[Contém spoilers]
Sex Education regressou à Netflix no início de 2020 e deixem-me dizer-vos: mas que temporada incrível. A 2.ª temporada é sempre aquele teste quando uma série começa em grande. A 1.ª temporada teve muita qualidade. Finalmente o mundo da televisão começa a perceber que o mundo dos adolescentes não é Gossip Girl, One Tree Hill, The O.C., Pretty Little Liars ou mesmo Riverdale. Enquanto adolescente (e crescendo a ver essas séries), nunca me identifiquei com nenhuma. Sex Education chega tanto aos adolescentes como aos adultos.
Adoro o facto de a série manter o aspeto vintage da 1.ª temporada. Apesar de ser passada algures no Reino Unido, as cores são quentes, os personagens andam com roupa fresca, diferente e irreverente, as paisagens verdes são reconfortantes.
Uma das coisas que me agradou mais neste segundo ano do que no de estreia foi o facto de se focarem muito nos seus personagens principais. O foco não era tanto a clínica e os seus casos semanais, mas Otis, Maeve, Ola, Aimee, Jackson, Eric, Jean, etc. Houve um grande desenvolvimento da parte de todos. Isso significou que os principais tivessem poucas cenas juntos (especialmente Otis e Maeve), mas a ligação continuava lá.
Otis destilou muito ódio a temporada toda. O menino bonito mostrou que mesmo os melhores corações não se livram de um lado negro. Ele não se sentia confortável com a relação da mãe com Jakob (bom, ao início por motivos óbvios) pelos problemas de abandono mal resolvidos. E acaba por descarregar na mãe, que é brutal, fantástica, mas demasiado “prá frentex” para um adolescente. No longo caminho que percorre para resolver os seus demónios, Otis acaba por magoar profundamente Ola e Maeve, que sempre foram corretas com ele. Por fim, Otis acaba por confrontar o seu verdadeiro problema… o pai que se mudou para os Estados Unidos para recomeçar a vida com outra mulher e outra família. No fundo, não há explicação sem ser que Remi é simplesmente um “idiota”. Otis mostrou indícios de idiotice semelhantes ao longo dos episódios, mas pode ser que melhore. As únicas pessoas com quem Otis consegue ser genuinamente agradável é com Ruby e Eric.
Eric é o meu personagem masculino favorito. É um raio de sol. Uma lufada de ar fresco. Otis e Eric são os melhores amigos. Vê-se que há ali amizade genuína. Falam abertamente da vida, apoiam-se sempre, protegem-se. Apesar dos seus problemas e do seu egoísmo em relação às mulheres da sua vida, Otis não descurou o amigo e viu que algo na sua relação com Rahim não era a 100%, mas também se preocupou em relação à aproximação com Adam. Claro que Adam é adorável e uma pobre alma perdida, mas toda a história dele com Eric não me agrada. Não é saudável que uma pessoa vítima de bullying grande parte da sua vida se apaixone pelo seu bully. Mesmo que essa pessoa tenha mudado e vê-se que Adam já não é o mesmo. Mesmo assim, não gostei.
Maeve não tem um minuto de descanso. O irmão abandonou-a na temporada passada e agora chega a mãe, com outra filha atrás e a jurar que estava limpa de drogas. Maeve já passou por muito na vida e arma-se muito em dura, mas tudo o que ela quer é não estar sozinha no mundo. Perdoar a mãe revelou-se um erro e ela acaba mais uma temporada de coração partido e sozinha na sua caravana. Felizmente conseguiu ser readmitida na escola e ainda juntar-se às aulas avançadas e destacar-se a sério como a rapariga ultra inteligente que é e não atrás das composições e trabalhos dos colegas. Fiquei muito frustrada com aquele final e com aquele imbecil do Isaac, mas estou confiante que na 3.ª temporada vão deixar de brincar e juntar Maeve e Otis de uma vez. Tenho pena que eles tenham passado tão pouco tempo juntos, mas achei que fazia sentido.
