[Contém spoilers]
Já há muito tempo que Big Little Lies estava na minha lista de séries para ver o mais cedo possível, mas só há pouco tempo tive oportunidade e diga-se que não podia ter havido melhor altura. Por acaso, isso aconteceu apenas uns dias depois de Big Little Lies ter brilhado nos Emmys, arrecadando o prémio de Melhor Minissérie e vitórias individuais para Nicole Kidman, Alexander Skarsgård e Laura Dern. Aliás, há que destacar a edição deste ano da cerimónia, que ‘celebrou’ as mulheres e as suas personagens fortes, com The Handmaid’s Tale a sagrar-se a grande vencedora da noite. Voltando a Big Little Lies, ao receber o seu prémio, Nicole Kidman falou sobre violência doméstica. Era apenas isto que eu sabia da série quando comecei a vê-la: que uma mulher casada com um homem mais novo era vítima de violência doméstica.
Se o episódio piloto da série me deixou entusiasmada, o mesmo não posso dizer dos dois ou três que se seguiram. Até gostava das personagens (Reese Witherspoon está fantástica!), mas não estava com muita paciência para os dramas que me faziam lembrar o tipo de parvoíces – embora em versão donas de casa – que me irritava em Gossip Girl: gente rica que está sempre metida em esquemas e que adora envolver-se em problemas. Cheguei a pensar na série como sendo fútil. Pelo menos em certa medida. Já tinha sido introduzida a história de Celeste e do seu marido abusivo, mas tudo o resto era demasiado… Não sei… Antigos casais, segredos, vidas aparentemente perfeitas que afinal não têm nada de perfeitas, aquelas mulheres a tomar partidos muito diferentes e a fazerem a vida negra umas às outras… É assim que muitos homens nos veem a nós mulheres: sempre histéricas, sempre a infernizar a vida umas das outras e a atacar-nos, a guardar ressentimentos de coisas passadas há um par de anos. Talvez algumas de nós sejam assim, talvez até muitas de nós o possam ser, talvez algumas de nós se identifiquem com alguns desses defeitos, sim, mas há piores.
Eu não costumo ter palpites muito certeiros para grandes mistérios e muito menos tão cedo, mas desde que a menina de Renata, Amabella, foi magoada pela primeira vez e acusou Ziggy que me senti certa de que o miúdo era inocente. Mais, sempre achei que o responsável seria um dos gémeos de Celeste. Só é pena não ter tido o mesmo palpite certeiro em relação ao Euromilhões! Foi óbvio para mim desde o início que um daqueles miúdos estava ciente do que se passava dentro de casa, apesar do aparentemente perfeito casamento dos pais.
Foi precisamente a relação entre Celeste e Perry que me colou ao ecrã. Foi a história de violência doméstica que deu à série profundidade e que me fez sentir que sim, que aquilo fazia parte do mundo real. Há tantas Celestes e tantos Perrys! As cenas em que os dois, e especialmente Celeste sozinha, consultaram uma terapeuta foram incríveis. Há coisas que originam reações muito viscerais em mim e a violência doméstica é uma delas. Gosto de acreditar que isso não se deve apenas ao facto de eu ser mulher e que se fosse homem me incomodaria da mesma forma, mas não sei se isso é verdade. Tenho a certeza de que há muitos homens que repudiam totalmente esse comportamento, mas sinto-o quase como algo pessoal, algo que fazem a nós mulheres. Não que não haja homens vítimas de violência doméstica, mas na grande maioria dos casos são eles os perpetradores. E depois talvez eu tenha sido habituada a pensar que a maioria das vítimas são mulheres com poucos estudos, que não trabalham e que se mantêm com os maridos porque pensam que dependem deles para sobreviver e para poder criar os filhos. É certo que isso também não será verdade, mas talvez seja mais fácil aceitar isso do que o facto de que uma mulher que tem todas as ferramentas disponíveis para poder ir embora decide ficar porque acredita que ele ainda pode mudar e porque simplesmente o ama.
Eu não consigo perceber como é possível amar-se alguém que nos magoa tanto e ainda é mais difícil para mim entender como é que se pode acreditar que alguém que nos dá pontapés e nos atira contra a parede nos ame. Não estou a julgar, simplesmente não compreendo. Provavelmente só quem passa por isso entende. E as tentativas da terapeuta de fazer Celeste compreender que tinha de deixar Perry e ela a considerar que ainda não tinha chegado a esse ponto, como se as coisas não fossem assim tão más, como se aquilo que acontecia em casa não surtisse efeito nos filhos… Celeste guardou tudo para ela, nunca tinha contado nada a ninguém e eu só pensava: “Conta à Madeleine”.
Ninguém sabia, mas acabaram por ficar todos a saber. Quando Perry percebeu que ia mesmo perder Celeste, perdeu também a cabeça e deixou cair a máscara. Madeleine, Jane, Renata, Bonnie, todas viram quem ele realmente é. Todas se uniram para proteger Celeste. Apesar de várias delas terem passado a temporada em guerra, uniram-se. Não só porque acabaram por se perdoar, mas porque tudo era insignificante em comparação àquilo. Todas elas mulheres de garra, o que quer que tivesse acontecido já não tinha importância e nenhuma ia deixar que Perry voltasse a magoar Celeste sem fazer nada. Sim, nós mulheres podemos ter todos aqueles defeitos que enunciei em cima, mas gosto também de acreditar que nos unimos em defesa umas das outras quando é preciso.
Esta história teve um final feliz, o vilão da história morreu. No entanto, no mundo real, são as Celestes que muitas vezes acabam mortas. Porque não tiveram a coragem de deixar um marido abusivo ou porque até tiveram, mas ele foi atrás delas e acabou por matá-las. Passar uma vida a medir todas as palavras, a medir tudo o que se faz com medo de ser encostada à parede e agredida… não é vida. E a vida perfeita que tantas vezes pensamos que os outros têm… Não estamos só a enganar-nos? Esta série teve o grande mérito de pegar num tema muito delicado e fê-lo muito bem. Espero que tenha sido capaz de ajudar mulheres que vivem na mesma situação a procurar ajuda, a falar com alguém, a seguir em frente. É isto que eu gosto que aconteça numa série, que transmita uma mensagem forte o suficiente para mudar vidas, para mudar mentalidades!
Antes de terminar, há que fazer os devidos louvores ao extraordinário elenco: os miúdos, os pais… No entanto, tenho que destacar Reese Witherspoon e Laura Dern. Achei que as duas foram brilhantes! A Madeleine de Reese é incrivelmente engraçada e doida e a Renata de Laura é outra força da natureza. A história acabou por me conquistar completamente, mas acho que foi contada e que não há necessidade da 2.ª temporada sobre a qual se fala, mas podem contar comigo se houver.
Diana Sampaio