[Não contém spoilers]
A plataforma Globoplay estreou há dois dias a minissérie Passaporte para Liberdade, que se centra em Aracy de Carvalho, uma funcionária da embaixada brasileira em Hamburgo que emitiu vistos que permitiram a cidadãos judeus escaparem à perseguição nazi durante a Segunda Guerra Mundial. Este é um tema que desperta o meu interesse desde sempre, por isso não podia deixar de ver o primeiro episódio. Aliás, a série conseguiu conquistar-me e por isso tenciono ver tudo.
Antes de mais, não quero deixar de mencionar que esta série se inspira em acontecimentos reais, mas há historiadores que contestam a veracidade dos acontecimentos narrados e dizem que Aracy não fez nada de ilegal ou irregular e que as suas ações não a colocaram em perigo. A Globo defendeu-se, dizendo que uma equipa qualificada trabalhou durante mais de três anos no projeto, reunindo material que corrobora a história contada na trama. Se é fiel ou não à História, não me cabe a mim avaliar, até porque não tenho qualquer conhecimento prévio sobre o tema; tudo o que posso fazer é avaliar o que vi e tenho muita coisa positiva para partilhar.
É também importante ressalvar que, apesar de se tratar de uma produção brasileira, a série é falada em inglês. O Globoplay permite escolher entre a versão original, legendada em português do Brasil, e a versão dobrada, também em português do Brasil, claro está. Optei por ver a versão em inglês, simplesmente por ser a original, mas confesso que gostava que a série tivesse sido feita na língua que partilhamos. A maioria dos personagens são de nacionalidade brasileira, a trama retrata aquilo que era a sociedade brasileira e a sua posição durante o conflito mundial, portanto fazia todo o sentido optar pela língua materna, mas o inglês continua a ser a língua universal das séries. No entanto, a qualidade da legendagem deixaram um pouco a desejar, por isso acabei um pouco distraída e tentei concentrar-me mais no que estava a ouvir. Os atores têm um bom domínio do inglês e os sotaques não são, de todo, fortes, por isso foi bastante fácil acompanhar sem prestar grande atenção às legendas.
Além de um tema forte, o que é sempre meio caminho andado para captar a atenção dos espectadores, Passaporte para Liberdade tem a capacidade de contar a sua história de forma envolvente, mostrando um pouco daquilo que era a violência exercida e as muitas restrições sofridas pelos cidadãos judeus no final da década de ‘3o na Alemanha. É impossível ficar indiferente, principalmente porque os idiotas dos soldados mais jovens fazem questão de humilhar, roubar, assustar e tentar matar os judeus que encontram, mesmo quando são advertidos pelos seus superiores.
Temos também um grupo bastante interessante de personagens. Aracy, claro está, é uma delas. No entanto, João Guimarães Rosa, o Vice-Cônsul do Brasil em Hamburgo, também não lhe fica nada atrás. Estes dois personagens partilham o desprezo pelo regime nazi, mas o chefe de ambos, o Cônsul, não vê as coisas da mesma maneira ou, pelo menos, defende que aquilo que pensa não tem importância. É preciso não esquecer que, na altura, o Brasil vivia sob o jugo de um regime ditatorial, chamado Estado Novo, tal como cá em Portugal. O Brasil acabaria por participar no conflito do lado dos Aliados, mas tendo em conta que vivia sob uma ditadura, não é de estranhar que pudesse ter havido alguma simpatia pelo regime nazi, por parte do governo. Temos também um membro do regime nazi que ainda estou a tentar descortinar se é alguém em quem se possa ou não confiar.
O elenco é bom, o argumento também, os diálogos são interessantes, mas a série peca por uma coisa: a banda sonora. É claro que, com um tema destes, a banda sonora tinha que ter o seu quê de tensa, mas acho que acabaram por usar e abusar do nível de tensão em momentos que não o pediam tanto.
Quero ver Aracy e João unirem esforços para salvar todos os judeus que puderem. Para já, os ricos parecem ter uma janela de oportunidade que está fechada para aqueles que não têm dinheiro para fugir para um país seguro, mas com as regras a apertarem, o tempo urge para todos. Também fiquei com alguma curiosidade em ver mais sobre as suas vidas pessoais, mas isso é absolutamente secundário.
É sempre importante recordar que esta época tão negra aconteceu há menos de 100 anos, num país supostamente avançado. Eu sei que muitas pessoas acham que se fala demasiado sobre a Segunda Guerra Mundial, mas nunca é demais enquanto houver negacionistas do holocausto e da barbárie nazi. Atribuir vistos a pessoas que, de outra forma, estariam condenadas, é portanto um ato de resistência que mostra que havia pessoas dispostas a lutar pelo que está certo. Aliás, também nós, cá em Portugal, temos um herói que ajudou a salvar muitas pessoas através de vistos. O nome dele é Aristides de Sousa Mentes e, tal como Aracy, recebeu o título Justos entre as Nações, dado pelo Memorial do Holocausto, em nome do Estado de Israel, a pessoas não judias que arriscaram a vida para salvar judeus durante a Segunda Guerra.
É uma história que vale a pena conhecer!
Diana Sampaio