Para muitos de nós, não havia nada de muito excitante nas aulas de História. Ter que ouvir matéria a ser debitada não é a forma mais fascinante de aprender, mas não é à toa que séries como Da Vinci’s Demons, The Crown, The Tudors, Marco Polo, Wolf Hall ou The Kennedys existem. As pessoas até gostam de História, desde que seja contada da maneira certa. Nós gostamos, certamente, e por isso quisemos escrever sobre algumas personalidades históricas cujas histórias de vida achamos que dariam boas séries.
Ana Bolena: Tendo em conta que vários dos livros de Philippa Gregory da série Plantageneta/Tudor já foram adaptados ao pequeno ecrã, talvez não estejamos assim tão longe de poder ver Ana Bolena na televisão. Com a história de Catarina de Aragão prestes a ser contada, fazia sentido que se seguisse a da segunda mulher de Henrique VIII. Desde que li Duas Irmãs, Um Rei que tenho um certo fascínio por Ana Bolena. Bem sei que esta personagem, tal como as outras da obra e o próprio enredo são versões ficcionadas do que se passava na corte, mas, se resulta, porque não? A Ana Bolena de O Livro Negro de Hilary Mantel é muito menos interessante, por exemplo, e se os historiadores nem conseguem chegar a acordo acerca de qual das irmãs Bolena é, na realidade, a mais velha, até que ponto é que se conhece bem a História? É, portanto, justo haver um bocadinho de liberdade artística. Ana já foi retratada em The Tudors e Wolf Hall, mas nenhuma das séries se centrava nela e acho que seria muito interessante conhecê-la mais ao pormenor. Ela era culta, opinativa e terrivelmente ambiciosa numa época em que as mulheres não eram ouvidas em nada e há que admirar aquilo que conquistou. Quer dizer, ela não permitiu que o rei à juntasse à sua lista infindável de amantes. Fê-lo desejá-la até um ponto em que Henrique decidiu livrar-se da primeira mulher para casar com ela. É aí que surge o ‘rompimento’ da Igreja inglesa com Roma e surge uma nova, a Anglicana. Ana chega ao trono de Inglaterra, mas apesar de tudo nela nos fazer pensar que tem o controlo, a verdade é que era um peão no jogo de interesses da família. Quanto a Henrique, acredito que tenha querido mesmo casar com ela e que até estivesse apaixonado, mas vejo o rei como uma espécie de criança grande que se cansava rapidamente dos ‘brinquedos’. Não é à toa que teve seis mulheres! Ana era muito nova e ele esperava ter filhos rapazes que se sentariam no trono depois dele. Houve abortos e nasceu uma menina, mas nada de varões. Ana dizia o que pensava e essa, tal como muitas outras características suas, não eram desejáveis numa esposa do séc. XVI, muito menos na do rei. Além disso, havia outras mulheres na corte e Henrique já andava de olho em Jane Seymour, sem se preocupar em escondê-lo. Ele tinha-se livrado de Catarina, tinhas planos para fazer o mesmo com Ana. A partir deste momento, considero que ela já tinha o seu trágico destino traçado, com o apoio de muitos, incluindo o seu tio, o Duque de Norfolk. Ana basicamente foi rotulada de bruxa, tendo levado Henrique a casar-se com ela sob alguma forma de feitiçaria [tretas], e de prostituta, sendo-lhe imputados vários amantes, nomeadamente o irmão. Ana mostrou-se implacável com Catarina, mas Henrique acabou por lhe reservar um destino bem pior. No entanto, não consigo deixar de pensar que ela não merecia aquilo. Nenhuma mulher devia morrer por ter cometido adultério ou incesto, mas não se pode subestimar homens mesquinhos como Henrique. Acredito que Ana tenha ficado desesperada por conceber um filho e tenha pedido ao irmão que tivesse relações com ela, mas não creio que Jorge aceitasse. É uma história trágica com muita coisa para contar, mas satisfaz-me saber que Ana, ao menos, pôde ser morta por um carrasco francês e não por um inglês, como foi seu desejo. Mais do que tudo, regozijo-me por Isabel, a filha dela, ter sido Rainha regente de Inglaterra. Ana teria adorado isso.
