[Contém spoilers]
É comum vermos bastantes séries de investigação como Criminal Minds, caso que já foi analisado numa crónica anterior, ou NCIS a prolongarem-se durante bastantes temporadas, mas ultimamente temos observado este prolongamento exagerado noutro género de séries, – assunto também já discutido em 10 séries que duraram demasiado tempo, – como por exemplo Supernatural, Arrow, The Flash ou Fear The Walking Dead. Já está confirmado que as duas primeiras irão terminar nas próximas temporadas, mas o fim das mesmas deveria ter chegado há mais tempo.
Nos dias que correm, o que dita o fim ou não de uma série não é a sua qualidade, nem se há condições para se desenvolver a história, mas sim as audiências e se a série é rentável. Se formos a ver, as quatro séries que aqui irão ser analisadas são todas elas bastante conhecidas em todo o mundo, com muitos fãs dedicados e uma enorme divulgação comercial. Somos constantemente bombardeados com placards a anunciar as novas temporadas no meio da rua, pop-ups a aparecerem em todos os sites em que entramos e um enorme destaque nos sites e redes sociais dos canais que as transmitem. Dito isto, é impossível ignorá-las mesmo que queiramos. Uma pessoa que não seja grande consumidora de séries e que queira ver apenas para estar entretida ou para passar o tempo irá, provavelmente, escolher uma das mais faladas em vez de se dar ao trabalho de ir pesquisar uma que lhe possa realmente interessar.
Os consumidores, ou mais propriamente os fãs, são uma parte muitíssimo importante na perpetuação destas séries. Um fã segue todos os episódios (por muito que a série esteja a ir por um caminho muito mau, ele vai continuar a ver), impinge a série a familiares, amigos e, quem sabe, até meros conhecidos, faz “publicidade não remunerada” da mesma, exibe orgulhosamente t-shirts e merchandising da mesma, etc. Além da publicidade que os fãs fazem às séries, há também que lucrar com esse entusiasmo todo. E como é que se faz isso? Produz-se merchandising de todo o tipo e feitio. Um fã acérrimo tem todos os DVD, t-shirts, canecas, tapetes, da sua série preferida. É impressionante a quantidade de coisas comercializáveis que têm origem numa série e o quanto se pode ganhar com isso! Não é por acaso que agora foi lançado um livro baseado em Stranger Things e não em Edha, a título de exemplo. É de notar que apesar de Dark ter tido bastante sucesso, o merchandising que há da série é praticamente nulo e o que há não é oficial. Penso que isto se deve ao facto de ser uma série europeia, neste caso específico alemã, e de não ter a máquina americana por trás, que também contribui bastante para a massificação das séries.
Com toda esta máquina por trás delas, é preciso fazer render o peixe, como se diz em bom português. Para isso, tem de se arranjar forma de prolongar a narrativa o mais possível, mesmo que para isso se tenha de fazer vários malabarismos e haver alguma força de vontade para que a narrativa faça algum sentido. Uma das receitas que os produtores, argumentistas, etc., destes tipo de séries usam é a “reutilização de personagens”. A personagem pode ter morrido, mas há que arranjar forma de a ressuscitar, pode ter ido para outra Terra, mas arranjamos outra versão da mesma, ou então pomo-la a caminhar durante quilómetros e quilómetros para conseguir chegar ao seu spin-off. A tudo isto juntamos argumentos mirabolantes e repetitivos que nada de novo trazem às séries, contribuindo apenas para a sua decadência.
Depois desta opinião em relação às séries em geral, vou agora debruçar-me sobre os maiores problemas que penso que as quatro séries mencionadas inicialmente têm.
Supernatural: Eric Kripke tinha estipulado que a série deveria ter apenas cinco temporadas, mas o grande sucesso da mesma levou a que a CW quisesse que continuasse. Deste modo, Supernatural perdeu o seu criador e foi sobrevivendo graças aos argumentistas recorrentes e a outros novos, que lhe foram dando outra vida. Vi bastante bem a 6.ª e 7.ª temporada, mas dava logo para perceber que a série estava a mudar de tom. Foi a partir da 8.ª temporada que as coisas começaram a descarrilar a sério, pelo menos para mim. Pela primeira vez, era-me difícil ver um episódio até ao fim sem estar constantemente a pensar “quando é que isto vai acabar?”. A tentativa de manter o “monstro da semana” não estava a funcionar, havia casos mirabolantes, dando à série um tom mais cómico e leve do que o original, e as constantes mortes e regressos à vida começaram a ser de mais e sem sentido nenhum. A minha personagem preferida da série é o Lúcifer (Mark Pellegrino) e fiquei bastante contente quando ele regressou, mas foi tudo um bocadinho forçado. Primeiro, contrataram outros atores para fazer a personagem e só depois é que voltaram a pô-lo no recetáculo “original”. Porquê? Porque tenho a certeza de que há muitos fãs que adoram ver Pellegrino a interpretar o Diabo. O ator dá-lhe uma personalidade que mais ninguém consegue e isso prende os fãs à série. Eu tento fugir aos spoilers, pois ainda não vi a 14.ª temporada, mas acho que depois de o Lúcifer ter “morrido” no final da temporada 13, vai voltar na 14… Como ainda não vi, não sei se faz sentido ou não, mas parece-me que foi uma decisão um bocado rebuscada para manter o ator. Qual é o sentido de trazer a mamã e o papá Winchester de volta? Não acho que tenha trazido nada de novo à série. Não fiquei nada entusiasmada, porque para mim não faz sentido que se ressuscite tantas personagens (e é contra a lei da Natureza, se é que isso conta alguma coisa na série!). A narrativa dos Men of Letters e as disputas com a delegação do Reino Unido vêm trazer um lado mais ligado às teorias da conspiração, mas não contribuiu em nada para manter o entusiasmo, muito pelo contrário. A meu ver, era dispensável. Tira-lhe muito do brilho que tinha no início, principalmente pela introdução de tecnologias muito sofisticadas. Quem não gosta de ver o Sam sentado em frente de um simples computador à procura de informação ou então a perder horas a ler livros em línguas ancestrais? São estas pequenas coisas que fazem da série a série pela qual os fãs se apaixonaram. Nas últimas temporadas, a única parte que sobressaiu e que voltou a despertar interesse foi a 11 e toda a narrativa construída em volta de Deus. De resto, poucos são os episódios que se mantêm no mesmo patamar dos das primeiras temporadas.
