[Livre de spoilers]
Henry é um rapaz que vê o seu pai morto a tiro por um dono de escravos enquanto um tresloucado homem santo, de valores e não de aspecto, o tenta salvar das garras da escravidão. O problema é que o desvairado pregador acha que o nome da criança é Henrietta (Joshua Caleb Johnson) e dá-lhe um vestido em compensação pela perda do progenitor.
Reduzir The Good Lord Bird a uma descrição assim é menosprezar o caos que sua para o ecrã e o enche de podridão na cara e limpeza na alma. Caos que o mais cético pode achar aborrecido por a história nos levar às origens de uma América a braços com uma guerra civil de ideais. Esta presunção cai num argumento desvairado, num leque de personagens “estereotipadamente” variadas e, principalmente, num Ethan Hawke completamente fora do compasso. Estes guias não deixam que haja nem acalmia nem sono, pois este piloto não deixa respirar nem se preocupa em ambientar-nos sobre o que está a acontecer. Não há mãos estendidas nem sarça ardente para iluminar o mais desatento ou impaciente. Percebemos ao ritmo a que ‘o’ jovem Henrietta se apercebe do ninho de vespas em que caiu e das aves raras que guiarão o seu destino, através de uma narração que nunca ultrapassa as suas boas-vindas.
Oremos, portanto, a São Hawke. Pois o frade é um ator que merece poucos elogios para lá dos já pregados. É um santo a que já se conhece os louvores e cujas missas há muito nos invadem os olhos. Mas o que tão devoto padre faz em The Good Lord Bird só pode ser descrito como um sermão de fazer o que raio lhe vai na abadia. A série tem a sua mão na criação, tem a sua mão nas escrituras e tem seu total aval no que toca ao testamento de que esta é uma história de loucura. Seus motivos e origens são desconhecidos, seu fio de pensamento é impercetível, o porquê da fidelidade dos seus homens em seguir tão errático evangelista é oculto, mas o seu dogma é só um: apontar o Norte na moral e libertar todas as crianças de Deus chocalhadas pela tirania da escravatura a Sul… e nem o Diabo, nem o seu próximo, armado até aos dentes, o vão impedir.
No final desta hora não temos muitas respostas quanto ao destino deste deambulante pregador de causa justa. Sabe-se o seu juízo final desde a primeira cena, mas lembrem-se que estamos a lidar com a loucura e esta nunca é certa quando os olhos se fecham. A história começa com uma frase que se não descreve o que raio me passou pelas vistas, não sei o que o fará: “Tudo isto é verdade. Quase tudo aconteceu.”
O que é certo é que este é um testamento que vale a pena acompanhar, pois as suas lições, para além de justas, são de qualidade acima da média e poucos pregam assim na televisão atual. Este primeiro versículo nem sequer conta ainda com Daveed Diggs, um favorito meu desde que Hamilton soou no palco da Disney e que de certeza elevará ainda mais a luz do elenco. Em comparação de sonoridade da série, ocorre-me outro profeta e outra religião, Django Unchained, de D. Quentin Tarantino, mas as comparações são breves e nunca a palavra “cópia” deve ser proferida. Esta luz brilha por mérito próprio. The Good Lord Bird deixa-nos um bom presságio que só a mão do Mal poderá levar a mau porto. Eu estarei aqui para ouvir a palavra do senhor Hawke, espero que vocês também.
Vítor Rodrigues