Sabem aquelas personagens que nos dividem imenso? Que nuns momentos adoramos, mas que a seguir odiamos e com quem eventualmente acabamos por fazer as pazes mais tarde? Bem, esta crónica é precisamente sobre isso, sobre personagens de quem gostamos imenso, mas a quem muitas vezes também nos apetece bater (e não, não somos pessoas violentas, mas há coisas capazes de nos tirar do sério!). Alguns destes personagens são verdadeiros vilões, o tipo de pessoa que odiaríamos completamente se se tratasse da vida real, mas não é novidade que as séries são exímias a fazerem-nos gostar e sentir empatia mesmo por aqueles que não deveriam ser merecedores dela. Além disso, é ficção (embora alguma dessa ficção até se inspire em pessoas reais) e não conseguimos evitar. Não vamos para o inferno por isso, pois não? Se formos, paciência! Confiram a lista das nossas escolhas:
Abby Lockhart (ER)
Conhecem aquela sensação de gostarem imenso de uma personagem, mas depois essa personagem faz uma coisa que vos faz ficar completamente zangados e deixam de ver a série? Bem, essa fui eu depois de Abby ter traído Luka. Foi a atitude mais radical que tomei em relação a uma série, mas aquilo foi tão despropositado e fiquei tão desiludida com Abby que decidi cortar o mal pela raiz. ER é, provavelmente, a primeira série que me disse realmente alguma coisa, quando a minha fixação por ficção ainda estava longe de atingir o auge, e acho que isso é capaz de explicar, em parte, o porquê de eu ter deixado de ver. Desde aí não voltei a ver um único episódio desta que foi a pioneira na minha paixão por séries médicas. No entanto, a verdade é que muitos anos se passaram e já nem me recordo bem do contexto em que Abby traiu Luka, mas foi daqueles ‘traumas’ causados por séries que nunca desapareceu.
–Emma Swan (Once Upon a Time)
A certa altura, a par de Regina, Emma era um dos únicos motivos que me prendia a Once Upon a Time. Desde o início que gostei dela, Emma era alguém com quem me conseguia identificar; basicamente a única daquele rol de personagens que não pertencia ao mundo dos contos de fadas e com um incrível ceticismo em aceitar que este era mesmo real. Quando tudo o que conhecemos é uma ínfima parte da realidade é difícil aceitarmos, a não ser que tenhamos provas, que há algo para além disso. É certo que Emma não tardou a perceber a sua importância para salvar toods da maldição da Rainha Má, mas durante uns tempos ela era apenas uma pessoa comum e com toda aquela bagagem de ter crescido sem uma família. No entanto, a verdade sobre o seu passado não tardou muito a vir ao de cima, mas Emma, ao longo das temporadas, acabou por perder parte do encanto inicial. O facto de se sentir uma órfã e agir como se carregasse o peso do mundo nos ombros tornou-se cansativo. A sua luta contra a escuridão, como Dark One, foi muito pouco credível e os constantes medos e inseguranças de Emma atingiram o meu nível máximo de frustração. Ao fim de tanto tempo com Snow, David, Regina e Hook a provarem que ela pode (e deve) confiar neles, Emma decidiu esconder-lhes as visões sobre a sua morte e não teve grandes problemas em considerar que Regina seria a responsável pela sua destruição. Há alturas em que me apetece saltar para o ecrã e dizer a Emma que acorde para a vida, mas gosto do pragmatismo dela em muitas situações e aprecio imenso o facto de a relação com Hook avançar devagar e Emma não ser como tantas personagens das séries, que agem como se os namorados as ‘curassem’ de tudo.
Floki (Vikings)
Floki é um construtor de barcos fenomenal e alguém bastante diferente de todas as outras personagens. Começa a conquistar-nos o coração precisamente por ser um pouco amalucado, mas altamente inteligente e fiel a Ragnar. Torna-se uma das personagens principais e o ajudante mais fiel de Ragnar. Porém, Floki é um crente fervoroso na religião dos vikings e quando Ragnar trava amizade com um padre que começa a mudar-lhe o modo de pensar, Floki começa a afastar-se dele. Além de se tornar rancoroso, acaba por trair Ragnar, o que nos parte o coração, e trocamos o carinho que sentíamos por Floki por raiva. No entanto, acaba severamente castigado e nós, espectadores, entendemos bem o que o levou a trair Ragnar (mesmo que não concordemos) e portanto acabamos por fazer as pazes com ele, especialmente quando, após o regresso do rei Ragnar, estes se reencontram já com alguns anos passados e declaram o amor fraternal que têm um pelo outro. Com umas feridas remendadas acabamos por não conseguir deixar de gostar do nosso construtor de barcos preferido, mas nunca esqueceremos a sua traição.
