As memórias mais antigas que tenho do Zorro são de acompanhar, em pequeno, a série de desenhos animados A Lenda de Zorro na televisão enquanto almoçava e que me prendeu logo, obviamente. Cavalos, lutas de espada, um herói mascarado… Tudo ingredientes que faziam as delícias de uma criança já com espírito aventureiro apurado. A partir daí, acompanhei filmes e séries – de um modo geral, quase tudo o que saía – com o personagem. Embora a interpretação tenha amadurecido, conforme crescia eu também, o fascínio continuava inalterado. Estando órfão das histórias deste mascarado há algum tempo, embarquei no visionamento deste primeiro episódio de Zorro, já disponível na Prime Video, com um misto de entusiasmo infantil e expetativa de crescido para ver qual seria a abordagem nesta iteração naquele universo. E o mais curioso é que esse conflito interior continua a durar mesmo depois de acabar o episódio. Tenho bastantes mixed feelings quanto ao que acabei de assistir, mas vamos por partes.

Zorro é destreza com a espada, inteligência para lutar contra vilões e tiranos, defender os oprimidos, é máscara preta, capa e um rasgar de pano em forma de Z e neste aspeto a série não desilude, tem um bocado disto tudo. Entretém, sem dúvida, e remete-nos para aquele sentimento de justiceiro tão bem conhecido. Por outro lado, toda a história de origem é reinventada e embora saiba que depois de mais de 100 anos de histórias (a primeira começou por ser lançada em revistas populares, pulp magazines, que continham vários contos de géneros diferentes, em 1919), não se pode continuar só com a história base, tem que se fugir ao canónico, se não parece sempre o mesmo. No entanto, deixo a pergunta: quando se mexe demasiado na história original, continua a ser a mesma narrativa ou estamos perante algo novo? Foi o pensamento que me ficou a ressoar na cabeça depois deste primeiro episódio de Zorro, pois em termos de relevância cultural e histórica o argumento tem uma perspetiva muito atual, sem dúvida.

Numa época em que a indústria do entretenimento se lança cada vez mais em direções inovadoras e futuristas, surge uma produção que nos transporta habilmente para um imaginário repleto de tradição e encanto do passado (à semelhança da série Lusitânia), o que é uma lufada de ar fresco. Zorro consegue resgatar a magia do antigo e do tradicional. A cinematografia está bem executada, transportando-nos para um mundo onde duelos de espadas são a forma mais nobre de resolução de conflitos, embora as intenções dos vilões não o sejam, e os bailes requintados são o pano de fundo para intrigas e paixões. A banda sonora complementa bastante bem este opulento visual e enriquece a experiência, envolvendo-nos ainda mais na atmosfera da série.

Miguel Bernardeau como Zorro não me satisfez completamente. A sua atuação em Élite como um jovem rico torturado passa em demasia para este papel, de outro jovem rico torturado, mas com especificidades completamente diferentes. Poderia ser mais carismático, especialmente numa história que pede não apenas habilidades físicas, mas também uma presença cativante, e uma diferença palpável entre as personas, pois essa distinção também é uma proteção extra do segredo da verdadeira identidade. Renata Notni acaba por compensar e imprimir bastante carácter à sua personagem, Lolita, dando-lhe uma interpretação vibrante e cheia de personalidade.

Somando todas as partes, o primeiro episódio de Zorro é satisfatório, mas nada de transcendental. Rende bons momentos, consegue, a tempos, transportar-nos para aquele mundo de aventuras rocambolescas, sobretudo apoiado pelo impressionante visual, deixando mais a desejar nas interpretações e na história em si. Zorro é ação, certo, mas não é só o que é e por isso deveria ter sido mais bem aproveitado. No entanto, como continuo com sentimentos conflituosos, mesmo depois de ter visto o episódio e até de escrever esta review, acho que vou ver mais alguns, pelo menos, para aferir se efetivamente vai em crescendo ou se será esta a linha completa da temporada. E tu?

Todos os episódios já se encontram disponíveis na Prime Video.