Sejamos sinceros, a série não se chama Sense8 só porque tem 8 personagens principais ligadas como uma só, também se chama Sense8 porque és capaz de demorar 8 episódios para começar a perceber o panorama geral e mais do que isso, para os próprios protagonistas começarem a perceber o que é que se está a passar.
Sense8, criada pelos irmãos Wachowski (The Matrix) e por J. Michael Straczynski (Babylon 5), segue a história de oito indivíduos de oito cidades diferentes, Chicago, São Francisco, Londres, Cidade do México, Seoul, Berlim, Nairobi e Mumbai, enquanto estes descobrem que estão ligados intrinsecamente uns aos outros pelos seus sentidos.
É uma série que vale a pena ver, não se andas à procura de algo fácil, com uma história bem definida e com um rumo de narrativa simples e conciso ou com pequenos mistérios que vão aparecendo e sendo facilmente desvendados, mas sim se andas à procura de uma série que desafia e explora vários conceitos e realidades em simultâneo, deixando os pontos de interrogação a pairar durante toda a temporada.
Para facilitar, decidimos enumerar 7 razões para ver esta nova série da Netflix:
1. Ousadia e diferença
Não fosse ela uma série original da Netflix e não fosse ela dos criadores da trilogia Matrix e não estaríamos à espera de nada de novo, mas com as coisas assim postas na mesa, a expectativa à volta de Sense8 sobe logo a outro patamar, e com razões para lá estar.
Empresas como a Netflix, a Amazon ou a Hulu têm nos últimos anos apostado em produções originais que se têm tornado grandes obras de arte da televisão. Os dotes ($$$) destas empresas levam a que sejam conseguidas produções que até em alguns canais privados seriam difíceis de conseguir e Sense8 vem claramente reafirmar que se a Netflix quiser, a Netflix pode e faz. Mas mais importante que isto é que a Netflix sabe, e muito bem, onde e como investir os seus biliões, e que projetos quer debaixo das suas asas.
Sense8 desafia o que é habitual em televisão, marca a diferença pela forma como desenvolve a sua narrativa, não entregando as peças do puzzle de forma consecutiva para se ir conseguindo ver desde início o desenho impresso, mas entregando-as de forma aparentemente aleatória, dificultando o entendimento, estimulando o raciocínio e a atenção do espectador. Sense8 envolve ficção científica e moralidade, acção e cultura num rolo de lã que vai tecendo a narrativa de forma calma mas ousada ao longo dos 12 episódios da primeira temporada.
2. Solidez dos personagens
Will, um polícia de Chicago que vive o seu dever de proteger os outros ao máximo; Nomi, uma hacker e ativista transsexual que, não tendo o apoio da família, criou a sua própria, nomeadamente com a sua namorada, Amanita; Riley, uma DJ islandesa com um passado flagelado, que se mudou para Londres para tentar escapar às desgraças que atormentam a sua vida; Lito, um ator mexicano de enorme sucesso, que é homossexual não assumido, devido às consequências que a exposição da sua orientação sexual teria na sua carreira; Sun, uma empresária Coreana brilhante mas que vive na sombra devido ao machismo do seu pai e do seu irmão, mas Sun é também uma excelente lutadora de Muay thai; Wolfgang, um ladrão e arrombador de cofres alemão, que vive num mundo de máfia, perigo e sangue frio, com relações de cortar à faca com o que resta da sua família; Capheus, um queniano cuja principal preocupação é conseguir arranjar dinheiro para pagar os medicamentos que a mãe precisa, conduzindo a sua Van Damn por Nairobi; e por fim Kala, uma jovem indiana que está em vias de casar com um homem que é em tudo perfeito, mas que ela não ama.
Cada uma das suas histórias é já interessante por si só, mas muito mais intrigante e interessante quando se começam a cruzar.
Estas 8 vidas tão diferentes permitem à série explorar, nas suas narrativas paralelas, realidades dos quatro cantos do mundo, e embora não consiga evitar certos estereótipos ou clichés, consegue colocá-los em segundo plano e minimizá-los dando real importância à história de vida destas pessoas, dando-lhes dimensão, e tocando em realidades frágeis de uma forma impecável.
3. Representação (das realidades LGBT+, de outras culturas, de outras religiões…)
Há gays, transsexuais, hindus, ateus, suicidas e homicidas, gente com culturas e educações completamente diferentes, que se unem num só. E melhor que simplesmente haver, é haver de forma bem representada.
A representação das minorias, de raça, de orientação sexual, de identidade de género, de diferentes religiões, tem sido um dos tópicos mais comuns de debate e conflito quando toca ao cinema e televisão feitos na América. E Sense8 seria o que os conservadores extremistas chamariam um verdadeiro atentado aos seus princípios, sejam lá esses princípios quais forem.
