Aqui há uns meses, na data que celebra o Dia Internacional de Luta Contra a Discriminação Racial, lançámos uma crónica intitulada Amor é Amor, onde demos destaque a casais que não partilham a cor da pele. Hoje decidimos lançar uma segunda parte dessa mesma crónica dedicada ao amor, mas desta vez com foco no espectro LGBT+, até porque junho é o Pride Month, o movimento que celebra a diversidade, protesta contra a discriminação e violência sexual ou de género e promove a consciencialização para os problemas que esta comunidade enfrenta. Numa altura em que há maior liberdade para se falar de questões que até há bem pouco tempo eram tabu, as séries têm apostado em casais não heterossexuais que conquistaram o carinho dos fãs. Para alguns, ainda é importante assumir a orientação ou a identidade sexual, enquanto outros, como Nomi Marks em Sense8, rejeitam rótulos, encarando-os como “o oposto de compreensão”. Independentemente do lado em que cada um se posicione nesta questão em particular, a ideia é falarmos de alguns casais das séries que considerámos terem sido importantes a gerar uma abertura de mentalidades nos espectadores. Porque amor é amor, certo?
Lauren Cooper e Theo (Faking It) – Um dos propósitos mais interessantes que vejo nas séries, para além do entretenimento, como é óbvio, é o de nos apresentar realidades e histórias diferentes das nossas, mas com as quais possamos identificar-nos também. Faking It primou sempre por dar visibilidade a personagens que não se integram numa norma de género e de sexualidade tradicionais e fê-lo com Lauren, uma adolescente intersexo, termo geral utilizado para pessoas que nascem com uma variação de caracteres sexuais e, consequentemente, características sexuais ambíguas, o que, no caso de Lauren, se deve ao síndrome de insensibilidade androgénica, e significa que tem cromossomas masculinos, mas que “nasceu menina”, com características sexuais maioritariamente femininas. Lauren fica para sempre na História da televisão como sendo a primeira personagem intersexo no elenco principal de uma série. Nem sempre foi fácil para Lauren lidar com esta sua característica, bem como não o foi para o pai dela, mas na sua relação com Theo isto nunca se verificou um verdadeiro obstáculo. Problemático foi o facto de Theo ter enganado todos na escola, incluindo a namorada, acerca da sua identidade. Ele não era mais um aluno da Hester High School, mas sim um polícia sob disfarce a proceder a uma investigação.
Carol Willick e Susan Bunch (Friends) – Já se passaram quase 25 anos desde a estreia de Friends e, nessa altura, os personagens LGBT estavam muito pouco presentes no panorama televisivo e estou certa de que a existência de um casal como Carol e Susan numa comédia de grande sucesso de uma das principais cadeias televisivas americanas veio abrir caminho para que muitos outros surgissem. Lembro-me que quando era miúda e vi Friends pela primeira vez gostei sempre do par e achava especialmente piada a Susan por causa das suas picardias com Ross. Ao longo dos anos fui revendo esta que é a minha comédia favorita e a última vez foi há uns meses atrás. Era o episódio do casamento de Carol e Susan e as duas nem sequer tiveram direito a um beijo. O episódio foi emitido em 1996, numa altura em que o casamento gay ainda não tinha sido legalizado nos Estados Unidos, mas como é que alguém se casa sem selar a cerimónia com um simples beijo? Fez-me tanta confusão! Quer dizer, elas apareceram na série durante várias temporadas, tinham um relacionamento sério e não deram sequer um único beijo no ecrã. Percorreu-se, de facto, um longo caminho nestes 25 anos, principalmente se tivermos em conta que houve emissoras que se recusaram a emitir o episódio deste casamento.
