1986 conta-nos a história da vida de Tiago (Miguel Moura e Silva) durante a segunda volta das eleições presidenciais, considerada por muitos uma das mais intensas vividas em Portugal. Os portugueses tinham acabado de sair de uma ditadura que durou 41 anos e votar era então uma liberdade. De um lado Mário Soares, do outro Freitas do Amaral, numa guerra acesa entre esquerda e direita que acabou por interferir na vida de Tiago, jovem tímido, de pai comunista, que se apaixona por Marta (Laura Dutra), filha de um fã de Freitas do Amaral.
A série portuguesa foi exibida na RTP e foi produzida pela HOP!. Escrita por Nuno Markl, é estruturada num género cómico e um tanto ou quanto sarcástico, característico e conhecido dos seguidores do humorista.
Se o objetivo era inovar e fazer algo de diferente na televisão portuguesa, Markl está de parabéns, porque foi cumprido. Tenho de confessar que me surpreendeu pela positiva. Quando assisti ao primeiro episódio foi mais para “matar a curiosidade” e, tendo em conta que gostei bastante, acabei por fazer uma maratona e vi os restantes doze episódios no RTP Play (aplicação da RTP com os conteúdos que dão no canal), que resolveu “imitar” a Netflix e estreou os episódios todos no mesmo dia, passando 1986 a ser a segunda série portuguesa a poder ser consumida ao estilo binge-watching.
Assim sendo, convido-vos a conhecer as sete principais razões pelas quais devem ver 1986.
[Pode conter spoilers!]
1 – Nostalgia dos anos 80
Começo com esta razão porque foi a primeira coisa que me cativou. Eu, nascida em 1993 e fanática por história e por programas com conteúdos históricos, ver refletido um pouco da história portuguesa numa série de televisão foi “música para os meus ouvidos”. Em plena Guerra Fria e nos primórdios da americanização, o estilo dos anos 80 era qualquer coisa: desde a roupa, acessórios, carros, música, até à sede de liberdade que corre nas veias e ao estilo próprio de cada um. Para quem viveu nesta época fica um sentimento de nostalgia; para quem não viveu, fica uma pequena amostra do que foi viver na década de 80.
2 – Música
“Ohh, ohh, oh, ohh, ohh, oh, ohh / Eletrificados (…)”; durante várias semanas isto não me saiu da cabeça. Não cometam o erro de saltar o genérico, é bom de mais para ser verdade. Lena D’Água, Catarina Salinas e João Só são os intérpretes deste hino, que, para mim, está ao nível da música do genérico de Game of Thrones ou de La Casa de Papel. Toda a banda sonora da série é muito boa e está bem conseguida; não sendo grande fã de rock acabei por ficar com vontade de ouvir Iron Maiden e só por causa do Sérgio (Miguel Partidário) e pela sua busca pela loiramaiden… Até o Tarzan Boy dos Baltimora não me sai da cabeça! E mais na altura estavam na moda as rádios pirata, Tó (Tiago Garrinhas) era “dono” da “Rádio Boa Onda”, onde passavam músicas dos Heróis do Mar, José Cid ou Paulo de Carvalho. Fica também a curiosidade que Ana Bacalhau, David Fonseca e Miguel Araújo são alguns dos outros nomes que fazem parte da palete de artistas que contribuíram para esta banda sonora original da série 1986. (Se tiverem oportunidade, há uma playlist no Spotify que está awesome!)
3 – Género Cómico
Toda a série é escrita num tom cómico-sarcástico, o que origina um diálogo fantástico entre as personagens. Todas as expressões, todos os momentos de tensão que se podiam tornar tristes ou menos felizes traduzem-se em gargalhadas. Quem conhece séries como The Big Bang Theory, Modern Family ou New Girl está habituado a piadas inteligentes, humor sarcástico e por vezes palerma, mas que caracteriza o diálogo e nos faz rir. 1986 não só consegue fazer essa proeza, como também nos mostra que é possível satirizar toda aquela azáfama que aconteceu naquele ano quente de eleições presidenciais. Para além deste cariz cómico, podemos falar também no romance que anda no ar e menciono-o aqui porque é a parte mais cómica da série. Passo a explicar: o Tiago gosta da Marta e o Gonçalo (Henrique Gil) também gosta da Marta. Depois o Tiago, o Sérgio e a Patrícia (Eva Fisahn) são amigos, mas a Patrícia tem uma paixão secreta pelo Sérgio. Depois temos a Alice (Teresa Tavares) que é professora do Tiago e que está numa relação em que nada corre bem, acabando por cair direitinha nos braços de Eduardo (Adriano Carvalho), que é pai do Tiago. Estão a ver as trocas e baldrocas da coisa?