A verdade é que Sense8 é ousada, em todos os sentidos. Tal como todas as séries a que a Netflix já nos habitua, Sense8 prima não só pela qualidade do argumento mas pela qualidade da abordagem que faz às realidades que apresenta e representa.
Estes personagens não são só gays ou transsexuais para atrair ou distrair espectadores, são-no para alertar para problemas da nossa sociedade, para situações de discriminação e medo que ainda hoje existem. São-no para ajudar a levantar o véu da incompreensão e trazer a aceitação.
Estes personagens não são ricos ou pobres, religiosos ou ateus, indianos ou coreanos só para ter diversidade na série, são-no para alertar para o que se vive e como se vive em certos locais do mundo, para as prioridades que imperam conforme o ponto do globo onde nos encontramos.
Estes são os verdadeiros propósitos da escolha de personagens de Sense8.
4. Expansão de fronteiras
Quantas não são as séries e filmes que, mesmo tratando de acontecimentos ou catástrofes globais, se limitam a representar o lado americano desses mesmos acontecimentos? Quantas vezes são os protagonistas dessas mesmas séries ou filmes estrangeiros? Muito raras vezes.
O egocentrismo americano é intrínseco e por vezes até mesmo ingénuo, ou assim preferimos pensar. E esse mesmo egocentrismo passa, como seria de esperar, para (quase) tudo o que é feito no país.
Se pensarmos bem, os produtores poderiam muito simplesmente ter decidido que os personagens de Sense8 fossem os oito americanos, um de cada estado por exemplo, o país é heterogéneo o suficiente para terem conseguido do mesmo modo identidades diversificadas sem recorrer a diferentes países. Felizmente nunca foi esse o princípio de Sense8 e ainda bem. Embora não se deixe de notar algum centrismo americano ainda assim, afinal de contas Will é o personagem sobre o qual recai a maioria do avanço do fio condutor da narrativa, tornando-se provavelmente o elemento mais crucial dos oito, em vários momentos, mas pelo menos a série não se afunda no pensamento de superioridade dos EUA.
5. Ficção científica e acção
Embora o entendimento completo do que se passa com os protagonistas seja muito dividido pelos 12 episódios da primeira temporada, o que dificulta ao espectador perceber o porquê de lhes estar a acontecer o que lhes está a acontecer, quando as explicações chegam, ainda que breves, são suficientes para entender o enlace. Não recai muito em pormenores para fundamentar os princípios por detrás da sua ciência fictícia, pelo menos não nesta primeira temporada, mas o que diz basta para bom entendedor. Corre contudo o perigo de assim ser interpretada como uma série que se deixa levar em certos facilitismos para justificar certos acontecimentos, é uma verdade.
A temática da evolução da espécie humana é algo constantemente abordado por séries sci-fi, mas Sense8 dá-lhe um toque que vai para além do simples melhoramento físico da espécie, mas que liga a natureza à moralidade humana, questão que usa como base para a existência dos Sensates.
Aliado à ficção científica a série explora ainda várias cenas de grande impacto visual no espectador. Cenas estas como o simples nascimento de um bebé (explícito), sexo (explícito) e orgias (explícitas), luta, raiva e violência (explícitas q.b.). Cenas que pretendem encarar diretamente as várias facetas do ser humano.
.
6. Diálogos
Melhor que as cenas de luta, são sem dúvida os alargados e tocantes diálogos que temos o prazer de “presenciar”. Os encontros entre os protagonistas são sempre recheados de muito sentimento e sentido, e deles despoletam conversas que nos transmitem uma forte mensagem, e nos deixam também a nós envolvidos e a pensar.
Um dos temas principais sobre o qual muitos destes diálogos assentam é sobre a “escolha”, sobre as nossas escolhas e como elas afetam aquilo que nós somos e seremos. A série deixa também mensagens fortes, pela boca dos seus protagonistas, sobre aceitação, autoestima, orgulho, medo, e tantas outras temáticas brilhantemente escritas e interpretadas pelos atores que lhes dão voz. Aqui fica um pequeno exemplo:
“At a certain point I realized there’s a huge difference between what we work for and what we live for. (…) The real violence, the violence that I realized was unforgivable is the violence that we do to ourselves when we’re too afraid to be who we really are.” Nomi Marks.
7. Banda Sonora
Para finalizar, não podia deixar de faltar este ponto: a banda sonora! Desde as faixas originais da série, compostas por Johnny Klimek e Tom Tykwer às músicas maravilhosas escolhidas para momentos chaves dos episódios, de intérpretes como Youth Lagoon (Mute), The Antlers (Kettering), 4 Non Blondes (What’s Up), Marius Furche (Mad World) e Antony & The Johnsons (Knockin’ On Heaven’s Door).
E claro, um parágrafo especial dedicado à Intro da série. A música orquestral, aliada às imagens que a acompanham fazem da sequência introdutória de Sense8 das melhores deste ano.
.
Mélanie Costa