The Morning Show – Review da 1.ª Temporada
| 04 Jan, 2020

Publicidade

Temporada: 1

Número de Episódios: 10

[Contém spoilers]

The Morning Show foi, sem dúvida nenhuma, uma das grandes estreias de 2019 apesar de não ter sido incluída na nossa lista das 10 melhores estreias do ano. Depois de The Newsroom fazia falta no vasto mundo das séries uma produção que abordasse o tema da televisão e do jornalismo. Não há muitas séries a fazê-lo, ou quase nenhumas, e já era mais do que tempo. Com uma premissa que prometia, as duas protagonistas da série venderam por completo este produto brilhante.

Devo dizer que sempre conheci Jennifer Anniston Steve Carrell num registo cómico e quando percebi o tipo de papéis que ambos iam desempenhar fiquei um pouco na dúvida se seriam capazes de o fazer sem falhas. Admito sem qualquer problema que não tinha razões para duvidar. São atores com um talento incrível e as personagens que trazem ao ecrã são interpretadas quase na perfeição. Alex e Mitch formam uma dupla que, vamos percebendo com o passar dos episódios, não era tão ideal assim. O marketing tem um papel muito importante na construção deste tipo de relações e pergunto-me o que se passará realmente nos programas televisivos quando as câmaras se desligam.

Reese Witherspoon vem dar um ar de sua graça à dinâmica entre os dois apresentadores com Bradley Jackson. Por onde quer passe, Bradley é um furacão sem controlo. Uma das coisas que mais gostei na série e da qual só me apercebi agora foi o crescimento desta personagem desde o primeiro episódio até ao último. Quando The Morning Show se inicia, Bradley é-nos apresentada como uma mulher instável, sem filtros e impulsiva. Quando termina, Bradley continua a ser tudo isso, mas de forma mais ponderada, se é que faz sentido o que escrevo. Ela consegue canalizar todas as suas emoções descontroladas para conseguir algo estrondoso, explosivo e necessário: desmascarar a cultura do assédio às mulheres e do consequente silenciamento no canal onde trabalha.

Comecei por dizer que o mundo das séries precisava de uma produção que abordasse o tema do jornalismo e dos noticiários. The Morning Show conseguiu ser ainda melhor do que isso ao aliar esse tema tão pertinente hoje em dia (ainda que não tenha aprofundado realmente o lado do rigor jornalístico e do que deve ou não ser notícia, mas já lá vou) a outro fulcral nos tempos que se vivem: o do assédio e do abuso sexual em contexto de trabalho. Mais do que outro qualquer, esse foi o tema central da série e, na minha opinião, acho que a abordagem feita foi incrivelmente bem conseguida. Todos os aspetos relevantes e mesmo os mais subtis deste tópico tão controverso (mas que na verdade não o deveria ser) foram mostrados, debatidos e escrutinados de uma forma estrondosa.

Ao não descortinar logo de início se Mitch era ou não culpado daquilo que o acusavam deu para perceber os dois lados da moeda. O lado de quem acusa e que o faz anonimamente com medo de represálias, de quem se desconfia sempre se está a dizer a verdade ou a tentar subir na carreira às custas da queda de outro, de quem se diz que “se não queria, dizia que não”, de quem isto, de quem aquilo, de quem o outro… E o lado do acusado, aquela pessoa que nunca iria fazer tal coisa, aquela pessoa que todos olham como um ídolo, um modelo a seguir, aquela pessoa exemplar, aquela pessoa que está sempre pronta a dar uma mãozinha, aquela pessoa que… Enfim, acho que deu para perceber. Quando o escândalo de Harvey Wenstein rebentou, muitos foram os que não acreditaram que ele poderia ser capaz de se aproveitar de mulheres só porque sim. Mas a verdade é que foi e agora, felizmente, está na desgraça. A história de Mitch em tudo se assemelha.

Como referi, a forma como abordaram esta questão foi incrível. No meio de uma equipa de produção televisiva inteira tivemos oportunidade de ver a reação individual dos elementos mais importante à revelação de que o pivô mais famoso dos EUA tinha sido despedido por má conduta no trabalho. Para uns foi um choque, para outros nem tanto. E isso diz muito. Há aqueles que sabiam e que decidiram ignorar, há aqueles que lá no fundo sabiam que algo se passava mas decidiram não dar importância e há aqueles que desconheciam por completo. Os primeiros e os segundos também têm culpas no cartório, como os plots de Alex e de Fred nos demonstram. No fundo, Alex sabia o que Mitch andava a fazer e ainda que não estivesse totalmente inteirada porque não se deixou percebê-lo a 100%, é sua cúmplice. Permitia e, em certos momentos, encorajava o comportamento do colega. Quantos de nós achamos que um piropo não faz mal a ninguém e até brincamos com a situação? O problema é que tudo começa por pequenos passos.

