Shameless – Review da 10.ª temporada
| 29 Jan, 2020

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Temporada: 10

Número de episódios: 12

[Contém spoilers]

Antes de começar a review da 10.ª temporada de Shameless, preciso de vos dar algum background sobre a minha relação com a série. Vou ser sincera, parei de ver Shameless depois do fim da 5.ª temporada porque conseguia “sentir” a maldição das sérias com mais de quatro temporadas a aproximar-se. Shameless da 1.ª à 4.ª temporada é das minhas séries favoritas de sempre e, na minha opinião, da melhor e mais subestimada televisão que se fazia na altura. Mas na 5.ª temporada começaram a notar-se as fendas na construção e os indicadores de que o que acabou por acontecer ia acontecer: ia perder o rumo e, mais gravemente, a sua essência. Então eu parei, porque as minhas duas personagens favoritas (Mandy e Mickey Milkovich) deixaram a série, de formas que detestei, e não queria ver o resto das personagens que eu adorava serem lentamente destruídas.

No início de 2019, o twitter de Shameless fez o anúncio mais épico de sempre da forma mais épica de sempre, ao fingir que tinha sido hackeado por um(a) fã que tinha levado a sua campanha de trazer o Mickey de volta longe demais. Eu já estava fora da fandom na altura, mas até assim as notícias e a histeria chegaram à minha timeline e aquelas horas de confusão a tentar perceber se era um hacker ou se Mickey ia mesmo voltar de vez foram das coisas mais entusiasmantes que passei como fã de séries. Quando finalmente a conta publicou um vídeo-paródia de Noel Fisher (ator que faz de Mickey) a tentar escapar da prisão através dum túnel que ele estava a escavar com uma colher, eu só pensei… “Aqui vou eu outra vez”. A fã ferrenha de Shameless que eu era em 2013 com 14/15 anos, que acordava às seis da manhã de segunda-feira para ver o novo episódio antes de ir para a escola tinha sido reanimada e a contagem decrescente para os novos episódios tinha sido acionada.

A 10.ª temporada estreou mais ou menos seis meses depois, no dia 11 de novembro, mas eu só precisei de 10 dias para ver as 4 temporadas que tinha em falta. As saudades dos Gallaghers e o entusiasmo para ver Mickey outra vez ajudaram-me a percorrer as temporadas rapidamente, apercebendo-me de que as minhas suspeitas se tinham confirmado e de que, realmente, a série tinha descambado por completo, principalmente na 7.ª e 8.ª temporadas. No entanto, a segunda metade da 9.ª temporada fez-me tanto lembrar a primeira que eu pensei que, mesmo com a saída de Emmy Rossum (Fiona) do elenco, eles iam conseguir voltar à época de ouro e terminar a série em grande, tal como ela começou. Ora, ainda têm a 11.ª e derradeira temporada como última tentativa, porque realmente a 10.ª não conseguiu fazer o que eu achava que iam fazer.

Os primeiros episódios foram um seguimento quase direto do fim da nona, com o nascimento do filho de Lip e Tami, Carl na escola militar, Frank ainda lesionado no sofá e Debbie a decidir como o dinheiro que Fiona lhes tinha deixado ia ser tratado. Três primeiros episódios sólidos, super engraçados, com pés e cabeça, notando-se que tinham sido bem pensados pelos escritores e executados com tempo e organização – mais ou menos na onda da tal segunda metade da 9.ª temporada. Mas, de repente, como se da noite para o dia, o 4.º episódio voltou à evidente falta de inspiração e ritmo das piores temporadas da série. As storylines estagnaram, tornaram-se desinteressantes, demasiado dispersas e sem grande coesão – a pior de todas sendo a de Kevin e do treinador que molestou todos os seus colegas (e é assim, eu adoro que Shameless não seja politicamente correta e tenha histórias que roçam sempre no ofensivo, mas esta foi longe demais e a certa altura estava tão enojada que simplesmente passava as cenas à frente).

O pior de tudo foi que todas estas storylines, desenvolvidas nos episódios do meio da temporada (com a exceção da de Lip e Tami) não tiveram qualquer seguimento no bloco final: ficaram “resolvidas” (se é que lhe podemos chamar assim) aos poucos entre o episódio 7 e o 9, com um fio condutor super pouco satisfatório, como se a temporada se tratasse dum saco de compras cheio de ingredientes aleatórios que no final não podiam ser usados para fazer nenhuma refeição em condições, mas sim uma mistela que custa a comer. Entre o episódio 9 e 12 praticamente todas as personagens começaram novas storylines que nada tinham a ver com as dos primeiros episódios, cujas transições deixaram muito a desejar e deram à temporada, como um todo, muito pouca consistência. Os únicos arcos que se aproveitaram foram os de Lip e Tami, como já referi, que tiveram uma história consistente e sólida desde o início ao fim (ainda que o grupo de mães que Lip frequentava no princípio tenha sido completamente esquecido) e o de Debbie que, apesar de ter tido mil e uma ocupações ao longo da temporada, de certa maneira todas elas se conseguiram encadear (talvez por sorte) para formar aquela que foi para mim a storyline mais interessante.

Frank, mais uma vez, funcionou como o palhaço do sítio, que existe só para nos rirmos dele e com ele, com storylines superficiais. Era evidente que os escritores não sabiam o que fazer com Liam; Veronica e Kevin também vaguearam pela temporada sem grande propósito e Carl simplesmente ficou para trás sem uma única cena memorável.

