Dizem que uma imagem vale mais do que mil palavras e talvez isso seja verdade em muitos casos, mas eu sinto-me mais atraída para as palavras desde que sou pequena. Desde que me lembro de ser eu que adoro ler e escrever e acredito no poder que as palavras têm numa infinidade de coisas à nossa volta. Foram muitas mais as vezes em que me emocionei com palavras escritas em livros ou ditas em voz alta em séries ou filmes do que com as imagens que estavam a desfilar à frente dos meus olhos. Assim sendo, achei que fazia todo o sentido escrever sobre o poder das palavras e portanto decidi escolher dez séries (distribuídas por duas edições) que têm significado para mim e explorar uma citação ou diálogo de cada. Umas são quase símbolos da série em causa, algumas podem funcionar como lições de vida e de humanidade e haverá ainda outras cuja importância está ligada ao enredo, ao tema ou ao personagem. No entanto, todas me marcaram de alguma forma e vou explorar um bocadinho o seu significado.
“All monsters are human.” (“Todos os monstros são humanos.”)
Ao longo das suas oito temporadas, American Horror Story apresentou-nos uma variedade de personagens e histórias em contexto de terror. Bem, dizer isto pode ser um pouco controverso, já que a série não faz ninguém saltar de susto na cadeira, mas temos alguns elementos do género. A temporada que a maioria, incluindo eu, parece considerar como sendo a mais bem conseguida em termos de elementos scary é a segunda, Asylum. É dela que surge este “All monsters are human”, com a qual não posso deixar de concordar, e que se tornou uma frase icónica, presente em muito do merchandising da série. Trata-se de uma temporada com extraterrestres, mas não são eles os verdadeiros monstros. Não, esses têm rostos humanos como o dos perturbadores Dr. Arthur Arden e Dr. Oliver Thredson, do Monsenhor Timothy Howard e das Irmãs Jude Martin e Mary Eunice McKee. Estes monstros trabalharam em conjunto para manterem prisioneiras, como se fossem malucas ou criminosas, uma série de pessoas cujo único ‘crime’ foi fugirem à norma da tacanha sociedade dos anos ’60.
“Clear eyes, full hearts, can’t lose.” (“Olhos límpidos, corações plenos, não podem perder.”)
Sem qualquer espécie de dúvida, esta é a frase mais icónica da minha querida Friday Night Lights. São as palavras de ordem da equipa de futebol americano dos Dillon Panthers e um símbolo dos valores transmitidos pelo treinador Eric Taylor aos seus jovens jogadores. É uma daquelas frases que não se esquece, porque é tão simples, mas ao mesmo tempo cheia de significado. Friday Night Lights conseguiu que estabelecesse uma emoção ligada ao desporto como nenhuma outra série ou filme tinha conseguido antes e isto acontece porque transformaram o futebol americano em muito mais do que uma modalidade, focando-se na união da equipa, no crescimento pessoal dos seus jogadores, a quem muito se deve a influência do treinador, sem nunca esquecer o apoio dos adeptos e a importância que aquilo que se passava naquele estádio tinha para toda a comunidade. Dillon, no Texas, respirava football e foi-me impossível não me deixar envolver seriamente na vida destas pessoas. Ganhar era importante, muito importante, mas não era disso que se tratava o jogo, mas sim de superação, de cada um dar o seu melhor, e de um verdadeiro sentido de equipa. É uma daquelas séries que gostava de ainda não ter visto para poder sentir o que foi vê-la pela primeira vez.
“I don’t know why we all hang on to something we know we’re better off letting go. It’s like we’re scared to lose what we don’t even really have. Some of us say we’d rather have that something than absolutely nothing, but the truth is, to have it halfway is harder than not having it at all.” (“Não sei porque é que todos nos agarramos a algo que sabemos que seria melhor largarmos. É como se tivéssemos medo de perder aquilo que nunca tivemos verdadeiramente. Alguns de nós dizem que preferiam alguma coisa a não ter absolutamente nada, mas a verdade é, tê-lo pela metade é mais difícil do que não ter nada, de todo”).
Não há dúvida de que, no decorrer de quase 15 anos, Grey’s Anatomy tem uma infinidade de frases marcantes. Algumas delas bem interessantes, umas um pouco cliché e outras demasiado foleiras, tenho que dizer. Ao deparar-me com esta frase só consigo pensar no quanto faz sentido no que diz respeito à natureza das relações humanas. Quantas são as pessoas em relações – sejam elas românticas, familiares ou de amizade – que não têm nada de equilibradas? Quando falo em equilibradas refiro-me a quando um dá tudo, em oposição ao outro que não dá nada. Amigos com quem se pode contar em qualquer altura, mas que quando são eles a precisar não têm ninguém. Casais em que um ama o parceiro que mal dá pela presença dele. Filhos que perdoam constantemente os erros que os pais insistem em cometer. Uma relação não precisa de ser necessariamente tóxica para não valer a pena. Eu defendo que em qualquer relação deve haver reciprocidade e que se uma das pessoas se sente constantemente de parte não vale a pena. Devemos ser capazes de nos valorizar e perceber que não devemos contentar-nos com pouco. Há muitos casos em que estamos melhor sozinhos.
Yoga Jones: “Why’d you tell Chapman to go?”
