[Não contém spoilers]
Depois do filme de 2005, realizado por Steven Spielberg e protagonizado por Tom Cruise, há muito não se falava do clássico A Guerra dos Mundos de H. G. Wells pelos mundos da televisão e do cinema. E de repente, em 2019, surge não uma, mas duas novas séries baseadas na obra literária de 1898.
The War of The Worlds, produção britânica da BBC em parceria com a HBO, pretende ser uma adaptação bastante fiel à história de Wells.
Já War of The Worlds, produzida pela Fox e pelo Canal+, é uma co-produção norte-americana e francesa que reinventa o clássico, trazendo-o para os dias de hoje, mas mantendo pouco do conceito original de Wells.
Com isto dito, era fácil prepararmo-nos desde o início para o que poderíamos esperar de cada uma delas. E a comparação e análise a fazer a cada uma delas tem que ter isto em conta: no caso de The War of The Worlds (daqui em diante designada por TWW/BBC) não podemos esperar ser surpreendidos pela originalidade da história em si, dado tratar-se de uma adaptação bastante fiel ao livro, mas antes ver quão bem esta é feita mantendo ainda um toque de novo e interessante; no caso de War of the Worlds (daqui em diante designada por WW/Fox) não podemos esperar ver os elementos da história de H. G. Wells tal e qual como seria de esperar para quem conhece a história, mas antes ver de que forma a reinvenção da história é executada e nos traz algo novo e original.
Será que conseguiram ambas fazê-lo? Inicialmente propus-me a ver os episódios piloto de ambas para esta comparação, mas numa tentativa de ser justa, dado que o primeiro episódio de TWW/BBC tem mais de 1h30, resolvi ver os dois primeiros episódios de WW/Fox, de 40 e poucos minutos cada um.
Não esperava ficar com vontade de continuar a acompanhar nenhuma delas, mas a verdade é que, por motivos diferentes, fiquei com vontade de seguir as duas. Espero não apanhar um enjoo a vida alienígena nos próximos tempos. Entretanto, eis a minha análise da primeira hora e meia de cada uma destas novas adaptações da Guerra dos Mundos.
TWW/BBC é uma adaptação muito boa e muito promissora. De tão próxima que é à obra original, e com a qualidade inabalável das grandes emissoras que a produzem, a série destaca-se tanto do filme de Tom Cruise (que embora mantenha grande parte dos conceitos originais, reimagina muita coisa e traz a série para um mundo mais contemporâneo), como da versão WW/Fox. Para quem quer conhecer a história de H. G. Wells sem ter lido o livro, eu diria que deveria começar por aqui.
Desde as “erupções” à superfície de Marte, aos meteoritos e subsequentes tripods com os seus laseres, raios térmicos que desintegram pessoas e o venenoso fumo negro, passando ainda pela “planta” vermelha que cobre o planeta após a invasão, a série traz ao ecrã uma versão muito próxima do imaginário de Wells. Falta saber se o desencadear e culminar dos acontecimentos se continua a manter próximo da obra original ou não. Mesmo a nível de época e localização geográfica da narrativa, TWW/BBC mantém-se bastante fiel e muito bem executada. Este último ponto é especialmente importante pois permite à série traçar os paralelos entre o imperialismo britânico e a invasão alienígena que se têm como sendo a crítica político-social subjacente que o autor pretendia transmitir com a sua obra.
Falando em crítica político-social, também WW/Fox não esquece este conceito da obra de Wells, mas aplica-o à luz dos tempos modernos, tentando trazer à baila as divisões e preconceitos existentes na sociedade humana de hoje em dia. Se consegue explorar bem esta vertente a que se propõe, os futuros episódios da série o dirão, mas até agora não considerei o que vi muito forte, nesse sentido. Voltando à narrativa, WW/Fox adapta a “invasão alienígena” do original mas parece reinventar o “como” e “quem” completamente. Achei fenomenal e muito original a concepção que a série faz ao “como”, à estratégia dos invasores extraterrestres para matar os humanos. Estava à espera de algo muito mais semelhante a todas as outras adaptações da obra literária, e aqui realmente a série brilha com o distanciamento e originalidade que arranja. Mas essa teórica originalidade depois mostra-se frágil, e honestamente desiludiu-me precisamente pela falha de originalidade que vem a seguir. No segundo episódio são-nos mostradas as máquinas alienígenas que nesta versão reinventada substituem os gigantes tripods e, dei por mim a dizer “Eu já vi isto em Black Mirror“, e sei bem que não devo ter sido a única pessoa que pensou logo no episódio “Metalhead” de Black Mirror ao ver isto. Ainda fui pesquisar se por acaso o David Slade ou o Charlie Brooker estavam envolvidos em WW/Fox, mas não, não estão. O que me faz questionar se os produtores desta série foram só pedir emprestado o conceito, se o roubaram ou se devemos simplesmente distanciar a semelhança entre os dois e continuar a apreciar cada uma individualmente. Ainda estou para decidir a resposta que me apetece escolher.
Para concluir, o que interessa mais deixar aqui claro é que, pelo menos estas duas versões não se tornam repetitivas nem “mais do mesmo”. Tiveram o azar de sair as duas na mesma altura, o que provavelmente as vai afetar individualmente, mas não me senti a ver duas histórias repetidas sobre a Guerra dos Mundos, mas sim duas histórias diferentes e singulares em si mesmas. Cada uma com os seus pequenos defeitos, mas ambas com potencial para serem duas boas minisséries para os amantes da ficção científica, tanto clássica como contemporânea.
Mélanie Costa