Cá em Portugal, na televisão, não somos apresentados a muitas séries que fujam às mais populares apostas americanas, mas a RTP2 tem tentado contrariar essa tendência, dando a conhecer séries europeias dos mais variados países. Confesso que é um canal ao qual tenho dado alguma atenção precisamente por causa disso e tem dado os seus frutos. Se não fosse pelo nosso segundo canal, nunca teria sequer ouvido falar de Un Village Français, uma vez que as notícias de produções europeias também não nos chegam propriamente em abundância, e teria sido uma pena, porque esta série merece ser vista. A história decorre em Villeneuve, uma aldeia fictícia francesa ocupada pelos nazis no período da Segunda Guerra Mundial e leva-nos numa viagem fascinante até ao final do conflito que marcou o século passado de forma tão sangrenta. São sete as razões que aqui deixo para ver a série, mas haveria muitas mais.
1 – A componente histórica
Desde há muito tempo que a Segunda Guerra Mundial é uma das páginas da História que mais me interessa e foram muitos os livros e filmes sobre o assunto que consumi ao longo dos anos, mas Un Village Français veio acrescentar muito ao que já sabia sobre o tema. Estava longe de conhecer a dimensão do que significou a ocupação alemã da França. Quer dizer, eles estavam em guerra com a Alemanha e viram-se obrigados a aceitar o inimigo no seu território, nas suas casas, enquanto tinham que cumprir as suas leis. A história da série começa em meados de 1940, altura em que a presença alemã não parecia mais do que um ligeiro incómodo ao quotidiano dos habitantes da aldeia. No entanto, com o desenrolar do conflito, a perseguição aos judeus, aos comunistas e aos resistentes intensifica-se. A vida não é mais a mesma, para ninguém. A polícia francesa trabalha para os nazis, uns cumprem as suas novas obrigações sem questionar as ordens, mas há sempre aqueles que não conseguem assistir ao que se passa sem tentarem fazer alguma coisa. Achei muito importante que a série nos tenha oferecido uma temporada em que ficamos a saber como tudo ficou quando a guerra acabou e se viram os julgamentos que levaram a tribunal alguns dos mais importantes rostos daquela aldeia. Dá-nos uma noção, que nem sempre é fácil termos, de que os lados mudam muito nestas circunstâncias. O melhor dos homens foi a julgamento, acusado de ter colaborado com os alemães, quando tudo o que ele tentou foi fazer sempre o melhor possível, por todos aqueles que pôde. Nem todos concordam que as coisas tenham sido assim, mas não há apenas uma forma de resistir.
2. É uma série emocionalmente brutal
Para mim não há nada melhor do que uma série capaz de me dar vontade de chorar, de me arrepiar, de me revoltar. É claro que quando tudo se passa nesta época histórica tão cruel, as emoções fortes estão garantidas se a coisa for bem feita e Un Village Français não desilude minimamente. Nunca me vou esquecer de quando Heinrich, o nazi cruel, torturou a amante, enquanto o marido dela assistia sem poder fazer nada, de quando o mesmo Heinrich contou com um prazer mórbido à amante, para a chocar, as barbaridades que tinha andado a fazer ou da altura em que os judeus começaram a ser despedidos dos seus trabalhos e mais tarde foram agrupados na escola, de onde nós sabíamos que rumariam até à morte, nos campos de concentração. Apesar de tudo, acho que o momento que mais me marcou foi quando Daniel, o Presidente de Villeneuve, e Servier, o Prefeito, foram incumbidos pelos nazis de escolher de entre uma lista de nomes que lhes tinha sido dada – aqueles que iriam morrer. Não consigo imaginar o que é ter a vida de outras pessoas nas mãos. Sei que deve ser uma tarefa impossível, mas que não podia ser negada. Era condenar uns para que não fossem todos mortos, não havia outra saída. Ter um homem verdadeiramente bom como Daniel lidar com isso ainda tornou as coisas mais difíceis. Depois houve mortes muito tristes e cheias de significado, porque eram comunistas e resistentes. No entanto, Un Village Français também consegue ser brutal a um nível mais pessoal, com momentos muitos tristes de perda, amor, infelicidade… Só não quero revelar demasiado para não retirar o interesse.