Santana Lopez e Brittany Pierce (Glee) – Santana foi sempre a minha personagem preferida de Glee e com Brittany formou também o meu casal favorito da série. Enquanto Santana passou muito tempo a debater-se com a sexualidade, Brittany foi sempre muito mais descontraída, mas foi óbvio desde muito cedo que havia sentimentos verdadeiros entre eles. A relação entre as duas passou por altos e baixos, mas o amor prevaleceu e no fim acabaram felizes e casadas. Não posso deixar de mencionar a reação que a avó de Santana teve quando a neta assumiu perante ela que era lésbica. Alma nunca conseguiu aceitar Santana por aquilo que é e a relação entre avó e neta quebrou-se por causa disso. Foi triste ver Santana lidar com a rejeição sem que a avó tenha tido a capacidade de emendar as coisas com o passar do tempo. Pergunto-me se não terá sido por medo de algo assim que Santana demorou a aceitar a sua sexualidade. No entanto, tal como qualquer outra pessoa, ela tem o direito de viver de acordo com aquilo que é ou quer ser e quem não a aceita é porque não a ama verdadeiramente.
Levi Schmitt e Nico Kim (Grey’s Anatomy) – Depois de anos e anos a acompanharmos a relação – primeiro doce, depois atribulada – de Callie e Arizona, eis que Grey’s Anatomy nos brinda com uma relação gay no masculino, entre Levi, um interno visto como totó pelos seus pares, e Nico, um médico a especializar-se em cirurgia ortopédica. A relação dos dois não tem sido propriamente de destaque, visto que fazem apenas parte do elenco recorrente da série, mas já pudemos assistir a alguns momentos sexy e a outros ternos. Apesar de muito diferentes um do outro, a relação entre eles não surgiu de forma forçada e a forma como se tem desenvolvido também parece natural e acho que Nico fez com que Levi se sentisse mais confiante na própria pele. No meio de tantos personagens e enredos não creio que estes dois possam vir a ter o mesmo tempo de ecrã que outros dos casais, mas como em Grey’s há uma certa tendência para arruinar os pares românticos, o facto de não terem a maior visibilidade talvez funcione a favor deles.
Bo e Dyson, Bo e Lauren (Lost Girl) – Na série sobrenatural, Bo é uma succubus, que se alimenta de energia sexual para ganhar força, rejuvenescer ou sarar feridas. Ao longo das temporadas, Bo não esconde que se sente atraída por ambos os sexos e é comum vê-la com múltiplos parceiros. No entanto, encontra em Dyson e Lauren algo mais do que apenas atração. Dyson é um lobisomem e consegue sobreviver quando Bo consome a sua energia, sendo este o motivo que origina a relação entre eles. É bem visível que o que Dyson sente por Bo é muito mais forte do que o que ela sente por ele, mas Bo mantém sempre um grande carinho e amizade em relação a Dyson. Já Lauren é uma humana, médica e também ajuda Bo na sua luta contra o mal. A relação de Dyson e Lauren com Bo é uma espécie de triângulo amoroso em que cada um deles a completa. Ambas as relações proporcionam algo completamente diferente a Bo, mas, ao mesmo tempo, cada uma delas também tem os seus contras. Dyson é teimoso e perito em esconder os seus pensamentos e sentimentos, mas protege Bo a todo o custo. Lauren fornece a Bo algo que Dyson não pode, apenas pelo facto de ser humana. Lauren é sensível e carinhosa e quer, acima de tudo, que Bo seja feliz.
Thomas March e Michael Berryman (Man In An Orange Shirt) – Esta minissérie divide a sua história em dois tempos: o presente e os anos 40. É precisamente no passado que somos apresentados à relação proibida entre Thomas e Michael. Eles tiveram a infelicidade de viver numa época em que era impensável assumir qualquer espécie de relação, visto que a homossexualidade, em Inglaterra, era um crime punido até dez anos de prisão. Naquela altura, os homens gay não tinham muitas opções que não fossem aceitar que não podiam viver a vida que queriam e, tal como Michael, casavam-se com mulheres que nunca poderiam amar. Estes dois homens amaram-se toda a vida sem, no entanto, terem tido a oportunidade de estarem verdadeiramente juntos.