4 – Marta
A quarta razão chama-se Marta. Quem é a Marta? A Marta, no primeiro episódio, aparenta ser uma menina rica e bonita que é popular na escola. Mas não. A Marta é considerada uma das razões para ver 1986 por isso mesmo: pela evolução que a personagem teve e tudo o que representa até nos dias de hoje. A Marta, interpretada por Laura Dutra, é a menina bonita de cabelos loiros que é popular na escola onde anda o Tiago, o Sérgio, a Patrícia e o Gonçalo, mas não é só isso, a Marta é muito inteligente e quer ser astronauta. Sim, astronauta. O pai, Fernando, (Gustavo Vargas) é dono de um vídeoclube e fã do Professor Diogo Freitas do Amaral e tem objetivos muito bem definidos para a filha: ela vai ser a próxima gerente do vídeoclube. Claro que Marta não quer isso para a sua vida e sonha com o espaço, até cria um programa na rádio do Tó: “O espaço da Marta”. Pretende assim mostrar que é capaz e que não é menos que os outros só porque é rapariga. É ingénua e deixa-se levar um pouco pelos outros, mas tem objetivos de vida muito bem definidos, agora só vai precisar de coragem para enfrentar quem se puser no seu caminho (isso se houver uma 2.ª temporada, pela qual tenho rezado a todos os santinhos).
5 – As expressões
“O lugar do telecomando é ao lado da televisão (…)”; “O meu coração é negro (…)”; “Votar no Bochechas?!”; “Betinha facha!” “Tiago, é hoje! Vou conhecer a loira fã dos Iron Maiden”; “Eu sou disco jockey”. Uma pequena amostra das expressões usadas ao longo de treze episódios. Típicas coisas dos anos 80 que nos fazem rir e chorar por mais. Como já referi acima, o facto de ter este cariz cómico personaliza as personagens e cada uma delas acaba por ter expressões que podemos dizer ser do “arco da velha”. A Dona Conceição (interpretada por Ana Bola), avó da Marta, é quem mais usa esta gíria dos anos 80 e é qualquer coisa. Eu tinha de parar o episódio para me rir das expressões usadas por esta senhora!
6 – A política
Um dos pontos centrais desta primeira temporada de 1986 é todo o alarido que se faz à volta das presidenciais. A luta constante entre esquerda e direita, as festas e os comícios e mais: as desavenças políticas que mostram como na altura o direito ao voto era tão importante. Eduardo (Adriano Carvalho), o pai do nosso protagonista, é um autêntico comuna, ao ponto de dizer que a única bíblia dele é o “Manifesto Comunista” de Karl Marx e que só vai votar no Mário Soares, aka Bochechas, porque é a única forma “da direita” de Freitas do Amaral não ir avante. Já o pai de Marta, (e como já tinha referido), Fernando, também é doente da política, mas fanático pelo Professor Freitas do Amaral, tanto que dá uma festa em honra do candidato (no qual Tiago vai ser o disco jockey, vestido de Naranjito, mascote do Campeonato do Mundo de 1982 – tendo sido uma das cenas mais engraçadas desse episódio, vejam!), e acaba por ficar com a sua vida pessoal virada do avesso. Considero a política uma razão pela qual devemos ver 1986, porque, num pós 25 de Abril, vivia-se intensamente as eleições; não é como agora, que há um sentimento de banalidade relativamente ao voto. Assim podemos ter a perceção do quão importante era votar, mesmo para as gerações mais novas.
7 – Portuguesa
Quantas séries portuguesas existem? Ou melhor quantas séries, que sejam realmente boas, são feitas em Portugal? A única de que gostei foi Morangos Com Açúcar (pausa para risos), mas em minha defesa eu tinha 14 anos e só tinha os quatro canais em casa, logo tudo o que vejo agora não podia ver na altura; e diga-se: é muito difícil ver séries norte-americanas na televisão portuguesa. Esta é a última razão e uma das mais importantes. É bom darmos valor ao que é feito de bom cá dentro e o típico tuga só sabe dizer mal. 1986 é uma série em português feita por portugueses e é muito boa. Tem boas personagens, está bem escrita e bem realizada, por isso deve ser vista por toda a gente. Merece uma ovação de pé!
Margarida Rodrigues Pinhal