Ramy, a série criada, produzida, escrita, protagonizada e, ocasionalmente, realizada por Ramy Youssef, é uma comédia semiautobiográfica da Hulu. Ramy Hassan (Youssef) é o filho mais velho de uma família muçulmana, imigrada em New Jersey, nos Estados Unidos da América. Farouk (Amr Waked), o seu pai egípcio, e Maysa (Hiam Abbas), a sua mãe palestiniana, embora longe de serem o paradigma de pais amáveis, favorecem-no em relação à sua irmã, Dena (May Calamawy), que, insurgindo-se contra a duplicidade de critérios que usam para a comparar a Ramy, é uma rebelde aos olhos dos pais.
Ao longo da série, Ramy só quer aproveitar tudo o que a vida na América lhe proporciona e, ao mesmo tempo, ser uma boa pessoa, mantendo-se, ainda, fiel aos seus valores muçulmanos. Apesar de se esforçar para fazer tudo aquilo que acredita ser correto, todas as suas ações acabam por, de uma forma ou de outra, ser produto do seu narcisismo. Ao longo das duas primeiras temporadas percebemos que, por mais carismático que Ramy possa ser, ele é também responsável por infligir naqueles que o rodeiam sérios danos emocionais. Ainda assim, graças a um engenhoso guião e a uma cativante atuação de Youssef, não tem sido difícil torcer pelo errático protagonista. No fundo, sabemos que Ramy tem o coração do lado certo.
A 3.ª temporada, como, aliás, já é costume da série, reflete assertivamente sobre temas complexos, como o conflito entre Israel e Palestina, a ética no contexto do capitalismo e o aborto. Enquanto Ramy tenta ganhar dinheiro em negócios questionáveis com empresários israelitas, o protagonista debate-se com a sua fé. Ao mesmo tempo, a sua irmã procura ajuda psicológica enquanto se depara com desafios profissionais e amorosos e os seus pais esforçam-se para que as dificuldades financeiras não prejudiquem a sua relação nem os obrigue a abdicar de partes importantes da vida que construíram na América, onde acabaram por nunca viver o prometido sonho americano. Esta temporada é, sem dúvida, a mais penosa emocionalmente, tanto para as suas personagens como para o espectador. Na verdade, Ramy assemelha-se cada vez menos a uma série de comédia, sem deixar, porém, de haver espaço para os momentos absurdos a que a série nos habituou.
Ramy tem sido sempre sobre os conflitos internos das suas personagens e a mais recente temporada não é exceção. Todas as situações que se desenrolam, algumas hilariantes, outras nem tanto, partem de uma profunda luta interna das personagens. À medida que esta temporada avança, porém, é cada vez mais difícil torcer por Ramy, que a cada episódio parece tornar-se mais detestável. Mesmo quando parece perceber que, ao tentar ser uma boa pessoa, se tornou, pelo contrário, uma pessoa pior, o protagonista continua a fazer todas as coisas erradas. Desde o início da série, percebemos que Ramy parece estar preso num perpétuo ciclo de pequenos progressos seguidos de enormes retrocessos, mas depois de tanto tempo a torcer por ele, é difícil continuar a acreditar que haja uma saída. Por isso mesmo, a sua jornada, especialmente nesta 3.ª temporada, é particularmente frustrante de acompanhar. Ao mesmo tempo, a série torna-se um complexo estudo do carácter humano.
Quando nos despedimos dela, a família Hassan parece, em quase todos os aspetos, estar pior do que quando a encontrámos. O final da temporada é, porém, agridoce, deixando o espectador ao mesmo tempo desalentado e esperançoso. Seguirá a série o rumo de uma comédia tradicional, restaurando, eventualmente, a ordem a todo o caos ou quererá Youssef mostrar que os finais felizes não são para toda a gente?
De qualquer das formas, vale a pena acompanhar esta série que, a cada temporada, desafia o espectador, confrontando-o com os seus preconceitos e fazendo-o refletir sobre o que significa ser boa pessoa num mundo tão repleto de complexidade.
Em Portugal, já podes ver a 3.ª temporada de Ramy na HBO Max.
Personagem de destaque:
Ramy – A personagem que destaco não poderia ser outra que não a titular, mas não necessariamente pelas melhores razões. É igualmente frustrante e fascinante acompanhar o seu percurso de constante progresso e retrocesso, que, nesta temporada, culmina numa série de consequências inesperadas. Mas, quem sabe, talvez ainda haja esperança para Ramy, pelo menos é o que o último episódio me parece indicar.
Melhor episódio:
A Blanket on the Television (episódio 9) – Ramy reflete sobre as consequências das suas ações, chegando à angustiante conclusão de que, muito provavelmente, se tornou uma má pessoa. Com revelações surpreendentes, este episódio equilibra perfeitamente o drama e a comédia através de atuações fenomenais, nomeadamente as de Youssef, Calamawy e Laith Nakli, que dão vida a um admirável guião.