Temporada: 3
Número de episódios: 13
[Contém spoilers]
You’re f*cking amazing.
The Handmaid’s Tale chega ao fim de mais uma temporada que, consigo adivinhar, para muitas e muitos não foi de um nível tão elevado quanto as duas anteriores. Pautada por um ritmo e uma evolução lentos, esta terceira parte provavelmente não cativou tanto os espectadores. Contudo, para mim, a excelência desta narrativa tão importante na atualidade mantém-se.
Numa série cujo foco principal é uma única personagem é natural que, com o passar das temporadas, a forma de desenvolvimento da trama se vá alterando. A 1.ª temporada foi de um choque extremo e violento a níveis visuais e psicológicos. A segunda teve mais ação e menos momentos macabros, ainda que tenham estado presentes. Esta terceira focou-se na evolução de June e nas consequências que viver em Gilead durante anos tiveram nela.
Esta temporada era necessária. Tínhamos de ver os efeitos negativos que anos de violações, torturas psicológicas e físicas e a vivência num estado autocrático altamente repressor tiveram na personagem principal. Admito que algumas das cenas dos olhares de June possam ter sido excessivas, mas essa é uma das características intrínsecas da série. Isso e os planos excelentes das formações geométricas criadas maioritariamente pelas Servas, as paletas de cores pensadas ao pormenor e as paisagens de nos fazer esquecer a história que estamos a ver. Tudo isto forma The Handmaid’s Tale.
A revolução contra Gilead é uma coisa que esperamos desde a 1.ª temporada. Também eu esperava vê-la nesta terceira, mas honestamente acho que não poderia acontecer já. Se assim tivesse sido, provavelmente teria sido apressada e muita coisa se teria perdido nas entrelinhas. Todos queremos que seja June na linha da frente a liderar o exército que todas e todos os reprimidos neste estado formam. Contudo, esquecemo-nos que ela não pode fazer tudo sozinha e foi isso que percebemos com o importantíssimo papel que as Marthas desempenharam nesta temporada. Sem elas, a revolução não seria possível. Gostei mesmo muito que dessem o merecido valor a estas mulheres que também sofrem, apesar de nem sempre nos lembrarmos disso.
A adição ao elenco regular do Comandante Lawrence deu a June o espaço de manobra de que precisava para avançar com as suas ideias e planos. Muitos foram os comentários que vi online de pessoas a dizerem que agora são permitidas coisas a June que na 1.ª temporada a teriam posto na muralha presa com uma corda ao pescoço. É verdade, mas também é verdade que ela teve sempre alguém que a protegeu e que lhe deu permissão suficiente para que ela pudesse fazer ou dizer certas coisas, quer tenha sido Fred, Serena, Aunt Lydia ou o Comandante Lawrence.
Outra coisa de que também gostei muito foi o facto de os Waterfords não terem um papel principal nesta narrativa. A sua participação já não é decisiva para a história e isso demonstra uma evolução da série. Já estava um bocado farta deles, da presunção de Fred e da incoerência de Serena. Gostei das interações one on one do casal com June. Foi bom ver esta a dizer umas verdades a estes monstros. “At least it wasn’t you” foi das falas mais gratificantes desta série. Vê-los detidos pelas autoridades canadianas e acusados como criminosos de guerra deu-me um prazer inexplicável. Especialmente quando Fred se vingou de Serena e fez com que ela perdesse a imunidade.
Com toda a sinceridade, não percebo as pessoas que gostam de Serena e que veem nela um lado bom. Primeiro, é claro que tem um distúrbio qualquer de personalidade. Esta mulher não se consegue decidir de que lado está afinal. Segundo, ela tem tanta culpa no cartório quanto Fred e todos os outros e outras que ajudam a manter Gilead de pé. Aliás, ela tem até mais culpa porque foi uma das que ajudou a construir este inferno. Só porque sofreu as (poucas) consequências das ideias retrógradas instauradas em parte devido a si já merece a nossa pena? Não me parece. Ainda bem que perdeu a imunidade e que nunca mais vai poder ver e tocar em Nichole. Já era ridículo o suficiente permitirem que ela estivesse com a bebé quando ajudava o marido a violar a sua mãe.
Finalmente tivemos um vislumbre do passado de Aunt Lydia e do porquê de ser como é. No fundo, sempre foi um pouco radical relativamente aos seus código morais e éticos e a vivência em Gilead só acentuou tudo isso, adicionando a componente religiosa. O mais certo é não haver esperança para ela. Outra coisa que me agradou nesta temporada foi termos a oportunidade de perceber o processo pós-Gilead através de Emily. A adaptação a uma vida normal depois de anos subjugada sob todas as formas não é fácil, como já se imaginava. Os traumas ficarão para sempre.
A 4.ª temporada promete então a luz ao fundo do túnel para o fim de Gilead. Contudo, uma questão impõe-se: irá June sobreviver e desfrutar novamente de paz e sossego? Com base no cenário em que terminou esta temporada, diria que a resposta é não. Parece-me que June está destinada a sacrificar-se pela liberdade de todas e todos os outros. Espero estar enganada.
Melhor episódio:
Episódio 11 – Apesar de a season finale ter sido espetacular, escolho Liars como o melhor episódio desta 3.ª temporada. Depois de dez episódios maioritariamente lentos e sem grandes momentos de ação ou reviravoltas, o 11.º teve tudo e mais alguma coisa, deixando-me ansiosa, receosa e eufórica tudo de uma só vez. Foi aqui que June percebeu realmente que é capaz de fazer o que for preciso para acabar com esta tirania. A cena em que mata o Comandante Winslow é de levar às lágrimas. A performance de ambos os atores é simplesmente brilhante. É também aqui que vemos o trabalho underground feito pelas Marthas e como elas são uma peça crucial da revolução. O nível de impecabilidade com que limparam o quarto e se livraram do corpo faz-me pensar quantas vezes já fizeram isso antes.
Personagem de destaque:
June Osborn (Elisabeth Moss) – A personagem de destaque é, com certeza, June. Não consigo sequer pensar noutra personagem que tenha tanto relevo como ela. Talvez Emily, nos primeiros episódios, mas nada que se assemelhe à importância que June tem na história e ao impacto que o desempenho de Moss tem em nós, espectadores. June é a cara da série e, digam o que disserem dos olhares prolongados sob ângulos incomuns, The Handmaid’s Tale não seria a mesma coisa sem ela.
Beatriz Caetano