[Contém spoilers]
O episódio desta semana de This Is Us chama-se Unhinged, o que traduzido para a nossa língua significa desequilibrado. Ironicamente, ou não, acho que foi dos episódios mais equilibrados. Não foi a montanha-russa de emoções que por vezes é, não houve grandes picos de tensão, nesse aspeto podemos até dizer que foi algo morno. Mas se há adjetivo que se pode utilizar para descrever este episódio é “equilibrado”: equilibrado em termos das sequências encadeadas de passado e presente, focadas nas mesmas mensagens e suportando-se, e equilibrado também em termos de distribuição do tempo pelos vários arcos e núcleos.
Gosto bastante do rumo que estão a dar à personagem Kevin. Faz-me sentido depois do que conhecemos do seu passado e da evolução e maturação pessoal. Sabemos que Kevin não tinha a melhor atitude face ao irmão em crianças e sabemos que as últimas palavras que trocou com o pai não seriam as que desejaria nem traduziam os sentimentos inerentes à relação entre os dois. E de certo modo, parece-me que é claro que essa mágoa das últimas palavras e da impossibilidade de uma despedida em condições sempre condicionaram as ações de Kevin, cujas atitudes ao longo deste enorme crescimento de temporada para temporada, estão associadas a um recorrente desejo de redenção. Não se podendo redimir com o pai Jack, Nick parece ser a oportunidade de ouro para Kevin fazer algo de bom, desinteressadamente e generosamente, por alguém. A dinâmica entre os dois é algo que me agrada ver – personalidades fortes e imperfeitas, com o “jovem” a ensinar o “velho”, tendo já ambos passado por muito e por dificuldades comuns. Há muito caminho e potencial cómico e social nesta parelha tão diferente, mas com tanto que os une.
Kevin não se tornou obviamente melhor pessoa da noite para o dia, nem era assim tão mau, e a série tem construído essa mudança passo a passo. Contudo, é certo também que esse lado bom já lá estava, algo oculto é verdade, mas a cena deste episódio em que vai à escola salvar o irmão de apuros mostra-nos isso mesmo, engrandecendo as ações do presente.
Kate continua inevitavelmente a estar associada à luta contra a perda de peso, uma luta que a acompanha desde criança. Em criança via sempre o termo de comparação face à sua mãe. Já no presente, tem de lidar com a grande perda de peso do seu marido depois do nascimento de Jack. É totalmente compreensível a dificuldade dela em lidar com o “sucesso” de controlo de peso das pessoas que a rodeiam, quando tem tanta dificuldade para o fazer com o seu. Mas Toby está certo neste comportamento e na missão a longo prazo de se manter saudável para o seu filho, resta agora levar Kate consigo nesta missão. Confesso que gostava de ver a personagem de Kate perder peso, seria bom para Kate e para a própria Chrissy Metz e os objetivos da atriz e da personagem poderiam confluir e motivar essa mudança, que estou certo que deixaria os fãs felizes!
Apreciei e identifiquei-me com a inclusão do “típico” vizinho mal humorado: quem nunca teve? Mas apreciei sobretudo porque tinha uma mensagem subjacente. Se calhar muitos já tiveram vizinhos mal-humorados, mas nunca se preocuparam em perceber o porquê de todo esse mau humor. O vizinho de Kate tem de facto motivos para aquele azedume, a vida não foi generosa com ele, mas também aqui me parece que podemos ter uma dupla valiosa de aliados a ajudarem-se a ultrapassar os seus “fantasmas”.
Nas cenas do passado de Randall, no seu primeiro dia no sétimo ano escolar, nota para o Bohemian Like You que serviu de banda sonora para o início desse dia e que me fez recuar à minha adolescência. Tive imensa pena de Randall com o ocorrido: mais uma vez as dificuldades de integração a perseguirem-no. Ele esforça-se tanto por se integrar, deu-se ao trabalho de investigar o novo professor e os seus gostos, ao descobrir que era um fã dos Bulls levou os ténis tal e qual como o Michael Jordan usava e tudo o que isso lhe valeu foi uma repressão por escrito. Pobre Randall!
No presente, dos três arcos de cada irmão, o de Randall é o que menos me tem entusiasmado. Entendo o objetivo de mostrar valores muito pessoais que tendem a ser raros num mundo político, mas acho que às vezes é exagerado. E a fuga para a política rouba espaço ao resto da família de Randall que tem também muito potencial a explorar – na minha opinião temos visto pouca Beth neste início de temporada.
É realmente raro vermos no mundo profissional alguém sacrificar-se por outro colega – infelizmente nas empresas, muitas vezes os números ditam os resultados e os destinos dos colaboradores. Neste episódio vimos por duas vezes alguém tomar decisões profissionais única e exclusivamente com o coração: Miguel sacrificando-se por Jack e a colocar o lugar à disposição se o amigo fosse despedido, e Randall com Jae-won – tenho fortes dúvidas em termos de representatividade do mundo real neste exemplo em particular.
This Is Us têm a premissa de espelhar o mundo real, mas por vezes mostra-o com uma visão ou muito romântica ou catastrófica. O mundo não é sempre preto ou branco, e acho que a série por vezes falha em não conseguir ir às zonas cinzentas. Não vejo grande mal em ter uma visão romântica da vida, já várias vezes proporcionou cenas muito tocantes e bonitas. Eu próprio gosto de manter essa atitude romântica para a minha vida, mas acho que neste contexto rouba algum realismo e pragmatismo à série
Não obstante o meu comentário anterior, foi um episódio realmente equilibrado, que deixou poucas personagens de fora e alternando entre o presente e o passado como tão bem costuma fazer. Foi um bom episódio de lançamento do que poderá ser o caminho de cada um dos três irmãos ao longo desta temporada. Falta-me ainda ver nesta temporada algo que gosto bastante que é ver os três irmãos juntos em cena – apareceram sim no passado, e foi uma bela cena – mais um belo quadro de família com Jack e Rebecca e os seus três filhos em frente à televisão. Pudemos ver novamente no ecrã, ainda que não por muito tempo, duas das novas personagens, e começamos a perceber a ligação delas ao núcleo central e podemos começar a magicar para onde essas ligações podem evoluir.
André Borrego