Joséphine Karlsson (Engrenages)
Se há personagem que num momento nos dá vontade de adorar e pouco depois nos faz odiá-la é Joséphine. Em teoria ela é tudo o que eu adoro numa personagem: forte, inteligente, com o seu quê de sassy e de bitch e uma bagagem interessante que demora o seu tempo a ser revelada. Como advogada é extremamente competente e astuta, mas tem um ódio pela polícia que se prende com o seu passado. Apesar de ter uma personalidade muito forte, Joséphine tem aquele toque de vulnerabilidade que lhe dá uma dimensão mais humana à medida que a conhecemos melhor. Mas o que é que se diz de todos os advogados é que são corrompidos, certo? E Joséphine é daquelas pessoas que sabe o que é o certo e o errado, mas que ignora os seus melhores instintos quando a raiva, a vingança ou a ganância levam a melhor sobre ela. Foi com a personagem a fazer jus à expressão ‘morder a mão de quem nos dá de comer’ que Engrenages terminou uma brilhante 5.ª temporada. Não serve de atenuante que Joséphine tenha perdido uma pessoa que amava, muito menos quando esta atitude em nada se coaduna com a evolução em termos morais que fez até aqui. No entanto, a verdade é que se ela fosse o tipo de pessoa que faz tudo da forma certa eu podia não a odiar, mas certamente também não gostaria tanto dela.
Negan (The Walking Dead)
Negan é o mais recente vilão de The Walking Dead. Para quem não o conhece, o grupo de Rick decidiu meter-se com o dele e saiu a perder. Negan gosta de controlar tudo, especialmente as pessoas; dominou Rick, destruindo-o psicologicamente, fazendo dele o seu lacaio e mostrando que tinha todo o poder. Inclusive, para reforçar isso, matou dois dos seus companheiros (ainda é triste pensar na morte de um deles!). Apesar das suas tendências violentas e psicopatas, Negan é altamente carismático e extremamente engraçado. Tem estilo e faz-se sempre acompanhar de Lucille, um taco de basebol envolvido em arame farpado que, apesar de não ser a única arma que utiliza, é a sua favorita. No geral adoro Negan, acho que é o vilão de que a série precisava e apesar de, se calhar, ser pouco realista é altamente inteligente e confiante. É impossível não achar alguma piada ao seu sentido de humor perturbado, que usa mesmo em situações altamente stressantes, muitas vezes enquanto comete um homicídio. Representa aquele lado mais negro que todos apreciamos; por outro lado, trata Rick como se fosse um cão e, por muito que este precisasse de uma lição de humildade, não deixa de irritar a maneira como Negan o trata. A morte de Glenn às suas mãos é talvez o principal fator para haver momentos em que não gosto de Negan. Aliás, posso dizer que comecei por não gostar dele, mas mais tarde acabei por fazer as pazes e reconheci que é um personagem maravilhosamente rico.
Pablo Escobar (Narcos)
Pablo Escobar foi um traficante de drogas com imenso sucesso na Colômbia, chegando mesmo a ser umas das pessoas mais ricas do mundo. É também altamente inteligente, arrogante, impiedoso e brutal. Nunca pensei vir a gostar ou simpatizar com um homem responsável pela morte de incontáveis vidas, desde polícias, políticos e governantes que tentavam endireitar uma nação corrupta, até cidadãos normais e crianças. Sim, Pablo Escobar matou crianças e sem qualquer necessidade. As suas ações muitas vezes atrozes e nem sempre necessárias são o principal motivo para o odiar. No entanto, dei por mim a torcer por Pablo, mesmo sabendo que acabaria por morrer. Ele é também carismático e engenhoso, inclusive ganha o afeto do povo de Medellín ao distribuir uma parte da sua riqueza pelos pobres. Afinal de contas, ele cresceu como um e lembra-se do que teve de passar. Num país extremamente corrupto não podemos completamente odiá-lo por ter sido mais inteligente que outros do seu ramo e ter conseguido mais e melhor. O ponto que mais me fez gostar dele e fazer a reconciliação após ter morto várias crianças num atentado foi o seu amor genuíno pela família, mais concretamente pelos filhos. Pablo Escobar podia ser um homicida, um narcotraficante e um traste, mas é impossível negar que era um bom pai e que os amava profundamente. Assim, conhecendo a história de Escobar mais de perto, ele oscila entre suscitar afeto no espectador, que inevitavelmente acaba por gostar dele e querer que tenha sucesso, ora faz algo impensável e brutal (especialmente tendo em conta que se baseia em eventos reais) e em nome da consciência sentimo-nos na obrigação de não gostar dele.
