Finalmente chegou à HBO Portugal a 2.ª temporada de Euphoria, uma das minhas séries preferidas e que mal podia esperar para continuar a acompanhar. No entanto, valeu totalmente a pena a espera e em breve vais perceber porquê. Acho que muitas vezes corremos o risco de meter os toxicodependentes todos no mesmo saco sem sabermos o que realmente está por trás disso e o que os levou a entrar naquele mundo. Desde o primeiro episódio da 1.ª temporada que nasceu em mim uma grande empatia por Rue (Zendaya Coleman), não pelo seu vício em drogas, mas sim por aquilo que a levou a fazê-lo: a falta de saúde mental e a dor que sente quando está sóbria.
Tal como aconteceu na 1.ª temporada, a ação é-nos contada por Rue, que assume funções de uma narradora omnisciente. Faz chegar até nós a continuação dos acontecimentos da temporada anterior e a evolução das personagens já nossas conhecidas. É de notar que em alguns episódios vemos os primeiros minutos reservados a contar a história de uma determinada personagem, como foi o caso de Fezco – ou Fez – (Angus Cloud), o dealer de Rue, e Cal (Eric Dane), o pai de Nate (Jacob Elordi), para depois passar para o tempo presente. Há ainda flashbacks de acontecimentos anteriores à ação da 1.ª temporada que nos permitem ficar a conhecer melhor as personagens.
Euphoria é um retrato realista do percurso de uma toxicodependente adolescente e das suas lutas interiores, mas também de outras batalhas diárias vividas por quem a rodeia: traumas de infância, psicopatia, ansiedade, depressão, baixa autoestima, dificuldade em enfrentar problemas, relações tóxicas e muitas outras. Nesta temporada, são ainda abordados temas como a luta contra o patriarcado, o amor próprio, a confiança e a desconstrução dos valores incutidos pela sociedade e dos padrões de beleza.
Rue continua a mesma junky aluada, sem noção dos limites e dos perigos, iniciando a temporada de coração partido depois de Jules a ter deixado. A nossa protagonista entra mais a fundo no mundo da droga, consumindo substâncias como heroína, fentanil e benzodiazepina. Os efeitos da droga continuam a ser retratados, além do que a vontade de esconder o vício e o desespero para arranjar droga a levam a fazer, como por exemplo chantagem emocional levada ao extremo. Jules, enquanto vive as suas próprias lutas, faz o que pode para ajudar Rue. Nate continua a manipular tudo o que pode, mas um acontecimento chocante na sua vida faz com que cresça um pouco. Cassie (Sydney Sweeney), na sua inocência, mete-se em problemas, faz algo que vai contra os seus valores e atormenta-se por isso, achando que não é boa pessoa. É sensível, insegura e tenta esconder os seus sentimentos. Maddy (Alexa Demie) continua a transmitir a sua confiança habitual. Lexi (Maude Apatow) tem bastante destaque nesta temporada, manifestando a sua genialidade num projeto que desenvolve, com um olho fenomenal para a arte. Como espectadores, conseguimos ainda perceber melhor a sua personalidade, aquilo que anseia e a perspetiva dos acontecimentos à sua volta.
A representação e produção são tão boas que conseguimos realmente sentir as emoções das personagens. Destaco a representação de Rue e Cassie, personagens que sofrem especialmente nesta temporada e a carga emocional chega ao espectador como um tsunami. Isto deve-se não só às boas atrizes, mas também aos espetaculares efeitos visuais e sonoros presentes em toda a temporada. Os jogos de luz e cor caraterísticos de uma vibe psicadélica, pesada e focada na mente permitem-nos compreender de forma eficaz a mensagem da série. Predominam cores quentes e vibrantes, sendo também feito o uso da sombra. Deparamo-nos com imagens assustadoramente lindas, transmissoras do dano mental e das lutas das personagens. Ouvimos boa música dos anos 80, como “(I Just) Died in Your Arms”, de Cutting Crew, e mais recente como “Water Color Eyes”, de Lana del Rey. A banda sonora assenta na perfeição nas cenas e transmite de forma eficaz a carga emocional, destacando-se músicas como “Mount Everest” de Labrinth. Algumas músicas têm a participação de Zendaya, como “All For Us”, também de Labrinth.
