Há listas e listas pela internet fora que nos apresentam listas com os melhores personagens que a televisão já nos ofereceu. Muitos nomes são comuns à maioria, mas podem sempre ser encontradas algumas surpresas. Também nós decidimos fazer a nossa própria lista, mas cingindo-nos apenas a séries que tenhamos visto, pois não faz muito sentido estarmos a falar de algo que não conhecemos, mesmo que seja mundialmente aclamado. Assim, tivemos de deixar personagens como Tony Soprano e Don Draper de fora. Espreitem a nossa lista com dez grandes personagens (e grandes interpretações) do pequeno ecrã:
Alicia Florrick (Julianna Margulies), The Good Wife
Alicia é uma daquelas personagens cujo crescimento ao longo da série é louvável. Ela passou anos a ser uma boa esposa e uma boa mãe até que as circunstância da vida a empurraram de volta para a prática do Direito, que tinha abandonado para se dedicar à família. De alguma forma, aquela vida que Alicia levou durante tantos anos não parece em nada adequar-se à mulher lutadora e independente que vamos descobrindo, à medida que dá provas do seu valor enquanto advogada. No entanto, há algo de muito mais importante que isso no papel de Julianna Margulies! É sabido que tanto a televisão como o cinema têm um fascínio por pessoas jovens, de caras bonitas e corpos perfeitos e muito poucas vezes há lugar de destaque para uma mulher na casa dos 40 anos, principalmente quando esta não está simplesmente a desempenhar o papel de mãe. Alicia foi casada (aliás, mantém um casamento de fachada durante muito tempo), mas é uma mulher que se apaixona e que se permite deixar levar e explorar esse lado da vida, quer com Will, quer com Jason Crouse. E há algo de imensamente humano nesta personagem que se deixa deprimir quando está em baixo, que termina relações que se tornam tóxicas para ela e que gosta de um bom copo de vinho para relaxar. Os críticos dizem que este é o único papel que Julianna teve depois de E.R. que fez jus às suas qualidades como atriz, mas não é exagero dizer que Alicia Florrick é o papel mais meritório da sua carreira.
Carrie Mathison (Claire Danes), Homeland
Claire Danes interpreta, brilhantemente, Carrie Mathinson, uma oficial de operações da CIA que sofre de bipolaridade. A sua história começa com uma relação com Brody, um ex-militar americano capturado pela Al-Qaeda e que se torna terrorista. Carrie cria uma obsessão por Brody, percebendo rapidamente as suas verdadeiras intenções, mas ao mesmo tempo apaixonando-se. Brody morre no final da 3.ª temporada, deixando Carrie abalada e levando-a a mudar-se para o Afeganistão. Na temporada seguinte, Carrie já não é agente da CIA e trabalha na segurança de uma multinacional em Berlim. Muito focada e obcecada com o trabalho, vive para o que faz e é muito pouco dada a afetos e relações pessoais. Claire Danes é, sem dúvida, uma fabulosa atriz que atinge o auge em termos de representação quando tem as crises derivadas da doença de Carrie que dão arrepios de tão realistas! Claire apresenta aquela mente obsessiva e em constante fervilhar de Carrie de forma irrepreensível, que nos deixa a pensar como é possível ela fazê-lo de forma tão natural. Claire é conhecida ainda por ser uma pessoa que, para além do seu talento natural, é extremamente empenhada e vive a sua personagem ao máximo, como se fosse realmente Carrie durante as gravações.
Dexter Morgan (Michael C. Hall), Dexter
Dexter teve uma infância bastante conturbada, tendo sido adotado por Henry, o polícia que o encontrou junto à mãe morta, vítima de um crime violento ao qual Dexter assistiu. Claro que depois dessa experiência não conseguiria crescer para se tornar totalmente normal, tornando-se antes no serial killer preferido de muita gente. Pode ter perdido muito novo a capacidade de empatia, mas não perdeu de certo o sentido de humor. Outra razão pela qual Dexter é adorado é o código de Henry. Quando este percebeu que o filho adotivo não seria normal ensinou-o a matar e escapar impune, sendo regra principal a respeitar que apenas mataria criminosos de quem não seria sentida a falta. Para ajudar ao seu hobby, tornou-se cientista forense, aprendendo a não deixar provas e ter também acesso direto a uma lista de possíveis candidatos. A cada temporada temos a possibilidade de ver Dexter a interagir com diferentes serial killers que o fazem questionar o seu código de conduta enquanto, ao mesmo tempo, tem de manter um disfarce perante o mundo, embora lide diariamente com situações que ameaçam expô-lo, e acaba por se ligar emocionalmente (dentro do possível) a Debra, a sua irmã. Acrescentando a todas estas características que tornam Dexter único, há que destacar a atuação inacreditável de Michael C. Hall, que consegue trazer um toque único de humor numa interpretação tão sólida que nos faz questionar se possuirá a capacidade de empatia na vida real.
