Um desabafo sobre o consumo compulsivo de séries
| 01 Fev, 2020

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Lembro-me de ter 15 anos e ter entrado no mundo das séries. Não me recordo exatamente qual foi a série que me viciou na entrada das histórias contadas através da televisão. Provavelmente foi Friends, que já revi desde então mais vezes do que aquelas das quais me orgulho.

Hoje, ver uma série é o mesmo do que ler um livro ou ir fazer uma caminhada. Um hobby. Algo que se faz e que se partilha com a família, amigos ou colegas de trabalho. Ver uma série é agora uma experiência única. O streaming permitiu que as séries ultrapassassem barreiras físicas e culturais que a televisão tradicional nunca imaginou ser possível. As séries estão disponíveis com cada vez mais facilidade e em cada vez mais dispositivos. Já desabafei mais profundamente sobre isso num artigo de desabafo sobre o streaming.

É ótimo que as séries tenham o reconhecimento que merecem. Umas mais do que outras, mas isso é tema para outra crónica. Finalmente vemos as séries com o mesmo patamar de importância que o cinema ou, em alguns casos, com mais reconhecimento do que os filmes. Este é um dos aspetos positivos da atualidade televisiva, mas nem tudo são flores, nem todos os dias têm sol, já dizia a minha avó.

Estar na moda já não é apenas usar a roupa que todos usam ou as sapatilhas que todos vemos usar. É também ver e falar sobre a série daquele momento. Se não estás a ver La Casa de Papel, You ou Sex Education (e atenção que estes são apenas alguns exemplos de uma lista que podia ser muito mais extensa) é como se todos os teus amigos estivessem a comentar o quão fantástico aquele bolo é e tu fosses alérgico.

Até aqui tudo bem, certo? Nem por isso! São cada vez mais os fãs de séries, mas também são cada vez menos aqueles que veem uma série pelo prazer de a desfrutar como sendo uma peça de arte, algo que ainda acontece com muitos filmes. A Netflix é uma das maiores culpadas por isto. Ao lançarem os episódios todos de seguida, incentivam os consumidores, porque neste caso não são espectadores, a consumir da maneira mais rápida possível aquela série.  Vejamos o caso da 2.ª temporada de Sex Education, que saiu recentemente. Basta ir a redes sociais como o Twitter e perceber a rapidez com que foi vista.

Não acho que esteja de todo incorreto ver uma série de seguida. Eu próprio já o fiz. O que acontece é que as pessoas são incentivadas a ver uma temporada de seguida para estarem na moda e poderem falar sobre o que os outros falam. Assim que acaba a discussão da série, passam para a outra. É como se estivessem numa festa de aniversário e depois de comerem o bolo de aniversário, vão-se embora para outra festa de anos onde já existe um novo bolo para experimentar.

A tática da HBO Portugal – muito impulsionada por nos Estados Unidos da América ser um canal de cabo – de um episódio por semana, que também está a ser seguida pela Disney+ (com chegada a Portugal já neste Verão), parece uma solução para evitar esta visualização como um simples ato de consumo compulsivo. Não sei o que futuro reserva, mas a continuar assim deixaremos de ver as séries como arte, mas sim como algo para consumir e deitar fora logo a seguir.

Diogo Alvo

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