Arrow: Justa ou Injustamente sobrevalorizada
| 09 Jan, 2016

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[Pode conter spoilers]

A The CW é a produtora com mais destaque nas grandes adaptações televisivas das bandas-desenhadas da DC Comics. Quando o sucesso de Arrow se tornou viral, novos spin-offs começaram a ser preparados, dando origem à saga do alegre Barry Allen (a.k.a. The Flash) e ao não-muito-longínquo Legends of Tomorrow. Este artigo não irá focar-se nos spin-offs, mas poderá eventualmente mencioná-los, para suporte de argumentos ou ideias.

Quando Arrow começou, a jornada do arqueiro verde tinha como base a explicação de como Oliver Queen, um milionário e playboy, teria passado pelo “inferno” numa ilha japonesa deserta e como isso o fez tornar-se num justiceiro. Enquanto Oliver Queen luta pela sobrevivência na ilha em flashbacks, no presente ele regressa a casa e lida com a família que achava tê-lo perdido há cinco anos atrás. Vários vilões chegam a Starling City ameaçando corromper de diversas formas a segurança da cidade e é aqui que Oliver precisa de “vestir” uma máscara para combatê-los, com a ajuda dos seus novos amigos John Diggle e Felicity Smoak.

Esta premissa, embora simples, parecia eficaz para cativar os espectadores em seguir as aventuras deste herói que se veste formal durante o dia e de guerreiro durante a noite. Devido a ser transmitida num horário nobre relativamente cedo (às 20:00 nos E.U.A.), por si só, entendemos que a violência e a quantidade de sangue derramado se fiquem por meros e escassos instantes, mas para se criar uma série de qualidade, estes elementos não têm necessariamente de determinar que a série é digna de ser vista. Vamos, portanto, dissecar os podres que tornam Arrow uma das séries de televisão mais sobrevalorizadas do momento.

Uma vez que se encontra, atualmente, na quarta temporada, Oliver Queen passou por diversas tragédias, aventuras e desacatos, mas nem por isso abandonou a sua missão de lutar contra o crime. A figura de Oliver Queen, encarnada por Stephen Amell, é a única que é totalmente funcional, ainda que possua falhas. Isto porque, não só é a personagem unidimensional, no sentido em que todo o foco da narrativa está afincado nela, como todos os restantes elementos da sua performance parecem sobressair apenas o seu desempenho no ginásio. 50% dos fãs da série são raparigas adolescentes que se derretem quando vêm um tronco nu descoberto, com cicatrizes, e uma “carinha laroca” que preenche os seus ideais de “homem idealizado”. [Veja-se o exemplo do painel de Paul Blackthorne (que interpreta Quentin Lance) na Comic Con Portugal em que uma jovem pergunta ao ator se os abdominais do Stephen eram mesmo reais. Há certas ocasiões em que os próprios fãs não sabem discernir os objetivos de se falar com uma estrela de Hollywood. Os restantes seguidores podem ser aqueles que, ou gostam dos comics, ou simplesmente querem entretenimento fácil e descontraído para preencher aquelas horas de descanso após um longo dia de trabalho.]

Independentemente da forte ligação de amizade entre Blackthorne e o restante elenco da série e dos motivos que levam as pessoas a segui-la há que admitir que a performance de Amell é fraca e pouco credível. É a prova viva de que o ideal de corpo torneado e musculado é, de facto, uma determinante maior para um papel heróico do que o talento para a performance.

Mesmo as personagens secundárias, da qual apenas sobressai a divertida Felicity Smoak (Emily Bett Rickards), são pouco interessantes, pois limitam-se a simbolizar uma falsa sensação de companheirismo e são “marionetizadas” para realçar a importância de Oliver. Se repararmos bem, tanto John Diggle, Thea Queen, Laurel Lance, Roy Harper e todos os abundantes companheiros da Team Arrow, que tentam destacar-se pelas suas intenções bondosas e justas, não são mais do que ornamentos ao egocentrismo envolvente à personagem de Oliver Queen. O enredo está escrito de forma a que o espectador se centre no playboy milionário e no seu alter-ego, descartando a importância, consequências e valores morais que normalmente estão associados aos companheiros de um herói. Ter prestações plásticas não melhora, em nada, a situação das personagens em Arrow. Os atores, que são amicíssimos atrás das câmaras, vêem as suas personagens serem meros funcionários a seguir ordens e a criar desacatos com o “patrão” porque não lhes paga o suficiente. Esta analogia é, de facto, resultante da criação de personagens envolventes que não tiram proveito dessa amizade tão forte para alegrar um pouco a temática do seu próprio trabalho. (O dia em que John Diggle sorrir merece foguetes!) Não há um realismo no conceito de amizade na série. Todos estão lá para ajudar Oliver e por cortesia vão-se tolerando uns aos outros porque partilham do mesmo sentido de justiça.