Frank Underwood (Kevin Spacey), House of Cards
Frank é um político extremamente ambicioso que pretende chegar a presidente e, ao longo desse percurso, dá um novo significado à expressão sem escrúpulos. Kevin Spacey, através de uma interpretação brilhante, mostra que apesar de ter uma carreira longa repleta de grandes papéis, Frank pode ser mesmo um dos seus papéis mais icónicos e do qual nunca vai conseguir separar-se. Frank fez rapidamente furor devido aos métodos inteligentes e altamente manipuladores que usa na sua ascensão ao poder, parecendo sempre amigo enquanto por detrás arranja sempre maneira de prejudicar. Enquanto põe o seu plano em prática vai dando umas ‘luzes’ em relação às suas intenções através de monólogos impressionantes que rapidamente se tornaram imagem de marca da série. Frank é carismático e a única coisa que se sobrepõe ao seu dom das palavras é o entendimento que tem da motivação das pessoas, como pressionar para obter o que quer. Vê-lo mexer-se no backstage da política americana é quase como ver uma obra de arte. Temos a possibilidade de o acompanhar no seu percurso ate à presidência e a sua tentativa de manter o lugar, com a ajuda da mulher, Claire, a única pessoa que parece realmente compreendê-lo. A base do que Frank foi delineado para ser e o que Kevin Spacey brilhantemente lhe acrescenta faz com que House of Cards se torne uma série indispensável.
Gregory House (Hugh Laurie), House M.D.
Gregory House, apenas conhecido como House, é um génio da medicina, líder de uma equipa de diagnósticos no Princeton-Plainsboro Teaching Hospital, um médico com capacidades fora do normal, mas péssimo a lidar com pessoas. House cativa-nos pelo seu lado antissocial em conflito com um lado mais humano que não mostrou muitas vezes, mas são o seu egoísmo e teimosia que fazem dele uma das personagens mais especiais da televisão. O facto de House ser uma pessoa tão fria, sem sentimentos, praticamente desumana, fazem dele o médico mais contraditório que possa existir: como é que alguém tão egoísta pode ser médico? Mas a verdade é que House é um dos melhores médicos do mundo das séries! A sua capacidade para diagnosticar os problemas dos pacientes é incrível, muitas das vezes com ideias loucas que têm resultados deslumbrantes, acabando por salvar quase sempre os seus pacientes. De destacar, obviamente, o excelente desempenho de Hugh Laurie ao interpretar este personagem tão complicado de uma forma tão brilhante e genuína como só o ator consegue. Até nos faz esquecer que o ator é britânico e não americano, como o personagem.
Marcia Clark (Sarah Paulson), American Crime Story
Sarah Paulson dá aqui vida a uma pessoa real, Marcia Clark, a procuradora do polémico julgamento de O.J. Simpson e que se tornou o centro das atenções dos media. Marcia é o epítome de uma mulher de personalidade muito forte, íntegra e que luta pelos valores em que acredita, mesmo que isso tenha um custo pessoal. Em apenas dez episódios, Paulson traz-nos uma interpretação de encher as medidas com uma personagem tão convincente a todos os níveis – o vestuário, os penteados, o hábito de fumar em espaços interiores são pormenores essenciais para nos fazer viajar até aos anos 90 – que acreditamos no mesmo que ela defende. Também sentimos uma incrível empatia quando a imprensa e os advogados da equipa adversária a arrasam e sofremos com ela pela discriminação que sofreu por ser mulher (e que, não vale a pena iludirmo-nos, continua bem presente na nossa sociedade). É uma mulher com quem é fácil identificarmo-nos, uma pessoa real e não mais uma daquelas personagens plásticas que tanto vemos na televisão. Este papel valeu a Sarah um Emmy de Melhor Atriz na categoria de Minissérie e se há papel que mostra o quão talentosa é, é este.