3 – Audrey Fleurot
Ver que esta série tinha Audrey Fleurot, que eu já conhecia e adorava de Engrenages, outra série francesa fantástica, foi uma boa surpresa. Ela é daquelas atrizes que, quando estão no ecrã, parece que ofuscam os restantes. Não digo isto por gostar da personagem dela, uma vez que Hortense é extremamente frustrante durante grande parte da série, mas porque Audrey consegue mesmo entregar-se ao seu papel. Interpretar Hortense deve ser fascinante. Ela é frágil e ao mesmo tempo muito decidida, uma mulher que não tem propriamente mau coração, mas que faz tantas coisas de forma tão errada que chegamos a duvidar que mereça algo de bom. É uma personagem cheia de defeitos, mas sempre fascinante e surpreendente, uma das mais complexas da série. Vê-la lidar com a loucura e com o internamento na última temporada da série só ajudou a elevar Audrey a um patamar de genialidade como atriz.
4 – O restante elenco
O elenco desta série é bastante sólido, com interpretações muito boas que ajudam a conferir realismo à história que está a ser contada. Robin Renucci, Thierry Godard, Emmanuelle Bach, François Loriquet e Richard Sammel são mais alguns nomes do elenco principal e que por isso se destacam, mas são acompanhados por um elenco secundário também muito bom. Sinceramente, no que diz respeito à interpretação, o único elemento que considero menos bom é Marie Kremer, que dá vida à jovem professora de Villeneuve. Lucienne parece exibir sempre a mesma expressão, num papel que até poderia ser bem interessante se conduzido por uma atriz mais talentosa. Nem tudo pode ser perfeito, numa série em que até os miúdos dão cartas na representação.
5 – Os vários prémios conquistados
Para aqueles que desconfiam de séries pouco conhecidas e que as produções europeias possam não estar à altura das americanas, por exemplo, talvez ajude saber que Un Village Français já conquistou dois prémios importantes. Um deles foi o de Melhor Série Francesa, em 2012, atribuído pelo Sindicato Francês dos Críticos de Cinema, constituído por escritores e jornalistas. O segundo foi o de Melhor Série Francesa, em 2013, no Festival Séries Mania, dedicado a séries de todo o mundo. Em 2014 ainda foi nomeada na categoria de Melhor Telefilme ou Série Televisiva para os Globes de Cristal, mas perdeu para Tunnel, a adaptação franco-britânica de Bron, que também resultaria no remake americano The Bridge.
6 – Cada episódio faz ansiar por mais
Há muitas séries em relação às quais tenho uma grande ligação emocional, mas nem mesmo todas essas se podem gabar de me fazer aguardar ansiosamente pelo episódio seguinte. Un Village Français não precisa de recorrer desesperadamente a cliffhangers para fazer desejar por mais, mas a verdade é que não via um episódio sem ter vontade de ver outro logo de seguida. Nem sequer estou a falar de uma série que emitia episódios uma vez por semanas, mas todos os dias, de segunda a sexta, e mesmo assim deixava saudades de um dia para o outro.
7 – A qualidade da produção
Uma das razões para eu não apreciar muito produções portuguesas prende-se com o facto de as considerar muito amadoras em comparação com tantas outras que há por aí. É claro que não temos o dinheiro nem a capacidade de fazer frente a produtos americanos, britânicos ou nórdicos, mas não podia deixar de pensar nisso quando via alguma. Também sentia isso com certas séries espanholas (embora outras já tivessem boa qualidade), mas em momento algum tive a sensação, ao ver Un Village Français, de que estava perante uma produção de qualidade inferior, muito pelo contrário. Além disso, revelou-se uma excelente forma de ajudar a desenferrujar o meu francês. Houvesse mais séries como esta e talvez o meu francês pudesse chegar ao nível do meu inglês, também atingido à custa de muita televisão e filmes.