Acrescido a isto, não só são as personagens ornamentais, como o próprio enredo é infantil e pouco substancial. Nem mesmo as sequências de ação são ensaiadas com algum cuidado e nenhuma delas deixa os fãs totalmente satisfeitos com o resultado. Há uma clara e pertinente exigência com os padrões das séries de super-heróis, não só porque cada vez há mais rivalidade com a Marvel e suas respetivas adaptações, como é preciso haver realismo na apresentação do produto final que, em Arrow, não é o caso. Mas a culpa não cai inteiramente sobre a representação do universo, ou pelos atores ou pela equipa de produção que traz o mundo de Oliver Queen à vida, mas sim nos argumentistas. Vejamos, em baixo, alguns dos motivos.

Uma vez que já nos encontramos a meio da 4.ª temporada da série, há também algo que se tornou incomodativo com o passar do tempo, que é precisamente a constante ressurreição de personagens que aparentemente estariam já sem vida. Não só vimos um Malcolm Merlyn (John Barrowman) renascer das cinzas sem qualquer justificação plausível após Oliver ter posto um fim ao seu reinado, como também presenciámos Thea (Willa Holland) ter sido colocada no Lazarus Pit numa corrida contra o tempo após Ra’s Al Gul a ter trespassado com uma espada. Mais recentemente, Sara Lance (Caity Lotz) que estava literalmente “às voltas no caixão” e que de uma atitude impulsiva foi também mergulhada nas águas do poço em Nanda Parbat para ser reabilitada à sua bela forma – boa opção foi eliminar esta figura do Lazarus Pit num dos últimos episódios – também Ray Palmer (Brandon Routh), que se julgava morto, não escapou à ironia do destino e, pior ainda, o irmão de John Diggle, Andy, que desde o início teria perecido depois de ser baleado por Deadshot, parece ter-se misteriosamente erguido das cinzas.

Aqui entra precisamente o novo conceito de Legends of Tomorrow, que irá reunir, pelo menos, Ray Palmer e Sara Lance no novo spin-off da DC Entertainment. De forma minimamente justificável, as ressurreições destes dois personagens fazem sentido para o progresso narrativo da nova série da The CW, mas porquê comprometer Arrow a estas escolhas precárias de argumento? Não seria melhor deixarmos as explicações para a nova aposta televisiva e evitar-se a deterioração de uma série que tem uma missão própria? Porque tem Arrow que se sacrificar e empatar o seu fluxo narrativo para lançar um tema alheio à sua história? É neste tipo de escolhas que Arrow perde ainda mais credibilidade e entusiasmo. Criou-se um ciclo vicioso onde a série se tornou o meio de lançamento para novas premissas externas, levando-a a perder ainda mais consistência.

Quanto às restantes personagens que se mantêm no universo de Oliver Queen, porquê trazê-las à vida quando simplesmente chegam para preencher a história de um ou dois episódios e nunca mais se vai saber delas? Isto leva a uma rutura na consciencialização histórica no enredo já pouco desenvolvido da série. Esta é uma atitude inimiga do progresso. Forja-se uma inescapável crise de ideias na mesa de argumentistas que não conseguem fazer com que Arrow se desprenda do conceito de ser apenas um veículo para criar novas séries companheiras ou de ser aquela que desafia e satiriza a importância e dimensão da morte. Isto não só se reflete uma queda no realismo dramático como também é auxiliado pela cartoonização de vilões descartáveis e sem qualquer dimensão presencial. Quer Malcolm Merlyn, Slade Wilson, Ra’s Al Gul e agora o recente Damien Darkh não passam de pequenos instrumentos de malícia. Não há um estudo detalhado ou surpreendente que justifique um background sério e vilanesco que os torne mercenários sanguinários e destruir uma cidade inteira em prole de atingir um único indivíduo. Não há um propósito credível que explique a sua natureza, não há uma preocupação em dizer ao público: “ele é mau porque…”, ao contrário das séries da Marvel ou até mesmo de The Flash.

Mas o ponto mais grave reside na evolução(?) dos flashbacks de Oliver, que têm caído a um ritmo assustador num patamar idiótico, sem qualquer fundamento ou relevância. Assim que, no passado, Oliver abandonou a ilha japonesa de Lian Yu passando por Hong Kong, umas curtas visitas a casa e regressa novamente ao seu pesadelo insular, o espectador não percebe o propósito da situação nem o rumo ou intencionalidade destes recuos no tempo. Não há nada de interessante, palpável ou relevante nestes flashbacks que contribua para as situações do presente por que Oliver vai passando, portanto, não seria melhor acabar com eles?

Se uma série já não prima sequer pelo fator do entretenimento e se ela destrói os seus próprios twists, qual é o objetivo de Arrow? Ser apenas a rampa de lançamento de outros heróis e ficar ao abandono do entusiasmo e frenesim de um guião elaborado? Será Arrow apenas um registo sobrevalorizado de quem se diz ser amante de super-heróis? É esta adoração por Stephen Amell apenas o reflexo de uma sociedade superficial e de aparências? Não sei responder a estas questões, mas o que é certo é que Arrow é, justa ou injustamente, uma das piores séries de televisão do momento.

Jorge Lestre

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