Agora, as personagens que levaram a que eu me atualizasse sobre a série e a voltasse a ver depois de cinco anos, Ian e Mickey: não tiveram o melhor arco, mas também estiveram longe de ter o pior. Soube-se que uma quantidade significativa de cenas deles foram cortadas, explicando o sentimento de insatisfação que ficava sempre no final de cada episódio. Duas personagens com tanta história – 10 anos(!), o único casal que dura desde o início – mereciam muito mais profundidade e desenvolvimento nas suas cenas, especialmente no que toca a conflitos não resolvidos, que já vêm desde a 6.ª temporada e que nunca foram bem abordados ou falados.

O último episódio veio resgatar a dececionante temporada, com um casamento lindo que fez lembrar o coração, o sentimento e a honestidade crua que Shameless costumava ter há muito, muito tempo atrás. Aliás, não há indicador mais claro da diferença entre o Shameless de antigamente e o de agora do que Mickey, porque ele foi uma personagem que surgiu na altura em que Shameless ainda se classificava como um drama, ainda tratava as suas histórias não como o remate de uma piada, mas como situações comoventes de uma comunidade que vive na pobreza, mas luta todos os dias para encontrar formas de tornar a sua vida um bocadinho menos pesada (sendo aí que entrava a comédia, sempre bem temporizada e reconfortante). Mickey “nasceu” e “cresceu” dessa forma de storytelling, depois saiu da série quando ela começou a transicionar para comédia e voltou já quando Shameless se tinha tornado numa espécie de palhaçada com alguns momentos sérios e sóbrios aqui e ali. Enquanto as outras personagens foram fazendo essa transição aos poucos, não sendo a mudança tão evidente, Mickey saiu como uma personagem complexa, cuja história me comovia imenso, e regressou como uma versão oca dele mesmo, com excentricidades que nada têm a ver consigo e reações e comportamentos que mais parecem uma paródia de quem ele costumava ser. E esta mudança aplica-se a todas as personagens e histórias, sem falta.

É triste ver uma série (e um elenco) com tanto potencial ser assim desperdiçada, especialmente quando vemos episódios como o último desta temporada ou o último da nona que nos relembram do que Shameless poderia ser se voltasse a ser feita com carinho e não simplesmente como um veículo para chocar, causar desconforto ou fazer rir. Pensava que a 10.ª temporada ia ser diferente, mas acabou por ser mais do mesmo. Agora, sobra a 11.ª, que, sendo a última, vai, espero eu, ser escrita e produzida com mais cuidado e respeito e funcionar como uma homenagem à série e à família que entrou nas nossas vidas há nove anos atrás.

P.S.: As saudades da Fiona são REAIS.

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Melhor Episódio:

Episódio 12: Gallavich! – As conexões com o passado como uma simples menção de Fiona ou Mandy, duas personagens supostamente tão importantes para os noivos, ou um call back ao facto de Ian e Mickey estarem juntos há dez anos ficaram a faltar, mas, apesar disso, o último episódio da temporada conseguiu ser o mais bem conseguido. Ver os Gallaghers, aliados ao Mickey e à Sandy Milkovich, a trabalhar juntos para encontrar um novo sítio onde realizar a cerimónia de casamento de Ian e Mickey foi lindo! Shameless é sempre melhor quando todos os Gallaghers estão juntos na mesma cena, isto é simplesmente um facto cientificamente comprovado. O humor esteve presente, mas, ao contrário do resto da temporada, foi contrabalançado com momentos emotivos entre diferentes personagens, inclusive Liam e Frank. No centro esteve a celebração duma união tão antiga como a própria série, que todos nós que assistimos desde o início vimos crescer de algo tão tóxico para algo que, ainda que pudesse ter sido resolvido e escrito bem melhor nesta temporada, é o mais próximo de amor verdadeiro e “almas gémeas” que podemos encontrar no Southside de Chicago. Claro, eu sou suspeita, porque Ian e Mickey são um casal que eu amo há anos e anos e anos e vê-los ter um final feliz juntos foi algo que durante muito tempo pensei que nunca ia acontecer. Ainda assim, acho que qualquer pessoa que goste de Shameless provavelmente gostou deste episódio, pelo feeling de família, união, diversão, festa, emoção e amor que se viu ao longo de todo ele.

Personagem de destaque:

Debbie Gallagher (Emma Kenney) – Seguida diretamente por Lip, Debbie foi, para mim, a personagem mais interessante e prazerosa da temporada. Tornou-se na personagem feminina principal, depois de Fiona se despedir de Chicago, e realmente conseguiu construir a sua própria identidade e ter episódios e cenas super divertidas e sexy do ponto de vista de girl power, confiança, inteligência e atrevimento. Eu adoro a forma como Shameless tem explorado a sua identidade sexual, ainda que preferisse que a fizessem autoidentificar-se como bissexual, uma vez que não há personagens fictícias suficientes que o tenham feito até agora. A única storyline que achei que ficou um bocadinho aquém foi a do sindicato e da greve, porque as restantes (a de comprar e devolver as roupas, a de usar uma criança falsa para conseguir o dinheiro do seguro de vida do pai da Franny, a de andar com a mãe e a filha ricas ao mesmo tempo e, finalmente, a de se envolver com a prima de Mickey) foram todas hilariantes e a atriz arrasou por completo. Mal posso esperar para ver Debbie e Sandy na 11.ª temporada, porque shippo muito!

Francisca Tinoco

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