Aimee, querida Aimee, teve provavelmente a história mais forte e traumática da temporada. Um homem masturba-se para cima dela. Nem imagino o que será passar por algo assim, sentir que um homem acha que pode usar o pénis para nos intimidar, para mostrar poder. Foi de partir o coração vê-la mudar a maneira como se veste, a ter receio de estar com o namorado. Perdeu o brilho. Ela que sempre foi tão desinibida sexualmente, retrocedeu e passou a ter medo, a toda hora e de toda a gente. Abençoadas colegas e amigas que se juntaram naquela poderosa cena do autocarro e lhe mostraram que era apenas “um autocarro estúpido”.
Jean aventurou-se no mundo dos adolescentes e, aos poucos, foi conquistando os alunos da escola. Isso criou-lhe uma rivalidade com o filho, a quem acabou por roubar quase todos os clientes por ter consultas gratuitas e com anos e anos de experiência a seu favor. Bom, de qualquer maneira, a sua relação com o filho não foi propriamente pacífica. A presença de Jakob foi incómoda para todos. Para além do filho, Jean encontrou um inimigo no diretor Groff. Se era propriamente agradável na 1.ª temporada pela maneira como tratava o filho, ficou absolutamente intragável e cruel, ao ponto de expor a vida sexual dos alunos pela escola só para se vingar de Jean. Fiquei agradavelmente surpreendida com o final da terapeuta sexual. Jean grávida. Não estava nada à espera, mas cheira-me que vai ser muito interessante!!
Jackson, depois de partir a mão a si próprio, resolve confessar à mãe que não quer continuar a nadar. Ola e Lily descobrem que a relação delas vai bem mais para lá da amizade. Conhecemos Viv, uma excelente aluna que fica amiga de Jackson e é essencial para o seu desenvolvimento na temporada. Vimos os professores Colin Hendricks e Emily Sands terem uma relação hilariante – hilariante porque eles são pessoas totalmente diferentes e porque toda a relação sexual deles gerou umas boas gargalhadas. E aquela peça de teatro, uma adaptação de Romeu e Julieta, absolutamente genial! Já sabíamos que, se fora Lily a idealizar tudo, ia sair algo mirabolante, mas ela conseguiu surpreender-me. Uma maneira brutal de fechar a temporada!
Melhor episódio:
Episódio 7 – Tinha de ser este. É a ressaca da mega festa de Otis. Ele descobre que perdeu a virgindade com Ruby e os dois acabam por passar o episódio juntos quando ela percebe que não tinham usado contraceção de barreira. Acabamos por ver um lado mais humano e vulnerável de Ruby, que é sempre uma miúda aparentemente superficial e de nariz empinado. Percebemos a sério que a relação de Rahim e Eric tem os dias contados e o caos que se segue depois do odioso Mr. Groff distribuir as notas de Jean pela escola toda – mas cujo tiro lhe sai pela culatra. Jackson confessa finalmente que já não sente paixão pela natação. No entanto, sem dúvida que o melhor episódio é a recriação do filme The Breakfast Club quando Olivia, Maeve, Ola, Aimee, Viv e Lily são obrigadas a encontrar o que têm em comum e acabam por ajudar Aimee com o seu trauma. Seis raparigas que pouco têm de parecido acabam por se unir. As nossas diferenças têm de ser colocadas de parte aqui. Triste é que essa união surja do assédio sexual. Uma vergonha, uma pena, mas a mais pura realidade. Foi um episódio lindo e um final lindo que me deixou em lágrimas. Porque sou mulher e porque sei que aquelas histórias que as meninas partilharam são bem reais.
Personagem de destaque:
Aimee Gibbs – Sex Education é das poucas séries cujas personagens estão incrivelmente bem construídas e foi muito, muito complicado eleger apenas uma. Eric é uma alegria de se ver, Maeve uma força da natureza, Jean uma mulher de armas, enfim, mas teve de ser Aimee. Pobre, doce e querida Aimee. A personagem mais feliz, que fazia até o mais carrancudo sorrir. Ser adolescente é já complicado o suficiente, mas ser vítima de assédio sexual é algo pelo qual nenhum adolescente, adulto, SER HUMANO devia passar. Nunca. Vimos Aimee lidar com aquilo à maneira dela, discretamente, mas todos acabaram por ver a mudança nela. Mudanças subtis e graduais que começaram a mudar Aimee, a transformá-la numa mulher com medo, com receio de fazer a mais simples das ações do quotidiano, como entrar no autocarro.
Maria Sofia Santos