Shrinking é uma das recentes apostas da Apple TV+, cuja antecipação de sucesso é inteiramente justificada só pelo primeiro episódio, Coin Flip. A série foi criada e produzida por Bill Lawrence (a mente por trás de Scrubs e Ted Lasso), Brett Goldstein (ator e criador de Ted Lasso) e Jason Segel, que assume também o papel de protagonista, talvez o primeiro protagonista verdadeiramente importante desde a sua criação, Forgetting Sarah Marshall. A 1.ª temporada tem dez episódios, tendo a série sido já renovada para uma segunda.
É difícil não esperar algo de muito especial quando a estes criadores se junta Harrison Ford, bem como um elenco de carisma imbatível, que inclui Christa Miller (Scrubs, Cougar Town) e o hilariante Michael Urie, cujo elogiado regresso é merecidíssimo.
Segel parece ter nascido para o papel do destroçado terapeuta Jimmy, de luto pela morte da mulher, sem forças para criar uma ponte com a única filha, sem conseguir ajudar nenhum dos pacientes com as abordagens clássicas e tradicionais defendidas (ou talvez não tanto) pelo chefe e figura paternal incontornável, Paul (Ford).
A profunda tristeza e o cansaço de uma vida rotineira, aliados a uma ternura incontestável e uma ingenuidade esperançosa, são características que Segel parece não só saber ter dentro de si, mas também usá-las para as suas personagens. Esta invulgar auto-consciência e sapiência emocional parece, de resto, ser o superpoder de Segel, desde Freaks and Geeks a How I Met Your Mother.
A ironia é absolutamente essencial neste primeiro episódio. Como é que pode um terapeuta que atravessa o pior momento da sua vida ajudar os outros se não consegue evitar sabotar-se a si mesmo e cavar um poço cada vez mais fundo? Quebrando todas as regras e metodologias que usava até então, sempre com o desesperado intuito de curar as pessoas dos próprios hábitos, inclusivamente os dele.
Harrison Ford não poderia juntar-se, naturalmente, a um simples e qualquer projeto. A personagem Paul parece um paralelismo inevitável com o próprio Ford: alguém em fim de carreira, demasiado fixe para mostrar que se preocupa, demasiado sábio e condescendente para não o fazer. Paul tem um diagnóstico precoce de Parkinson, lidando com o mesmo através da abordagem mais afastada possível da de Jimmy: a tradicional. A química evidente entre Ford e Segel, bem como um diálogo absolutamente genial desenhado para os dois, fazem de Shrinking das melhores coisas que aconteceram em plataformas de streaming nos últimos anos.
Shrinking é tão rica em metáforas e evidências sobre os traumas do percurso de todos nós e tão bem arquitetada e representada que poderia dar uma dissertação. E é só o episódio piloto!
Face à qualidade a que produtores e elenco já nos habituaram, as expectativas para Shrinking estavam altíssimas, o que costuma ser perigoso. Não só foram correspondidas, como foram largamente ultrapassadas. A Apple TV+ conseguiu-nos um bálsamo para a alma no meio de tanta oferta fútil nos dias de hoje.