Euphoria não tenta pintar uma imagem bonita de uma toxicodependente que venceu o vício. É bem mais realista, porque na verdade não é assim tão fácil nem linear. Euphoria envolve-nos de uma forma genial no universo da ação, recheada de vícios, drogas, distúrbios e doenças mentais. É um comovente turbilhão de emoções; é uma verdadeira obra de arte, simplesmente brutal. Vibrei com cada acontecimento, com cada momento, com cada obstáculo, partilhei do sofrimento, ansiedade e alegria das personagens. Posso dizer que realmente “vivi” a série e senti um nível desmesurado de adrenalina, não conseguindo, por mais que tente, encontrar pontos negativos. Porque, mesmo sendo um tema já representado noutras séries, é abordado de uma forma completamente diferente e apesar de, por vezes, deixar o espectador triste e incomodado, acho que é mesmo isto que faz dela uma boa série. É uma série bastante pesada que recomendo para um momento em que realmente haja tempo para atentar a cada pormenor e experienciar todo o seu esplendor.
Melhor episódio:
Episodio 5 – Não foi uma escolha fácil, até porque o 7.º episódio também está muito bem conseguido. No entanto, é em Stand Still Like the Hummingbirg que vemos o culminar de tudo aquilo que se passa com Rue, em quem se foca o episódio. A nossa protagonista encontra-se num momento muito difícil da sua vida em que atinge o fundo do poço, o que significa que não faltam cenas desconcertantes, perturbantes e até tristes, já que Rue recorda memórias que lhe trazem dor. Há também muita ação e uma enorme carga emocional que nos faz sofrer com Rue. Os sintomas da ressaca, como não podia deixar de ser, são bastante bem transmitidos: a raiva, a violência verbal e física, uma posterior depressão e arrependimento, o desespero, um total desequilíbrio mental. É visível, depois, um sofrimento apático, em que a pessoa mal consegue falar e comunicar. A certa altura não conseguia parar de ver o episódio, fiquei completamente colada. Queria saber se Rue ia deixar que a ajudassem e quantos mais estragos ia fazer a si e aos outros. Eu tinha o coração apertado, com medo que algo de mal lhe acontecesse. Só as boas séries conseguem envolver-nos a este ponto. Adoro temas relacionados com a saúde mental e este episódio foca-se muito nesta temática, além dos efeitos da ressaca de droga, o que também influenciou bastante a minha escolha.
Personagem de destaque:
Rue Bennett (Zendaya Coleman) – “Para ser honesta sobre quem eu sou, eu sou uma ladra. Sou violenta, abusadora, manipuladora. Mesmo se ficasse sóbria, ninguém esqueceria o trauma da fase em que não estava.”. É assim que Rue se descreve e na realidade o facto de consumir drogas e de estar tão obcecada faz com que seja um pouco agressiva, vingativa e acabe por atacar e deitar abaixo os que lhe são mais queridos. A ressaca faz com que mostre também aquilo que a magoou nas ações passadas dos outros e exteriorize o que tinha guardado dentro de si. Os seus maiores traumas e tristezas ganham força, mas na realidade Rue não é má pessoa. Vive numa dor e sofrimento constantes provocados pelos seus “demónios” interiores e que apenas consegue atenuar com as drogas. Admite que não se quer desintoxicar, quer continuar sob o efeito das drogas, sejam elas quais forem, porque simplesmente não tem forças para passar pelo processo de reabilitação de novo. Nesta temporada, apesar do dano que tantas substâncias químicas lhe provocaram, vemos crescimento em Rue enquanto pessoa, vemos nela uma capacidade de introspeção e autoanálise, além de arrependimento, sentimento de culpa e muita força. Aprende a olhar a vida de uma forma bem mais esperançosa.
Inês Rodrigues