Catarina I da Rússia – Para a vida de Catarina acho que uma minisérie seria não só o suficiente como o mais adequado. Esta começou por se chamar Marta e era uma serva sueca, até que foi trabalhar para um príncipe. Foi ao trabalhar para Alexandre que conheceu o imperador Pedro I, por quem acabou por se apaixonar. Converteu-se à igreja ortodoxa russa e passou a ser chamada Catarina, tendo-se casado com Pedro em segredo. Juntos tiveram doze filhos, apesar de apenas dois terem sobrevivido até serem adultos. Foi coroada como co-governante e tornou-se a primeira mulher de sempre a ser imperatiz da Rússia. Acho que num país como era a Rússia, já retratada nas obras de Tolstoi, seria muito interessante ver uma abordagem diferente, mais real (uma vez que aconteceu mesmo) sobre um romance daqueles que pensamos só acontecer nas séries: uma serva que encanta o homem certo e se torna na primeira mulher a subir ao poder na Rússia. A maneira como foi recebida pelo povo não deve ter sido fácil, bem como o ter de lidar com a morte de dez dos seus doze filhos em idade precoce.
Josef Mengele – Mengele era um médico nazi que esteve na origem de inúmeras experiências desumanas durante a Segunda Guerra Mundial. Se Stephen King quisesse criar um personagem parecido para um livro não conseguiria torná-lo mais aterrorizante. Mengele estava interessado em aumentar a reprodução da raça ariana – daí muitas das suas experiências serem focadas em gémeos – e em pessoas com olhos de cores diferentes. Quanto às últimas, tentava mudar a cor dos olhos através da injecção de químicos; quanto aos gémeos, foram os que mais sofreram às suas mãos. Às vezes injetava num gémeo uma dose de uma doença letal, depois matava o outro para poder dissecá-los e observar as reações. Especula-se que numa única noite, uma vez, Mengele matou 14 gémeos ao injetar clorofórmio para os seus corações. O sadismo de Mengele chegava ao ponto de criar uma creche para as “suas crianças”, que eram mais bem tratadas; fazia com que gostassem dele, sabendo perfeitamente que momentos depois iriam ser mortas porque ele queria e as selecionava para tal. Uma vez chegou a coser duas crianças na tentativa de criar gémeos siameses. Quando a Alemanha perdeu a guerra, o médico conseguiu fugir para a América do Sul, onde viveu até morrer afogado. Esta história macabra e real dava uma boa minissérie que faria concorrência a qualquer história de horror que ande por aí.
Rosa Parks – 1955 (Diana): Martin Luther King pode ser o nome mais conhecido do Movimento dos direitos civis dos negros nos Estados Unidos, mas a História também é feita de pessoas anónimas que podem ajudar a mudar o mundo. É uma hipocrisia tremenda que um país que se considera “a terra dos livres” tenha feito uma perseguição vergonhosa aos negros. Isto aconteceu já os meus pais eram nascidos, num passado muito recente, o que torna tudo ainda pior, porque prova que, como civilização, não temos aprendido muito com os erros terríveis do passado. Acreditar que alguém é indigno de certos direitos por causa da cor da sua pele, da sua crença religiosa ou seja o que for é um retrocesso que não devíamos permitir. Rosa Parks recusou-se a ceder o seu lugar no autocarro a um passageiro branco no segredado estado norte-americano do Alabama, o que a tornou um símbolo para a comunidade negra. Esta mulher corajosa é a prova de que um simples gesto pode ser aquilo que é preciso para dar força a uma causa e inspirar outros a lutarem por aquilo que é justo. A história de vida de Rosa estará para sempre ligada à do seu país e à de milhões de pessoas e merece ser contada.
Estejam atentos, dentro de algumas semanas vamos lançar a segunda parte desta crónica. Entretanto, partilhem connosco: que figuras da História acham que dariam boas histórias para contar?