[Contém spoilers!]
Minissérie
Número de episódios: 4
A Herdade, de Tiago Guedes, começou por ser um filme, o candidato português aos Óscares, e recebeu ainda o prémio Bisato D’Oro para Melhor Realizador, atribuído por um júri de crítica independente, um prémio paralelo ao Festival de Veneza, no qual fez parte da seleção oficial e recebeu uma ovação de pé. Agora em minissérie, A Herdade conta-nos a história de uma família proprietária de um dos maiores latifúndios da Europa desde os anos 40, passando pelo 25 de abril e até à atualidade.
Com todo o alvoroço à volta do filme e tendo Albano Jerónimo no elenco, há muito que tencionava vê-lo, mas nunca consegui ir ao cinema, por isso aproveitei a oportunidade que a RTP nos deu de ver uma versão alargada do mesmo.
Admito que a série acabou por não ser o que eu estava à espera e não me conseguiu cativar ao longo dos quatro episódios, mas isso não diminui a valor da produção. É inegável a qualidade dos cenários, da fotografia e do elenco numa série que vive mais das imagens do que dos diálogos e onde as cenas levam o seu tempo a desenvolver-se. Lembrei-me imediatamente de Manoel de Oliveira, que também é conhecido por planos longos, mas ao contrário do que acontece nos filmes deste realizador, não senti que isso fosse um ponto negativo na série, pelo contrário, foi uma das características de realização que mais apreciei.
Estava à espera de um argumento mais complexo e cativante e penso que é aqui que a série fica a perder. Se a todos os aspetos positivos que já mencionei tivessem juntado um argumento que se equiparasse, penso que A Herdade poderia ter sido uma série/filme muito mais interessante do que foi. Contudo, há que realçar a forma como a família foi representada. Temos o homem da casa, João Fernandes (Albano Jerónimo), um indivíduo frio e insensível, que não quer saber de mais nada além da sua herdade e dele próprio. A indiferença com que trata a mulher e os filhos é característica de uma geração definida por um patriarcado que não deixa nenhuma decisão ser tomada por mais ninguém a não ser o homem. Se ele quer alguma coisa, tem-na e não há como dizer não. Também foi interessante ver representados os tempos antes e pós 25 de abril, os apoiantes do governo de Salazar e aqueles que estavam contra, os trabalhadores… Penso que é sempre importante incluir o contexto histórico neste tipo de produções, pois a vida quotidiana não é independente do que acontece no país e no mundo. Também saliento a última parte da série, em que entram os filhos tanto do casal principal como dos seus trabalhadores. Estas personagens, que vivem numa época completamente diferente daquela em que a série começa, trazem uma simplicidade e leveza que contrasta com o ambiente pesado de antes. Os problemas de Miguel (João Pedro Mamede) devem-se ao facto de o pai o pôr de parte, pois desde pequeno que vemos que ele não consegue estar à altura das expectativas do pai e, em contraste, temos António (Rodrigo Tomás), que é o completo oposto de Miguel, mas que não é filho legítimo de João. João teve sempre um objetivo, ter um filho que pudesse seguir os seus passos, mas nunca o conseguiu, pelo menos não legitimamente. Esta questão/mentira vai levar a sérios problemas e desestabilizar relações, assombrando ainda mais uma família que é tudo menos feliz. Um contraste de gerações e valores numa família tudo menos unida.
Resumindo, A Herdade preza pela qualidade técnica e pelo desempenho do elenco, mas falha em cativar o público com a sua história. Toda o alvoroço em volta do filme pareceu-me um pouco exagerado. É um bom filme/uma boa série? Sim, é, mas apenas isso. Não se destaca assim tanto ao ponto de merecer toda a atenção que tem tido.
Melhor episódio:
Episódio 3 – Escolhi este episódio porque é aqui que as coisas começam a ir por água abaixo. Temos o batizado de Miguel, as relações a deteriorarem-se e uma morte suspeita. As mentiras começam a vir ao de cima e a assombrar não só João, mas também toda a família.
Personagem de destaque:
Leonor (Sandra Faleiro) – Brilhantemente interpretada por Sandra Faleiro, Leonor foi a personagem que mais se destacou em toda a série. Leonor tem de suportar as mentiras e as traições do marido, que há muito deixou de lhe dar atenção. Um exemplo perfeito de uma personagem muito bem construída.
Cláudia Bilé