Arrow: As primeiras temporadas de Arrow são excelentes. Não conhecia este herói da DC, mas gostei bastante da adaptação televisiva. No início, tínhamos uma narrativa interessante, as partes em que saltavam de um momento físico para outro e as respetivas ligações estavam bastante bem feitas. Hoje em dia, para manter esta característica da série, fazem estas passagens de momento para momento da mesma forma, mas já sem ter o mesmo peso e ligação. Parece-me que tentam arranjar um elemento numa cena e outro parecido noutra apenas para fazer a mudança de cena. Era bastante interessante ver como Oliver Queen (Stephen Amell) conseguia conjugar a sua vida de milionário e o “trabalho noturno” de vigilante no início da série, mas com o decorrer das temporadas foram-se arranjando tantos inimigos e personagens novos que a série foi caindo sempre no mesmo método repetitivo. A junção com o mundo do Flash fez-se de forma orgânica, mas a introdução de tantos meta-humanos em Arrow e os malditos crossovers fizeram com que a série fosse perdendo a magia que tinha no início. Além disso, também sofre com problemas de “ressurreições”. Uma Laurel (Katie Cassidy) de outra dimensão, Slade Wilson (Manu Bennet) voltou bonzinho… Felicity Smoak (Emily Bett Rickards) era a minha personagem preferida, mas agora já estou bastante farta dela. Não sei exatamente o que me fez mudar de opinião em relação à personagem, mas a verdade é que com o deterioramento da série veio o deterioramento do meu entusiasmo por ela.
The Flash: Comecei a ver The Flash por causa de Arrow e foi uma boa aposta, no início, mas a série começou a ir pelo mesmo caminho de Arrow e mais cedo do que esta. Central City está atolada de meta-humanos. Já chega, não há ponta por onde se lhe pegue (tubarões?). Quantos Harry Wells (Tom Cavanagh) é que já existiram na série? Estão a poupar para não contratarem outros atores e manterem a narrativa interessante? Lamento, mas a última parte não está a funcionar. Ao contrário do que acontece noutras séries, aqui há personagens a saltarem de mundos em mundos e de dimensões em dimensões, não morrem, mas, supostamente, ficam lá presos para sempre. Só supostamente, pois arranja-se sempre maneira de trazer um Barry Allen (Grant Gustin) de volta. Já não há surpresas neste campo, pois sabemos sempre que certa personagem não vai morrer, por isso tem de haver forma de a trazer de volta à ação. Há demasiadas séries de super-heróis e esta não perdia nada se lhe dessem um final muito em breve também.
Fear The Walking Dead: Comecei a ver Fear The Walking Dead porque já andava com vontade de ver The Walking Dead, só que esta já tinha tantas temporadas na altura que nunca cheguei a pegar nela, por isso optei por ver o seu spin-off. A história da série prendeu no início, mas nas últimas temporadas vemos que vai começando a ficar cada vez mais repetitiva, não acrescentando nada de novo à história e ao género. A personagem mais interessante da série era sem sombra de dúvidas Nick (Frank Dillane), mas a sua morte inesperada na última temporada fez com que a série empobrecesse ainda mais. A entrada constante de novos elementos no elenco pretende colmatar a falta das personagens que deixaram a série e tentar arranjar outras que prendam o público, mas sem sucesso. Vemos que têm sido vários os esforços para juntar a série a The Walking Dead com a passagem de atores de uma série para a outra, como Morgan (Lennie James) e, na próxima temporada, com Dwight (Austin Amelio), mas não vejo nenhuma mais-valia nisto. A série teria terminado bem na 4.ª temporada, pois não vejo nenhuma mudança interessante e inovadora a nível narrativo.
Concluindo, seria bom que se começasse a pensar mais na qualidade e originalidade das séries e não apenas no seu potencial comercial. Não me parece justo cancelarem-se séries boas só porque não têm audiências e manterem-se séries com muito público só porque são rentáveis. O mundo das séries, e do entretenimento em geral, está saturado com a enorme quantidade de novidades que estão sempre a sair. Seria mais produtivo concentrarem-se numa ideia original e com conteúdo do que em centenas delas semelhantes e sem qualquer criatividade. Mas todos sabemos que os valores que movem a indústria do entretenimento são bem diferentes destes, por isso não me parece que possamos contar com uma mudança de paradigma para breve.
Nota: As análises das séries foram feita tendo como base a seguinte:
Supernatural: todas as temporadas até à 13.ª;
Arrow: todas as temporadas até ao episódio 6 da 6.ª temporada;
The Flash: todas as temporadas até à 4.ª;
Fear The Walking Dead: todas as temporadas emitidas.
Cláudia Bilé