[Contém spoilers!]
Temporada: 3
Número de episódios: 8
O tão aguardado desfecho de Dark chegou e a série alemã consolidou-se como uma das melhores séries de sempre.
Terminámos a 2.ª temporada a saber que iria existir, pelo menos, mais um mundo e tenho de admitir que a minha primeira reação ao final foi de apreensão. Depois de duas temporadas excelentes a todos os níveis, era normal que tivéssemos dúvidas com a inserção de um novo mundo, mas depressa elas se dissiparam. Os criadores Baran Bo Odar e Jantje Friese já tinham tudo planeado para que a série fosse uma trilogia e não tinham desiludido até então, não iria ser agora que o iriam fazer. Mais uma vez, o argumento voltou a surpreender e voltaram a enganar-nos (no bom sentido), pois sempre que pensávamos que estávamos a perceber a história, aparecia uma reviravolta que a levava por outro caminho até ao final surpreendente e emotivo que teve.
Logo no primeiro episódio ficamos rendidos a todos os paralelismos com o 1.º episódio da 1.ª temporada. Logo no início, temos Martha como espelho de Jonas: o pesadelo, o acordar e ficar sentada na cama, o impermeável amarelo, o cheirar o leite para ver se está estragado… Tudo isto é um espelho do outro mundo. Mas há muitos mais paralelismos: a cena de apresentação dos Nielsens na 1.ª temporada foi gravada num só take rotativo e aqui aconteceu exatamente o mesmo; Ulrich tem relações sexuais com Hannah em casa dos Kahnwalds no 1.º episódio, agora temos o filho, Magnus, a ter relações com Franziska no mesmo sítio, e com Franziska a sair pela janela, tal como Ulrich na 1.ª temporada. Simples frases, que podem passar despercebidas e não tidas como pertinentes, são aqui novamente proferidas. Por exemplo, “atmen nicht vergessen” (não te esqueças de respirar), que Magnus diz a Martha quando vão a falar no corredor da escola é a mesma que ele diz no 1.º episódio da 1.ª temporada na mesma situação, ou o “schön bist du” (és bonita), que Ulrich diz a Hannah, que já foi dito anteriormente. A fotografia cortada na parede da casa em que vivem agora os Nielsens é outro paralelismo. No outro mundo, a fotografia dos Kahnwalds também está cortada. A cena da gruta é outro exemplo, Magnus a apontar a lanterna para a cara dele, todos a fugirem do barulho que vem das grutas… E isto só para enumerar alguns exemplos deste 1.º episódio, pois, ao longo da série temos paralelismos a sucederem-se uns aos outros.
É bastante interessante ver como a versão espelhada das personagens não é diferente da versão que conhecíamos. Ulrich está a viver com Hannah, com quem traiu a mulher, mas acaba também por andar a traí-la com Charlotte, uma característica que está intrínseca à personagem, de que não consegue livrar-se. Wöller não tinha um olho no mundo que conhecíamos e agora não tem um braço, neste mundo é Franziska que é muda, enquanto no outro era Elisabeth. Ou seja, apesar de as coisas poderem não acontecer da mesma forma nem na mesma altura, elas acontecem. Os mundos espelham-se e são iguais um ao outro. Os cenários onde as cenas do mundo espelhado foram gravadas são os mesmos do mundo que nós conhecíamos, a única coisa que foi feita para termos um espelho foi a inversão de todas as imagens durante a edição. Um ponto extremamente interessante e que mostra a mestria desta produção.
Este novo mundo espelhado fez-me detestar personagens de que gostava no outro e vice-versa. Enquanto Ulrich era a minha personagem preferida no mundo apresentado nas primeiras duas temporadas, neste é um homem que não consigo suportar. Esta última temporada também me fez olhar para Hannah de outra forma. Ela não era má porque quis, simplesmente não recebera o amor que muitos outros recebiam.