Peyton Sawyer (One Tree Hill)
Peyton é daquelas personagens cheias de contrariedades! Quando a série começa está numa relação com Nathan, que a trata para além de mal, mas por algum motivo não consegue ‘libertar-se’ dele. A ser criada pelo pai (a mãe morreu), Peyton é daquelas pessoas que, mesmo quando está rodeada de gente, se sente sozinha. Até aqui tudo bem, é esta fragilidade da personagem que a torna relatable e People always leave é o seu mote. Mas é precisamente neste ponto que a personagem perde coerência. Depois de sair de Tree Hill, nem sequer voltou para o casamento da melhor amiga, esteve ausente de momentos de maior importância daquelas pessoas que durante anos foram a sua família. E quando me lembro que quando Brooke foi espancada e apareceu com a cara toda negra, Peyton foi tão ‘cega’ e metida na sua própria vida que acreditou na desculpa da amiga de ter caído das escadas. E confesso que toda aquela cena do blogue, em que Peyton expunha a sua vida, era pouco condizente com tantos outros momentos em que guardava tudo para ela. No entanto, não há como negar que, apesar destas falhas, Peyton era uma personagem doce à sua maneira e bastante engraçada que trouxe muito à série. Era uma das minhas personagens preferidas, mas também uma das que mais dores de cabeça me dava.
Piper Chapman (Orange Is the New Black)
Piper é aquela personagem que melhor personifica para mim o tema desta crónica. No início da série, quando foi para a prisão, era aquela personagem com quem me conseguia identificar, a pensar que também eu me sentiria completamente deslocada se estivesse no lugar dela. No entanto, esse é o único pensamento positivo que tive em relação à personagem durante a 1.ª temporada. No entanto, o segundo ano da série trouxe uma Piper que adorei. Mais tarde, com o aparecimento de Stella e o negócio das cuecas na prisão, Piper agiu como se fosse a dona daquilo tudo e voltei a detestar a personagem, sentimento que ainda se prolongou por uns momentos na temporada seguinte, até à altura em que voltei a ser invadida pela empatia. Contudo, são precisamente estes vários ‘lados’ da personagem que a tornam tão interessante, já que nunca sabemos o que esperar. Também não nos podemos esquecer do contexto prisional e é justo dizer que Piper faz o que é preciso para ‘sobreviver’ (embora não seja uma questão de vida ou de morte). Às vezes a sua bússola moral parece completamente avariada, com atitudes reprováveis, mas noutros momentos consegue redimir-se na perfeição. Mesmo nos momentos em que não gosto de Piper, gosto sempre de a ver no ecrã. Nunca há um momento aborrecido com Piper!
Saul Goodman (Breaking Bad e Better Call Saul)
Saul é um advogado corrupto quando o conhecemos em Breaking Bad. Umas vezes tem alguma piada, outras é apenas irritante e com uma moral questionável. Porém, entra nesta lista não devido a Breaking Bad, mas sim ao spin-off do qual é protagonista, Better Call Saul, onde aprendemos mais sobre o seu passado e como se tornou o advogado que é. E é no seu passado que se encontra o motivo para ele ingressar nesta lista. Sempre na sombra do irmão Chuck, Saul enverga por maus caminhos até que se vê a ter que cuidar de Chuck, um advogado de renome mundial que tem problemas mentais. Apesar de tudo o que o irmão lhe fez para que não pudesse seguir a carreira na advocacia, Saul (na altura Jim) não se deixa ir abaixo, não perde o amor pelo irmão e, apesar de todas as suas piadas idiotas e decisões estúpidas que levam o espectador a ficar um pouco irritado com a personagem, Saul também nos conquista o coração, sendo um homem que lutou contra muita coisa sem perder de vista o seu objetivo.
Ted Mosby (How I Met Your Mother)
Ted Mosby é o protagonista desta conhecida série e conta aos seus filhos como conheceu a mãe deles, mas começa a história muito antes. Do seu grupo de amigos, Ted é de longe o que tem menos piada, constantemente mostrando pena dele próprio. Lembro-me de mais cenas em que Ted está a ter episódios de autocomiseração do que me lembro de ele dizer, ou fazer, algo que me fizesse rir. Além disso, Ted tem uma visão demasiado romântica da vida amorosa, desperdiçando numerosas mulheres espetaculares apenas porque não encaixam nessa visão. Ao fim de 5 ou 6 temporadas, eu já estava mais interessado no relacionamento de Barney e Robin do que se Ted encontrava ou não a mulher. Uma última nota sobre porque odeio Ted Mosby foi mesmo o final da série. Tanta coisa para contar como conheceu a mãe e depois, em 20 minutos, ela morre e ele está apaixonado por Robin. Quase imperdoável, não fosse tudo o que me ri e chorei (a rir) com a série. Por muito que o personagem principal não tenha piada, nada daquilo existiria sem Ted. Quase como um mártir humorístico, ele é odiado e um bocado aborrecido para que o resto do grupo possa ter imensa piada e, por isso, por muito que não goste dele, acabo por lhe estar agradecido e contente que exista.