A diversidade na indústria do cinema e da televisão tem sido um tópico muito debatido ao longo dos últimos anos. O público e os críticos têm vindo a pressionar a indústria para a inclusão de personagens de diferentes raças, etnias, géneros, orientações sexuais, entre outras minorias. A televisão é um reflexo das histórias do nosso mundo e, sendo assim, deve incluir toda a gente, com os seus diversos contextos culturais, sociais e políticos. Esta representação televisiva das minorias pode mesmo ter um papel no combate à desigualdade de poder, uma vez que é possível dar voz a grupos que, historicamente, sempre viram as suas histórias esquecidas.
Esta luta pela diversidade na televisão tem contribuído para alguns progressos. Como exemplo, segundo um estudo da IndieWire, nas cinco principais produtoras de televisão americanas, na temporada de 2018-19 verificou-se uma percentagem muita próxima de 50% de atores regulares não-brancos. No entanto, e aqui coloca-se a questão que queremos propor neste artigo, a verdade é que apenas 8 dessas personagens não-brancas foram personagens principais. Temos notado que, apesar da questão da diversidade apresentar notórios progressos, parece que as produtoras televisivas apenas apostam em personagens pertencentes a minorias para preencher uma quota e, assim, poder dizer que estão a fazer a sua parte. O problema é que estas personagens, na generalidade, têm papéis secundários ou preenchem estereótipos como o Gay Best Friend ou o Sidekick de personagens principais brancas. Também há situações em que começam por ser personagens principais ou com bastante destaque, como forma de atrair o público, mas acabam progressivamente por ter cada vez menos tempo de antena ou, no caso de casais homossexuais, um deles morre ou sai da série. Estão lá para apoiar narrativas das maiorias e não para contar a sua própria história.
São estes os problemas que pretendemos agora explorar e debater. Para esse efeito, iremos recorrer a exemplos de diversas séries de géneros variados, tanto recentes como mais antigas, de modo a ilustrar não só os obstáculos sentidos, mas, também, a sua evolução e transformação ao longo do tempo.
O ano é 2009. Ligamos a televisão e programas como Modern Family, Glee e The Vampire Diaries passam nos ecrãs. São narrativas que fogem um pouco à norma do que era esperado, na altura – pode até dizer-se que, dado o contexto, são quase inovadoras. Afinal, trazem ao de cima temas e personagens cujas histórias, até então negligenciadas, estão ainda por contar, e esta é uma tendência gque se mantém e intensifica nos anos seguintes com o aparecimento de séries como Pretty Little Liars, Teen Wolf, The Fosters, entre outras. Nesta altura, torna-se claro que começa então a haver uma maior preocupação com a representação de minorias nos media, com várias personagens a assumir posições de relevo em séries consideradas populares. Foram muitos os passos tomados na direção certa e devemos muito do que temos hoje a séries que ousaram desafiar aquilo que era a norma dos seus tempos. Ainda assim, a verdade é que, em retrospetiva, existem muitas falhas naquilo que foi feito.
Há séries que fizeram um pior trabalho a disfarçar essas falhas, como é o exemplo de The Vampire Diaries e Teen Wolf, cujas únicas personagens de cor ou pertencentes à comunidade LGBTQ+ eram personagens secundárias, usadas, principalmente, para avançar a narrativa das personagens principais, outras quase conseguiram passar despercebidas aos olhares menos atentos. Glee e The Fosters inserem-se nesta categoria.
Estreando-se como uma comédia dramática musical, Glee segue um grupo de alunos do secundário, na sua maioria outcasts da sociedade e, em geral, o estereótipo de pessoas que seriam definitivamente gozadas na escola. Contra todas as expectativas, Glee pega nesta mescla de personagens e faz com que a sua audiência se apaixone por elas, pouco a pouco. Vencedora de vários prémios como Globos de Ouro e Emmys, não há como negar o impacto cultural e televisivo que esta série teve na altura em que estreou, mas, olhando para trás, facilmente nos apercebemos que Glee teve os seus muitos problemas. Ainda que aparentemente contrária ao nosso statement anterior, a quantidade de personagens pertencentes a minorias na série, apesar de realista, não trabalhou a seu favor. Glee teve mais olhos que barriga, nesse aspeto, no sentido em que tinha um conjunto de personagens com bastante potencial, mas cujas histórias ou tiveram pouca importância ou não foram realizadas de forma correta. A maioria destas personagens não chegou sequer a ter grandes momentos próprios, sendo, em grande parte, reduzidas para favorecer Rachel (que, tratando-se de uma minoria religiosa por ser judia, foi das poucas personagens da série que teve tempo de antena suficiente para desenvolver uma verdadeira narrativa, enquanto os seus companheiros apenas tiveram direito a um ou outro episódio).
