Brasil Imperial – Review da 1.ª Temporada
| 07 Fev, 2021

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[Não contém spoilers]

Temporada: 1

Número de episódios: 10

Brasil Imperial é uma série histórica brasileira que, apesar de contar um pedaço da História portuguesa, parece passar despercebida por terras lusitanas. No Brasil teve a atenção que uma produção independente consegue alcançar (um pouco à semelhança do que acontece em Portugal), mas conseguiu elevar-se ao ser incluída no catálogo da plataforma de streaming Amazon Prime Video. Esta é uma boa reflexão: a série fez-se e ganhou vida sem qualquer tipo de apoio financeiro exterior, com a dedicação da vasta equipa de produção e do extenso elenco, cujos cachets foram mais reduzidos para que pudessem contar esta narrativa. Contudo, o burburinho gerou-se a partir do momento em que passou a estar disponível numa plataforma considerada mainstream. Para o público em geral, será que tem mais valor por isso? Ou, pelo contrário, é uma prova da sua qualidade?

A resposta não é clara. Talvez inclua um pouco de ambas as hipóteses. Ainda assim, o valor da produção já estava todo lá, uma vez que ser incluída na plataforma não alterou em nada o que foi feito. Deu-lhe sim outra alavanca para chegar a mais pessoas e receber outro reconhecimento, e é nesta última palavra que está a inquietação. Hoje em dia, o consumo de arte nas suas mais variadas formas, mas em especial na ficção televisiva e cinematográfica, tornou-se rápido e insignificante, em tudo devido às plataformas de streaming. É motivo de celebração para todos os envolvidos no making of da série e dá também azo a um certo orgulho patriota ver a produção em streaming (quem não ficou contente ao saber que a Netflix ia avançar com a primeira série original portuguesa?), mas onde estava esse orgulho e reconhecimento mais generalizado antes? É um dilema para o qual provavelmente nunca haverá resposta ou resolução.

O que é certo é que Brasil Imperial é uma série que tem todo o mérito, mais ainda por ser uma produção independente e ter conseguido pôr no ecrã 15 anos de história recheados de intrigas políticas, paixões, traições, desamores e ainda contar tudo isto através de três perspetivas diferentes (realeza, políticos/maçons, povo/nativos) com um financiamento reduzido. Acrescentando-se a estes fatores toda a logística que envolve realizar uma série histórica, com cenários, figurinos e caracterizações muito específicas.

O sotaque do português do Brasil presente nas personagens historicamente portuguesas, como o rei D. João V (Gláucio Gomes), pode confundir ao início, mas depressa se percebe a escolha artística. Alexandre Machafer, o realizador e produtor executivo, explica, em entrevista ao Séries da TV, que o pouco dinheiro disponível, assim como o tempo reduzido para completar as gravações da série, levaram-no a optar por um elenco inteiramente brasileiro e não incluir uma tentativa de um sotaque português de Portugal. “Não [fizemos] o sotaque, porque tive muito medo de não ter veracidade. Resolvi assumir: vamos fazer tudo em português nosso, com todo o respeito à História, e vamos encarar o desafio desta forma. No início falei com o Ricardo [Soares, que interpreta Ledo Gonçalves, o narrador da série] e disse ‘Ricardo, vamos falar com alguns atores portugueses que estão no Brasil, para trazermos essa veracidade no sotaque, para que os portugueses também se identifiquem com isto’. Depois percebemos que não era possível por causa do tempo.”

Com o passar dos episódios, o ouvido habitua-se à cadência do sotaque brasileiro e as constantes referências às personagens portuguesas com a denominação própria facilitam a identificação das nacionalidade representadas. Numa primeira instância pode ser “chocante” para o português esta opção, contudo perde-se a conta às produções internacionais que fazem esta mesma escolha. Versailles é um desses exemplos, onde a narrativa que acompanha os anos dourados do rei Luís XIV decorre quase por inteiro em inglês e não em francês. Chocante? Nem por isso. Por outro lado, há uma amostra em como colocar atores de uma determinada nacionalidade a fazer sotaques de outra pode não correr assim tão bem: A Espia, série portuguesa da RTP. Uma das maiores críticas feita a esta série foi precisamente a forma como os sotaques das personagens supostamente inglesas e alemãs soavam mal e pouco credíveis.

Aquilo que se vê no ecrã não parece resultado de uma duração total de quatro meses, entre pré-produção e gravações. Algumas filmagens decorreram em locais reais, as restantes em cenários. Os pormenores estão todos lá: a decoração das habitações requintadas da realeza, assim como as suas roupas e penteados, e a simplicidade das casas do povo, mas com uma aura de maior aconchego e felicidade. O contraste é visível e ajuda o espectador a estabelecer paralelismos entre as várias realidades retratadas, todas unidas pela mesma questão central: a independência do Brasil. Como outras séries históricas, Brasil Imperial, nesta 1.ª temporada, tem também uma componente educativa. É de conhecimento geral em Portugal que o rei D. João V fugiu com a família real, acompanhado da nobreza, para o Brasil quando as tropas francesas se aproximavam do território lusitano e que por lá permaneceu durante vários anos. Contudo, pouco saberão o que decorreu durante a sua estadia naquela que era então uma colónia portuguesa e o que aconteceu ao certo para levar à sua independência – é esse lado da História que esta série oferece.

E se os passos e os planos dos políticos para vencer a mão cerrada portuguesa sobre o território brasileiro podem ser difíceis de acompanhar por vezes, há um simples fio condutor e sempre presente do início ao fim da série que coloca tudo em perspetiva e agarra o espectador. A base humana e emocional da 1.ª temporada de Brasil Imperial são as personagens Arrebita (Oscar Calixto), um jovem português, que por sorte consegue embarcar para o Brasil, e Ana do Congo (Jessica Córes), uma escrava negra, cujas adversidades da vida só fizeram com que não se conformasse e não se deixasse ficar. A construção da sua relação perante o preconceito, a discriminação e o racismo faz com que o espectador torça pela sua felicidade e para que aqueles que colocam obstáculos no seu caminho sofram as devidas consequências.

A forma como o guião navega de forma suave sobre a temática da escravatura, ainda tão presente no início do século XIX, e permite vislumbres subtis mas impactantes desta realidade, é maximizada pelo olhar de Ana e, por consequência, de Jessica. A atriz refere na mesma entrevista que este é um pormenor muito importante na personagem, uma vez que, como “não se podia virar para a realeza e falar diretamente”, tinha de comunicar muito com o olhar. A par da interpretação soberba de Jessica Córes está a de outras três mulheres: Nara Monteiro, Dedeh Melo e Fernanda Becker, que dão vida à rainha Carlota Joaquina, à imperatriz Leopoldina e a Domitila de Castro, respetivamente. Num mundo dominado por homens, onde o papel da mulher é relegado para o fim da lista, Brasil Imperial é uma série que permite às personagens femininas brilhar e mostrar a sua força.

Brasil Imperial destaca-se pela simplicidade com que conta uma história complexa. Não o faz de uma forma negativa, como quem toma o espectador por pouco inteligente. Fá-lo sim a apelar às emoções e à envolvência de quem vê esta narrativa, que inclui tudo aquilo que se esperaria de uma série histórica ficcional e romântica. Além da viagem ao Brasil do século XIX, é também oferecida ao espectador uma roleta-russa dos vários estados sentimentais, desde a felicidade e ternura, à raiva, tristeza e incompreensão.

Beatriz Caetano

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