Sophia e Crystal Burset (Orange Is the New Black) – Desde o início que achei muito interessante o arco de história que nos deu a conhecer a relação entre Sophia e a mulher. Quando se casaram, Sophia não era ainda Sophia, mas sim Marcus. No entanto, quando Marcus passou a ver-se como Sophia, Crystal ficou sempre do lado dela, apoiou-a e, inclusive, ajudou-a a encontrar roupa que a favorecesse e a maquilhar-se. Não acho que haja muitas pessoas que tivessem feito o que Crystal fez! Penso que a relação entre as duas poderia ter dado certo se Sophia não tivesse sido presa por ter usado cartões de crédito roubados para financiar as cirurgias de mudança de sexo. A única coisa de que Crystal parece ressentir-se é de que Sophia tenha ido parar à prisão, ficando longe dela e do filho. No entanto, vemo-la visitar Sophia com frequência na prisão, até que esta lhe pede para trazer ilegalmente comprimidos hormonais. Crystal encara isto como um grande egoísmo da parte da mulher, porque se fossem apanhada ficariam as duas em grandes apuros. A relação que tinham anteriormente termina, mas Crystal mantém-se uma leal defensora dos direitos de Sophia e não permite que esta seja maltratada, para além de que é óbvio que vai haver sempre um grande carinho e respeito entre as duas.
Capheus Onyango e Zakia Asalache (Sense8) – Zakia, uma vez, disse algo que achei muito interessante. “Amei mulheres. Também amei homens. Apaixono-me pela pessoa, não pelos genitais dela”. Orientações sexuais à parte, acho que faz sentido. E adequa-se totalmente a uma série em que os oito personagens principais são pansexuais. A palavra deriva do grego pan e traduz-se em algo como tudo, ou todos, ou seja: trata-se de atração sexual independentemente do sexo ou identidade de género da pessoa. Capheus e Zakia não foram um dos casais com mais destaque, mas foram um dos meus preferidos (depois de Nomi e Amanita, claro!). Achei sempre que havia uma grande pureza no espírito e na maneira de ser de Capheus e que se traduz nas suas relações. Ele conheceu Zakia quando esta estava a fazer uma reportagem cujo vídeo se tornou viral e não tardou a que nascesse a faísca. No essencial, eles parecem ter uma forma muito parecida de ver o mundo e partilham um forte sentido de justiça, além de que são pessoas descomplicadas que querem simplesmente desfrutar do prazer da companhia um do outro.
Nia Nal e Brainy (Supergirl) – Nicole Maines é a primeira atriz transexual a representar uma super-heroína na televisão, um factor de orgulho que também faz parte da identidade da sua personagem, Nia Nal. Nia é filha de pai humano e mãe extraterrestre e cresceu na Terra, numa comunidade pacífica entre humanos e seres de outros planetas. Nia sempre teve o apoio da família desde o momento em que se identificou como uma mulher transexual, apesar de ter passado por várias situações de intolerância e ódio ao longo da sua vida. Por essa razão, Nia possui uma perspetiva única nesta fase da história de Supergirl, onde os humanos rejeitam a existência de extraterrestres no planeta Terra por serem diferentes. É assim que Nia e Brainy se conhecem, quando ele é insultado numa pizzaria por ser extraterrestre. Nia defende-o e os dois criam uma forte ligação a partir desse momento. A relação deles ainda é muito inocente e peculiar, em especial devido a Brainy, que vem do futuro e tem uma mente que funciona de forma diferente do habitual e pouca perspicácia social. Nia acaba por ter mais “trabalho” no desenvolvimento da relação dos dois, mas têm um futuro promissor.
Emma, Jack e Izzy (You Me Her) – Emma e Jack estavam casados há vários anos e ambos sabiam que faltava algo na relação deles, só não sabiam o quê. Até que conhecem Izzy e ambos se apaixonam por ela e ela por eles, numa verdadeira comédia romântica. Manter uma relação a três, num bairro de classe média alta dos subúrbios, não é fácil. Eles próprios passam por fases atribuladas na relação, com bastantes dúvidas por ser tudo novidade e dificuldades em como lidar com os amigos e o resto da sociedade. Emma chega a separar-se por duvidar da sua sexualidade e vive uns tempos com outra mulher, enquanto Jack e Izzy fazem vida de casal. No final, acabam por perceber que realmente não conseguem viver separados e oficializam a relação poliamor numa cerimónia de compromisso.
De muitos outros casais poderíamos ter falado, mas quisemos incluir aqueles que ainda não tinham tido destaque em crónicas aqui do site. Partilhem connosco alguns dos vossos casais LGBT+ preferidos!