Os clones de Tatiana Maslany em Orphan Black
Tatiana interpreta neste thriller de ficção científica um sem número de personagens, todos eles clones: Sarah, Helena, Cosima, Rachel, Alison, Beth, Krystal, M.K., Tony (e faltam ainda uns bons pares!). Com a sua mestria, Tatiana consegue mostrar clones que, apesar de serem semelhantes fisicamente (ainda que com diferentes estilos), têm personalidades, sotaques e jeitos totalmente diferentes. Vamos desde Sarah, uma punk muito ligada à família e personagem principal; a Alison, uma soccer mom; passando por Cosima, uma cientista homossexual; Beth, uma polícia, que comete suicídio no início da história ao descobrir a sua verdadeira origem, o que dá a partida para toda a história; Rachel, uma das vilãs; Helena, uma fanática religiosa e assassina sem escrúpulos; até Tony, um transexual (sim, Tatiana até um homem interpreta!), entre tantas outras. Tatiana dá a cada personagem um cunho especial, empregando pequenos pormenores que fazem toda a diferença. A sua interpretação faz com que cada personagem tenha uma autenticidade e singularidade únicas, o que nos leva a esquecer que estamos perante a mesma pessoa a interpretar um sem número de papéis. Tatiana consegue presentear-nos com todas as suas facetas enquanto brilhante atriz e mostra que para além de lhe ser natural este lado interpretativo, trabalha muito e esforça-se ao máximo para dar aos espectadores interpretações imaculadas que fazem sentir a trama como se fosse real, sofrendo e amando (ou odiando) cada uma das sestras. A questão no final é só uma: onde andou Tatiana todos estes anos?
Sherlock Holmes (Benedict Cumberbatch), Sherlock
Sherlock Holmes, personagem criada por Sir Arthur Conan Doyle, já foi representada de inúmeras maneiras e por diferentes atores, uns mais elogiados, outros mais criticados. Porém, nenhuma interpretação foi tão consensual como a de Benedict Cumberbatch. É o que acontece quando se junta um grande personagem com o ator certo. Sherlock é um dos homens mais inteligentes do mundo, gosta de mistérios e de puzzles que mais ninguém consiga resolver. É detetive e, juntamente com o seu parceiro Watson, resolve crimes que mais ninguém consegue. O que Sherlock tem a mais que os restantes em capacidades de observação e dedução tem a menos em “people skills”. Claro que isto só é possível devido à grande atuação de Benedict, que consegue saltar à corda entre parecer arrogante, criar situações para rir (às vezes só com uma expressão) e momentos mais intrigantes de resolução e explicação do caso. Querendo pouco saber sobre as emoções dos outros, Sherlock é relativamente desagradável como pessoa. Tirando Watson, os seus parceiros da Scotland Yard não o suportam, recorrendo a ele apenas pela sua grande mestria. Os seus processos de dedução são absolutamente espantosos quando explicados, sempre extremamente lógicos, mas baseados em pormenores a que a maioria das pessoas não toma atenção. Uma das melhores interações de Sherlock é com o seu maior rival, Moriarty, alguém com as mesmas capacidades que ele, mas um sentido de moral desajustado. Uma mistura entre uma das personagens mais conhecidas que alguma vez existiu e um ator que parece ter nascido para fazer aquele papel trazem Sherlock a um nível nunca antes visto.
Violet Crawley (Maggie Smith), Downton Abbey
Não é demais dizer que Violet é a alma de Downton Abbey, uma senhora que é muito tradicional e aversa a mudança numa época em que grandes invenções e mudanças começaram a surgir no mundo. No entanto, a verdade é que Violet é daquelas pessoas que aceita os outros pelo que eles são e que disfarça o seu lado mais humano com brilhantes tiradas que deliciam os fãs desde o início da série. É um dos estatutos que parece ter ganho com a idade, a oportunidade de dizer o que pensa, sem grandes filtros. Com um grande sentido de família, ela é uma mãe orgulhosa e uma avó presente para Mary, Edith e Sybil, a primeira a dar conselhos quando são necessários, capaz de pôr Mary no lugar naqueles momentos em que a neta passa dos limites. Maggie Smith é uma atriz de mão cheia, é impossível imaginar outra pessoa neste papel, até porque Downton Abbey não seria a mesma coisa sem a presença desta grande senhora da representação.
Walter White (Bryan Cranston), Breaking Bad
Bryan Cranston é, e sempre será reconhecido, como “Mr. White”! Deste personagem pode dizer-se que é um anti-herói perfeito, o ‘vilão’ que todos nós amamos e torcemos para que, apesar de todo o mal que faz, saia sempre vitorioso e nunca seja apanhado pelas autoridades. Walter White é um professor de Química com estudos e capacidades muito superiores às que o seu atual trabalho exige. Aos 50 anos de idade descobre sofrer de cancro do pulmão e, com o objetivo de deixar a sua família numa situação financeira estável caso venha a sucumbir à doença, Walter aventura-se no mundo da produção e tráfico de metanfetaminas que, devido aos seus conhecimentos de química, o levam a criar uma droga com pureza superior a 98% e com uma tonalidade azul, o que a torna numa droga mais valiosa, rara e apetecida. Walter é obrigado a criar um alter ego, Heisenberg, o temível traficante de drogas do estado do Novo México e é precisamente a evolução deste personagem que é espantosamente apaixonante (e ao mesmo tempo assustadora): um homem comum pode tornar-se alguém que tememos, se as circunstâncias ‘certas’ assim o proporcionam.
–David Pereira, Diana Sampaio, João Montez e Raul Araújo