simpático, mas sim um que gosta de resolver as coisas aos gritos e ao murro?
Resta-lhes aguentar porque não têm meios para serem independentes e, no seio de uma sociedade fechada, nem sequer têm muito a quem pedir ajuda, porque o que ouvirão será provavelmente algo como: ele é teu marido, é assim que as coisas são. No entanto, sei que não é surpreendente que isto tenha acontecido há mais de 40 anos, quando há quatro os eleitores americanos preferiram eleger um homem sexista, racista e homofóbico em vez de uma mulher.
Mrs. America é uma verdadeira viagem até um momento muito interessante da História Americana e traz-nos não só uma narrativa cativante capaz de nos sentir uma infinidade de coisas, como uma excelente banda sonora que nos parece transportar para aquela época e um elenco fabuloso, com destaque para Cate Blanchett, Sarah Paulson, Margo Martindale, Rose Byrne e Elizabeth Banks. Se se interessam por estas questões de igualdade/desigualdade, recomendamos o filme On the Basis of Sex e o documentário RBG, ambos sobre Ruth Bader Ginsburg, uma grande mulher que dedicou a sua vida à luta pela igualdade de género e aos direitos das mulheres.
The English Game
Sim, é uma história sobre futebol, mas o desporto é secundário na trama, já que o verdadeiro drama é vivido pelas personagens fora do campo. A nível narrativo há semelhanças com Poldark, com arcos que não complicam muito, com finais felizes previsíveis e resoluções milagrosas em cada esquina. A fotografia colorida faz com que os episódios sejam mastigados com facilidade. Edward Holcroft (Gunpowder, Wolf Hall e Alias Grace) e Kevin Guthrie (Fantastic Beasts and Where To Find Them) são o duo rival que alimenta a história e “rivalidade”. Rivalidade entre aspas porque o facilitismo da história faz com que ambas as personagens façam quase sempre o mais correto.
Não sabemos até que ponto a história retratada é parecida com a realidade, mas aqui não vão encontrar complicações nem complexidade. Uma pequena nota final para as cenas de futebol jogado, sempre tão difíceis de reproduzir na ficção, mas que a série até faz relativamente bem.
Vamos deixar The Kennedys: After Camelot de fora porque, para começar, nem vimos, mas também porque aquilo que ouvimos não foi muito favorável e vamos focar-nos apenas na minissérie original de 2011. Não lhe chamaríamos um guilty pleasure porque a série tem um pouco mais qualidade do que aquilo que se esperaria ver num, mas a verdade é que dá um pouco a sensação de que é isso mesmo. Os Kennedy são uma das famílias mais famosas do mundo, envolta em escândalos e sempre debaixo das luzes dos holofotes. Talvez a trama pudesse ter beneficiado de uma abordagem diferente, mais focada na presidência de Kennedy e no clima político de então, mas o foco não foi propriamente esse.
O elenco não é extraordinário, mas é credível e, apesar de não termos a sensação de estar a assistir a uma das mais fiáveis adaptações de um momento da História, há qualquer coisa que nos agarra ao sofá e que nos faz querer ver tudo até ao final, apesar de todos sabermos que JFK acaba assassinado. Não é uma série especialmente marcante ou memorável, mas nem todas têm que o ser. É o tipo de série de que se desfruta sem, no entanto, se sentir nenhum deslumbramento.
The Long Song
Há temas que, pela sua importância, deviam estar sempre na ordem do dia e nunca cair no esquecimento, mas se há coisa que a vergonhosa morte de George Floyd, às mãos de um polícia imbecil e dos seus colegas que nada fizeram, conseguiu fazer foi mobilizar as pessoas na luta contra o racismo. Mais do que uma série sobre o racismo, The Long Song é também uma história sobre a escravatura. Passada na Jamaica, que está sob o domínio britânico, no século XIX, a trama acompanha o início da revolta das pessoas negras contra aqueles que as escravizaram durante séculos. Apesar de se tratar de um produto de ficção, esta série provavelmente poderia encaixar-se nas vidas de muitos que, durante tanto tempo, viveram como propriedade de outros. Emocionalmente duro de ver, este é um bom drama que apela às lágrimas, mas há pequenos momentos deliciosamente engraçados, cortesia, sobretudo, da nossa protagonista, July, uma jovem negra a quem a vida nunca deu razões para sorrir, mas que, ainda assim, tinha uma luz muito especial.
O elenco é bastante bom – esqueçamos Hayley Atwell, que interpreta uma das personagens mais irritantes de que há memória -, mas não há que enganar: a série brilha especialmente pelo assunto imensamente relevante sobre o qual se debruça e consegue fazer-nos chorar com as personagens, bem como deixar-nos revoltados pelo mal de que a humanidade – que tantas vezes nada tem de humana – é capaz.
The Spy
Por detrás desta minissérie está uma história que realmente seria interessante ver, mas não é esta. Sacha Baron Cohen mostra aqui algumas capacidades como ator para além do comediante de 1001 caras, mas não é pessoa capaz de dar vida a um homem complexo como Eli Cohen. Ou pelo menos não seria se a série se focasse na intensidade psicológica, no stress inimaginável de viver anos num país inimigo como espião de Israel, na vida mais devassa do verdadeiro Eli. No entanto, a série foca-se mais numa versão heroica e simplificada de Cohen e Sacha não se envergonha.
Seria de facto interessante ver a história seguir por caminhos mais negros, mas o resultado é uma sequência de acontecimentos que não chegam a provocar verdadeira tensão, porque o que nos é mostrado é um herói quase sem pecados e uma missão quase divina. Ainda assim, não deixa de ser uma agradável aposta para quem gosta de histórias de espionagem à antiga.
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Diana Sampaio e Vítor Rodrigues