[Não contém spoilers]
Chegou à RTP a mais recente aposta ficcional portuguesa, intitulada Vento Norte, com o primeiro episódio Regressos. Esta série histórica, baseada em factos reais, decorre nas primeiras décadas do século XX, depois de os soldados portugueses regressarem da Primeira Guerra Mundial e quando a instabilidade política no país se instala definitivamente. Através dos olhos da família aristocrata Mello, os espectadores vão ficar a saber o que levou, eventualmente, ao golpe de estado de 28 de maio de 1926 que resultaria na instauração de uma das primeiras grandes ditaduras europeias. Todas as quartas-feiras, às 21h, é exibido um novo episódio, estando também disponíveis na RTP Play.
Nos últimos anos, o canal público português e as produtoras nacionais habituaram o público a séries de época de excelência e Vento Norte não é exceção. Regressos, o primeiro episódio de um total de dez, é composto por cenários reais soberbos e por caracterizações impecáveis. Dificilmente haverá algo a apontar a estes departamentos, uma vez que aquilo que mais se destaca em séries como estas em Portugal é precisamente o rigor histórico e a atenção ao detalhe das roupas, dos penteados, das decorações ou dos objetos. Se a caracterização, a direção de imagem e a realização estão quase perfeitos, o mesmo não se pode dizer dos sotaques que as personagem nortenhas têm. É sempre uma escolha arriscada colocar atores que não são de determinada zona do país a fazer um sotaque e nem todos convenceram neste episódio.
A narrativa deste piloto de Vento Norte – Regressos, que alude ao regresso dos combatentes da guerra -, decorre principalmente em Braga, em locais que em tudo parecem verdadeiros. Poucas terão sido as cenas que foram gravadas em estúdio neste primeiro episódio, o que eleva ainda mais a qualidade da série. Todo o ambiente de um Portugal do passado, que aqui revela as vivências dos mais abastados, com criados sempre ao seu dispor, indumentárias de topo e excentricidades típicas de quem tem poucas preocupações (pelo menos, aparentemente), é muito bem transmitido ao espectador. Para quem conhece Downton Abbey, foi impossível não ver algumas semelhanças em Vento Norte e sentir a mesma vibe em ambas as séries. A grande casa senhorial, a governanta Arminda (Margarida Carpinteiro) e a cozinheira, a costureira e as divisões destinadas aos empregados, como a cozinha ou os quartos que em tudo contrastam com os grandes salões dos patrões, cheio de peças de arte e ostentosos sofás, fazem lembrar o palacete dos Crawley e o que lá se viveu.
A par das tecnicalidades, está um elenco vasto e cheio de talento. Os dez episódios prometem uma viagem atribulada e cheia de reviravoltas a uma época conturbada e imprevisível, encabeçada por Tomaz (Sisley Dias), o herdeiro dos Mello, Joana (Eva Barros), a criada que vive um amor proibido, Margarida (Patrícia Pinheiro), a única filha da família Mello e que pretende aproveitar tudo o que os loucos anos 20 têm para oferecer, Ricardo (Rodrigo Tomás), que nunca conseguirá seguir as pisadas do irmão Tomaz, entre tantos outros ainda por descobrir. Almeno Gonçalves dá vida a Afonso Mello, o patriarca desta família decidido a ajudar o seu país a “entrar novamente nos eixos”, ao lado de Natália Luísa, a matriarca Isabel, que com certeza irá viver muitas indecisões, enquanto mulher de um antiliberal mas protetora dos filhos.
O episódio deixou vislumbrar o papel preponderante que a política e a religião terão nos próximos episódios, especialmente numa zona do país que durante a década de 1920 apoiou fervorosamente a queda dos republicanos e o regresso aos “bons costumes”. Mas é igualmente possível prever o lado contrário deste lado tumultuoso, com a vida boémia que estava na moda na altura. Este primeiro episódio parece marcar uma dualidade entre o que representa a cidade de Braga e o que representa Lisboa. Numa, prezam-se as tradições, a vida pacata, as boas aparências. Noutra, os limites são quebrados, os erros são para serem cometidos, a vida é para ser aproveitada. No final, independentemente das posições que os seus habitantes possam ter tido, o resultado foi o mesmo para o país inteiro – a instauração da ditadura.
Criada por João Lacerda Matos, Almeno Gonçalves e João Cayette, Vento Norte é uma série que permite mais uma viagem à História de Portugal. Pelo caminho consegue trazer fatores novos ao pequeno ecrã e encontra espaço para mostrar outras vivências de tempos passados, como jogos de futebol ou festas que tão bem retratam os anos 20. Mesmo depois de várias produções portuguesas focadas nos acontecimento do século XX, ainda é possível descobrir outras perspetivas deste pequeno país à beira-mar plantado. “Intriga e drama. Um romance histórico.” é o slogan do canal para esta série e sem dúvida que não só haverá bastante de todos, como se interligarão harmoniosamente.
Beatriz Caetano