Com o progresso dos tempos e a constante discussão à volta da representatividade, a televisão foi sendo forçada a progredir e a diversidade passou a ser algo que era esperado das séries. Com a estreia de The Fosters, em 2013, o próprio fator da diversidade foi usado para atrair a sua audiência. São vários os tópicos abordados ao longo das temporadas, contando com histórias e personagens alusivas à comunidade LGBTQ+, a questões raciais e de género. Estes são pontos de vista e histórias de vida que estavam em falta na televisão e que atraíram pessoas que finalmente se viram representadas. Até aqui, aparenta ser uma representação ideal, mas o problema surge quando nos apercebemos que as personagens que pertencem a minorias não permanecem na série durante muito tempo. Cumprem o seu papel na história (que, já agora, envolve quase sempre Callie de alguma forma) e, quando o conflito desta se resolve, são descartados. Um exemplo é AJ Hensdale, personagem que teve imenso destaque e tinha até as suas próprias narrativas independentes acerca da sua família e do seu passado, mas que, ao acabar com a relação com Callie, perdeu todo o protagonismo e acabou por se afastar. Este é o problema que acaba por descreditar The Fosters como uma série progressiva, já que as suas personagens são temporárias e o público, que estava tão investido nelas, vê o tapete a ser tirado de debaixo dos seus pés.
Começamos aqui a perceber que, no que diz respeito à diversidade e representação, quantidade nem sempre é sinónimo de qualidade. Se, numa primeira fase, qualquer tipo de representação era bom, uma década depois não podemos afirmar o mesmo. É particularmente desencorajador ver séries a cometer os mesmos erros das suas antecessoras, uma e outra vez, sem qualquer progresso aparente. Riverdale é um caso óbvio, onde as únicas minorias pertencentes à série são presenteadas com narrativas inexistentes ou, na melhor das hipóteses, completamente absurdas. Durante as suas primeiras temporadas, The 100 representou pessoas de cor como selvagens e vilões e resolveu ainda perpetuar o cliché de Bury Your Gays ao matar Lexa pelo choque que causaria à audiência. Game of Thrones apresenta pessoas de cor como escravos. Enfim, percebem a tendência. A verdade é que este tipo de “representação” nada mais faz do que dar continuação a estereótipos extremamente prejudiciais àqueles que apenas se querem rever nos conteúdos que consomem. Pessoalmente, achamos que todos nós merecemos melhor que isso.
É importante reconhecer os problemas com que as séries se têm deparado, mas é igualmente importante reconhecer o progresso e o mérito das que se estão a esforçar por serem melhores, para serem verdadeiras séries do futuro, inclusivas e relevantes para uma sociedade diversa. A primeira menção honrosa vai então para The Good Place, comédia da NBC que nos traz agora a sua quarta e final temporada, e que se destaca pela diversidade do grupo e pelo facto de o protagonismo ser distribuído entre todos, sendo as narrativas de cada uma das personagens igualmente importantes. Além da diversidade existente na série, os escritores divertem-se a inverter completamente estereótipos associados a certas minorias, como é o caso de Jason Mendoza, personagem asiática, que é o oposto de alguém inteligente, calmo e estudioso.
Por falar em personagens asiáticas, a nova série que tem conquistado o público um pouco por todo o lado é Killing Eve, que também merece um lugar de destaque no nosso artigo. Protagonizada por duas mulheres, sendo que uma delas é asiática e a outra é bissexual, esta série é uma lufada de ar fresco para a televisão, em termos de representação. Aproveitando-a como exemplo, é interessante referir também a importância da diversidade por trás das câmaras. Killing Eve é escrita por uma mulher, Phoebe Waller-Bridge, que se preocupa com questões de género, de igualdade e identidade e isso acaba por transparecer no tipo de histórias e personagens que são criadas. Assim, é essencial contratar guionistas, realizadores e escritores de diferentes géneros, etnias e sexualidades, porque quem melhor do que as próprias vozes das minorias para as retratar em televisão?
Shonda Rhimes construiu um império televisivo precisamente porque, enquanto parte de uma minoria, soube criar histórias apelativas a todos e nas quais qualquer um se pode rever. Scandal, How To Get Away With Murder e Grey’s Anatomy são apenas alguns dos exemplos das várias séries da sua Shondaland que, ao longo dos anos, tem desempenhado um papel fundamental em normalizar e tornar mainstream a ideia de pessoas de cor como protagonistas ou de mulheres em cargos centrais e de poder (qualquer um se lembra de Olivia Pope, Annalise Keating e Meredith Grey), e ajudou ainda a dar relevo a muitos outros grupos até então negligenciados, através de personagens como Arizona Robbins, cuja amputação da perna impactou todos aqueles que passaram por algo semelhante. Definitivamente uma pioneira nesta área, Shonda continua a abrir caminho para que novas histórias e realidades possam ver a luz do dia, tanto dentro como fora do seu império.
Como fomos mencionando ao longo deste artigo, o panorama certamente melhorou, mas apresenta agora problemas mais subtis, pelo que temos também de estar mais atentos e ser um pouco mais críticos. Cabe-nos a nós, enquanto espectadores, exigir que a diversidade existente na televisão não esteja lá só para os números e estatísticas ou para que os produtores possam dar palmadinhas nas costas a si mesmos por um trabalho meio feito. A série perfeita nunca irá existir, é um facto, mas é preciso que a indústria se esforce um pouco mais e, para tal, também nós temos que nos continuar a esforçar para não nos contentarmos com aquilo que já temos, especialmente quando existe ainda possibilidade de melhorar.
Era bom que nunca mais tivéssemos que escrever um artigo sobre diversidade, pois isso significaria que as minorias estariam tão bem representadas quanto as maiorias e que isso já nem seria tópico de discussão, mas, enquanto for necessário, cá estaremos para o fazer.