Gostei imenso do pormenor dos quadros de Adão e de Eva, que não eram um só quadro, mas sim duas partes do mesmo, simbolizando os dois mundos. São estes pormenores que enriquecem a série e a tornam tão interessante.
A minha cena preferida foi a morte de Katharina e o desvendar de que ela era a mulher da lenda do lago. Jördis Triebel e Katharina Spiering conseguiram criar a tensão que a cena pedia e toda a sequência é um dos pontos altos dos oito episódios.
Em relação ao argumento, a forma como nos fazem crer que já sabemos as coisas e depois desconstroem isso tudo é de um brilhantismo que nunca vi replicado em mais nenhuma série. A única coisa que penso que poderiam ter melhorado, foi terem prolongado a série por mais um ou dois episódios, pois achei que a narrativa estava a avançar demasiado depressa nos últimos episódios para conseguirem chegar à conclusão.
A música e o som, mais uma vez, são uma parte imprescindível da série. Tanto a banda sonora original de Ben Frost como a não original são um complemento que dão uma identidade própria à série. Apreciei imenso o facto de terem arranjado forma de distinguir os dois mundos nas mudanças temporais a serem diferentes entre eles: um tique-taque no mundo A, uma espécie de sucção no mundo B e uma sucção dupla entre mundos. Contudo, mesmo assim, por vezes era difícil situar-me, tal é a complexidade da série.
Baran Bo Odar e Jantje Friese construíram uma história tão complexa, mas ao mesmo tempo tão bem escrita e pensada de modo a conseguirem abordar alguns dos temas que eu considero dos mais interessantes nos campos da religião, da física, da filosofia, etc., ao mesmo tempo que nos põem a pensar sobre a condição humana.
Há muito mais para dizer sobre Dark, mas vou concluir esta review que já vai longa. Não vimos todas as nossas perguntas respondidas, mas é essa a essência da série. Deixar-nos a pensar sobre as coisas. A série teve o final que merecia e acredito que os fãs ficaram satisfeitos com ele. A carga emocional das últimas cenas são quebradas por um epílogo também ele inesperado, mas, de certo modo, elucidativo, terminando com a música Irgendwie, irgendwo, irgendwann, de Nena, que já nos ajudou a tirar o caráter pesado dos acontecimentos anteriores. Um final nem feliz, nem triste, uma sensação de alívio, é a conclusão de uma série que nos mostrou que ainda é possível criar algo original e com qualidade e à qual se pode apelidar de “obra prima”. Porque é isso que Dark é: uma produção que conseguiu contar uma história bem contada, com um elenco de excelência e com todos os ingredientes para ficar para a posteridade.
Melhor episódio:
Episódio 1 – Déjà vú – Escolhi o 1.º episódio por tudo o que já referi acima e pela nostalgia que passou. É um episódio cheio de paralelismos e foi muito bom voltar a ter aquela sensação de estarmos a ver a série pela primeira vez e a conhecer aquelas personagens que nos são estranhas, mas familiares ao mesmo tempo. Além disso, foi o ponto de partida para uma temporada que manteve o nível de qualidade em todos os episódios, sendo difícil escolher um que se destacasse.
Personagem de destaque:
Claudia Tiedemann (Gwendolyn Göbel, Julika Jenkins, Lisa Kreuzer) – Foi uma escolha difícil. Pensei bastante em quem iria escolher, pois todas as personagens são importantes, mas a única personagem que me fazia sentido destacar era Claudia. Já na última temporada tínhamos visto uma evolução enorme da personagem e nesta temporada vimos ainda mais a sua importância em toda a trama, além de que as atrizes que interpretaram todas as versões da personagem fizeram um excelente trabalho. Por esta razão, Claudia é uma personagem-chave em toda a série e merece ser aqui destacada por isso. Quero só mencionar a personagem de Lisa Vicari, Martha, que foi a personagem central de toda a temporada com uma interpretação excecional de Vicari.
Cláudia Bilé