A Christmas Carol – Review da Minissérie
| 29 Dez, 2019

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Minissérie

Número de Episódios: 3

[Contém spoilers]

Baseada no conto original de Charles Dickens, o ambiente sombrio e lúgubre de A Christmas Carol seria de esperar. No entanto, ao incorporar algumas noções modernas e algumas ligeiras alterações à história original, esta nova versão do conto dickensiano ganha uma nova vida e transforma-se em algo mais sinistro do que nos temos vindo a habituar.

Liderada em beleza por Guy Pearce no papel do emblemático Ebenezer Scrooge, A Christmas Carol começa sobre a campa de Jacob Marley (Stephen Graham), uma personagem geralmente ignorada que ganha, nesta versão, uma dimensão muito interessante. É através de Marley e da sua relação com o parceiro de negócios que viremos, mais tarde, a conhecer Scrooge para lá do homem mesquinho e taciturno a quem estamos acostumados. Nesta versão, Marley é também o primeiro indício da humanidade de Ebenezer, mas não nos adiantemos.

Começamos bem, se bem que um tanto ou quanto abruptamente, com uma breve introdução às personagens de sempre e tudo nos parece relativamente familiar. Até conhecermos realmente Ebenezer Scrooge. Extraordinariamente interpretado por Guy Pearce, o Scrooge desta versão de A Christmas Carol é, desde o início, claramente diferente. Nada de excessivo ou de flagrante, mas claramente fora do habitual. No início, parece até legítimo pensar que será apenas uma questão de idade. Mais jovem que o habitual, este Ebenezer Scrooge não nos parece tão rezingão. No entanto, parece-nos tão soturno como estamos habituados; talvez até mais sombrio… E depois percebemos. Não tem a ver com a idade. Este Scrooge, este homem que tão bem conhecemos e do qual conhecemos até várias caricaturas mais cómicas, está de facto diferente. Mais pesado, mais calculista, mais malicioso, mais atormentado e, curiosamente, mais humano.

Pela primeira vez, pelo menos das versões de que tenho conhecimento (incluindo o conto original) é-nos dado a conhecer o passado trágico de Scrooge. Os abusos que sofreu às mãos do pai e do mestre-escola, a vida que nunca teve com a mulher que amava e a maneira como isso influenciou a sua maneira de ver o mundo. Muito mais racional do que seria de esperar, a personalidade tipicamente avarenta de Scrooge é aqui trabalhada de outra forma; este homem, que em rapaz foi usado como moeda de troca e que perdeu tudo por não ser capaz de assumir esse trauma, vê agora o mundo como uma Bolsa universal em que tudo, todas as interações humanas, têm o seu equivalente monetário. Todos estes câmbios estão, assim como as contas relativas à sua empresa, registados para sempre na sua mente e são estes números, assim como os fantasmas do seu passado, que suportam a sua crença na falta de humanidade daquilo a que ele chama “the Human Beast”.

Ora, tudo isto, apesar de interessante, poderia não passar de um mero retelling e no fundo, feitas as contas, é o que é. No entanto, é um retelling que não se limita a repetir a história. O que eu acho interessante e brutalmente inteligente nesta versão é a maneira como esta nova perspectiva salienta o original. É quase como se alguém tivesse pegado no conto de Dickens e o tivesse “traduzido” para o espectador moderno permitindo que as personagens no geral, mas em particular a de Scrooge, deixasse de ser uma caricatura e passasse a ser de novo uma criatura humana, com mais profundidade, mais dimensões e mais para oferecer. A Christmas Carol como aqui nos é apresentada não é sobre o Natal, mas sobre a capacidade humana de ser melhor do que as circunstâncias permitem. E este Scrooge, que toda a vida justificou as suas maldades com base nas circunstâncias do seu passado, é somente obrigado a reconhecer que todas as coisas boas que também lhe aconteceram e que ele não foi capaz de reconhecer por não apagarem as más são, no fundo, a essência de ser humano.

Depois desta análise, creio que se torna claro que a série se apoia fortemente no seu personagem principal. Isto é, creio eu, uma das suas maiores fraquezas. Devo dizer que me surpreendeu particularmente quando me apercebi que depois de dois episódios do Ghost of Christmas Past, só tenhamos cerca de meio episódio para os outros dois. Ou seja, acho que não tinham perdido nada em investir em mais um episódio que lhes permitisse explorar um pouco mais, tanto a storyline como as personagens secundárias. Como esperado, os Cratchit têm um papel importante, mas dada a decisão de dar particular relevância a Mary Cratchit e de ligar a sua história à de Scrooge, acho que tinha sido interessante explorar isso de maneira a que estas personagens não fossem só acrescentos à história de Ebenezer.

Ainda assim, o resultado é uma série muito boa, de interpretações excelentes e com uma escrita que faz justiça ao conto de Charles Dickens. Com um equilíbrio muito bom entre o moderno e o dickensiano e um arco emocional muito bem temperado, A Christmas Carol é uma óptima aposta para os fãs de dramas de época. Se bem que talvez não seja a série ideal para esta época festiva.

Melhor Episódio:

Episódio 2 – Chapter Two: The Human Heart – Sendo uma minissérie de apenas três episódios, é difícil escolher um que se destaque dos outros, mas este segundo episódio é, de facto, um pouco superior. Neste episódio vemos não só o passado de Scrooge, como compreendemos também a profundidade da sua maldade. O acordo que faz com Mary Cratchit, a insinuação que fica no ar quando ele sugere que lhe dará o dinheiro para salvar o filho se ela for a casa dele e fizer tudo o que ele lhe disser são uma revelação chocante. Mas é o prazer que Pearce demonstra, na pele de Scrooge, pela sua “experiência” que torna o episódio tão forte. É o ponto alto da performance de Guy Pearce e é um dos melhores momentos da série.

Personagem de Destaque:

Ebenezer Scrooge (Guy Pearce) – Por razões óbvias, esta personagem tem muito mais destaque do que qualquer outra. No entanto, a interpretação de Pearce é realmente muito boa e legitima a posição de Scrooge como personagem de destaque.

Raquel David

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