Alex Vause: “Because she didn’t want to stay. Piper always needs to have a cause. Or some other escape hatch”.
Yoga Jones: “Seemed to me like she wanted to help you. At least from where I was standing, which wasn’t very close. But, you know, it’s pretty tight, so it wasn’t so far, either”.
Alex Vause: “Look, she leaves. It’s what she does. Trust me. These past few days, we could’ve hung out together, playing house, taking advantage of the only moments of relative freedom that we’re gonna have for years. But, instead, she had to go do something else”.
Yoga Jones: “All I’m saying is you can’t tell people to go and then blame them for leaving”.
(Yoga Jones: “Porque é que disseste à Chapman para ir?”
Alex Vause: “Porque ela não queria ficar. A Piper precisa de ter sempre uma causa. Ou outra escapatória qualquer”.
Yoga Jones: “A mim pareceu-me que ela te queria ajudar. Pelo menos de onde eu estava, que não era muito perto. Mas, sabes, isto é bastante apertado, portanto também não estava assim tão longe”.
Alex Vause: “Repara, ela tem o hábito de se ir embora. É o que ela faz. Acredita em mim. Nestes últimos dias, podíamos ter passado tempo juntas, brincado às casinhas, tirando partido dos únicos momentos de relativa liberdade que vamos ter durante anos. Mas, em vez disso, ela teve de ir a outro lado qualquer”.
Yoga Jones: “Tudo o que estou a dizer é que não podes dizer às pessoas para irem e depois culpá-las por isso”).
Provavelmente havia muitos momentos mais iluminados, digamos assim, de Orange Is the New Black que podia ter escolhido, mas lembro-me de este diálogo me ter marcado bastante. Primeiro do que tudo, porque me fez ver Alex a uma luz diferente. Ela é uma das minhas personagens favoritas desde o início da série e não é surpresa nenhuma que ela se ressentiu, durante muitos anos, por Piper a ter deixado, mas estava longe de imaginar que ela ainda se sentia assim nesta fase da relação entre as duas. Estamos habituados a uma Alex mais segura e este é um registo diferente. Diferente não é mau e também não o é neste caso. Para além do que passou há tantos anos atrás, acho que a Alex tem motivos para se sentir assim. Não estou a dizer que a Piper não a ama, porque ama, mas quando a Alex precisou dela porque andava com medo que alguém estivesse a tentar matá-la, a Piper andava demasiado distraída com outras coisas para se preocupar. Faz sentido a última coisa que Jones diz a Alex, mas acho que aqui a questão é que a Alex queria que a Piper percebesse que devia ficar, apesar do que tivesse sido dito. Acho que se trata de a Alex achar que a Piper a deveria conhecer suficientemente bem para perceber as necessidades dela. É claro que as pessoas não adivinham aquilo que queremos ou de que precisamos, mas não tenho qualquer dificuldade em entender a visão da Alex, que é a de que a Piper tem as causas dela e acaba sempre por a relegar para segundo plano. Depois, há também aquela velha questão de estarmos tão convencidos de que as coisas vão correr mal que quase sabotamos ou testamos os outros de forma a darmo-nos razão. No entanto, a Piper percebeu aquilo que importava realmente e voltou com uma lata de milho e um pedido de casamento.
“My mother has many years to consider what she’s done. As for me, I’ve forgiven myself for failing to save my sister and given myself over to raising the other. Am I good at caring for Amma because of kindness, or do I like caring for Amma because I have Adora’s sickness? I waver between the two. Especially at night, when my skin begins to pulse. Lately, I’ve been leaning toward kindness”. (“A minha mãe tem muitos anos para ponderar aquilo que fez. Quanto a mim, perdoei-me por ter falhado a proteger a minha irmã e dediquei-me a criar a outra. Terei cuidado bem de Amma por bondade? Ou terei gostado de cuidar de Amma por ter a mesma personalidade doentia de Adora? Oscilo entre as duas hipóteses, sobretudo à noite, quando a minha pele começa a palpitar. Ultimamente, tenho-me inclinado mais para a bondade”).
Quem está familiarizado com as obras de Gillian Flynn sabe que a autora é mestre a apresentar um lado negro da mente humana. Sharp Objects (o livro) agarrou-me desde a primeira frase, mas foram as últimas que não consegui esquecer e fazem tanto sentido na obra que não podiam ficar de fora da série. A minha visão acerca de Camille foi sempre a de única pessoa sã numa família de loucos e quando ela se questiona se cuidou de Amma por bondade ou porque é igual à mãe, não hesito muito em dar a primeira hipótese como resposta. Mas se a própria precisa de fazer essa pergunta… Há sempre um ‘se’. A herança genética de Adora não é fácil de ignorar, mas se Camille fosse realmente como a mãe não encarava a morte de Marian como uma forma de ter falhado à irmã. Perdoar-se por algo de que ela não tem culpa, mas pela qual se culpava, de qualquer das formas, acho que é tudo o que precisamos de saber sobre esta personagem. No entanto, esta interrogação, para além de humana, mostra-se muito importante no contexto da história que é Sharp Objects e há nela uma certa poética.
Como a crónica já vai longa, fica para a próxima semana a segunda parte, com cinco séries diferentes onde as palavras mostram o seu poder.
Diana Sampaio