Fred, por sua vez, é tão culpado quanto Mitch. É por sua causa que o pivô exerceu durante tantos anos a pressão do seu poder sobre quem não o tinha. Se Fred fosse outra pessoa, Mitch só teria tido oportunidade de atuar uma vez. Ainda assim, e como é mencionado na série diversas vezes, há uma cultura do silêncio no estúdio. Mia e Chip sabiam. Decidiram ficar calados. Também é sua culpa, ainda que se tentem redimir. E depois temos os que são afetados indiretamente, como Yanko (Nestor Carbonell) e Claire (Bel Powley), que não podem revelar a sua relação com medo de que o meteorologista seja acusado do mesmo que Mitch. No fundo, todas as nuances que um caso como o que é retratado na série tem, não só naqueles diretamente envolvidos como em todas as pessoas que partilham o local de trabalho, são retratadas nestes 10 episódios e creio que chegamos ao fim sem quaisquer dúvidas sobre o que sucedeu. Era bom que na vida real também tivéssemos acesso a mais do que duas perspetivas e ao que já aconteceu. Seria tudo muito mais fácil.

Hannah desempenha, para mim, o papel mais importante da série. É através da sua experiência que podemos encaixar todas as peças do puzzle Mitch e Gugu Mbatha-Raw não poderia ter feito uma interpretação melhor desta mulher perturbada. O seu fim é trágico e deixou-me genuinamente triste. Queria acreditar que com a vinda ao de cima da verdade seria capaz de começar a processar e eventualmente ultrapassar o que lhe aconteceu, mas o efeito foi o contrário. Ainda que não intencional, a sua morte é previsível. Quantas mulheres como ela haverão por esse mundo fora? Demais, com certeza.

E depois desta dissertação sobre o assédio/abuso sexual, passo a outros aspetos mais leves da série. A dinâmica entre Alex e Bradley foi em tudo deliciosa. Confesso que gostei sempre mais da última do que da primeira. Alex pareceu-me, desde o início, como a ressabiada e de mal com a vida que se revelou ser. Não soube gerir a sua carreira com a vida pessoal e o resultado é uma mulher amargurada que descarrega nos outros os próprios falhanços. Esta personagem retrata bem muitas profissionais do jornalismo que não aceitam a opinião de outros “abaixo de si”. Adorei as cenas em que Bradley tentou perseguir histórias com valor-notícia e Alex simplesmente lhe negou a hipótese. Foi este aspeto que senti necessidade de ser mais aprofundado em The Morning Show – o lado jornalístico da história e que tanto também precisa de ser abordado. Não é segredo para ninguém que o jornalismo enfrenta uma fase conturbada, especialmente com o surgimento das redes sociais e das fake news e gostava que tivessem havido mais momentos onde estes tópicos são debatidos mais a fundo.

E não posso terminar sem fazer referência a Cory, cuja personagem, devo dizer, adorei. Billy Crudup faz uma interpretação viciante deste perturbador de negócios e estou bastante curiosa por ver o que lhe reserva a 2.ª temporada.

Personagem de Destaque:

Bradley Jackson (Reese Witherspoon) – Para mim a personagem que se destaca pelas melhores razões é Bradley. A sua língua afiada (e solta) vem dar uma leveza necessitada ao enredo e contrastar com tudo o mais que se desenrola. Desde que a série começa até que acaba o desenvolvimento de personalidade da personagem é bem visível e foi bem construído. A sua essência permanece, mas a forma como se expressa evolui para melhor.

Episódio de Destaque:

Episódio 8 – Lonely at the Top foi o episódio que a série precisava para ligar todas as peças. Sem ele, muita coisa continuaria por esclarecer e, por essa razão, faz dele o que mais se destaca na temporada. Claro que a season finale foi espetacular e teve o seu impacto, mas não seria a mesma coisa sem a perspetiva que o oitavo episódio nos deu. É aqui que provamos finalmente a culpa de Mitch e em como tudo pode acontecer tão rápido. Gosto de pensar que se me encontrasse na situação de Hannah seria capaz de reagir e dizer que não com todas as letras. Mas nada me garante que seria isso que aconteceria. Todos temos formas diferentes de reagir perante as situações e a dela foi bloquear. Mitch viu isso como um sim (enfim, o que dizer? Não me vou alongar sobre o assunto. Se o sim não é pronunciado e se não há indicação de consentimento não é um sim!) e avançou, arruinando a vida da jovem. A sua ignorância perante o que fez é de deixar qualquer um perplexo e demonstra também como tantos casos destes ocorrem.

Beatriz Caetano

Publicidade

Populares

estreias posters calendário novembro 2024 séries

cruel intentions poster prime video

Recomendamos