[Pode conter spoilers]
A 2.ª temporada de Charité – uma série considerada de antologia, pois o cenário é o mesmo, o Hospital Charité em Berlim, mas o tempo e as personagens são diferentes, logo não é necessário ver-se a 1.ª temporada para se compreender esta – passa-se durante o regime nazi, na Segunda Guerra Mundial, e tem como protagonista Anni Waldhause (Mala Emde), uma jovem grávida que está a trabalhar no seu doutoramento no hospital e à volta da qual gira a narrativa. A RTP2 está neste momento a transmitir esta temporada, não tendo eu conhecimento de que alguma vez tenha transmitido a primeira.
Apesar de não ser preciso ver-se a 1.ª temporada, gostava apenas de comentar como a mudança de época fez com que parecesse que estávamos num espaço completamente diferente, pois muita coisa mudou em mais de meio século. O mérito é todo da direção de arte, dos figurinistas e de toda a equipa de caracterização, que fizeram um trabalho impressionante em ambas as temporadas.
Agora sim, esta temporada. O piloto é inteiramente passado no Charité, que penso que servirá de cenário para grande parte dos acontecimentos da temporada, mas o facto de se passar num só espaço não retira nenhuma dinâmica à narrativa. As personagens despertam o interesse do espectador, fazendo-nos querer conhecer melhor as histórias delas ao mesmo tempo que nos ajudam a compreender como era viver na Alemanha durante o regime nazi, que punha a pátria e a raça ariana acima de tudo.
O irmão de Anni, Otto Marquardt (Jannik Schümann), Paul Lohmann (Ludwig Simon) e Martin Schelling (Jacob Matschenz) são personagens que estiveram na frente de guerra e que regressaram à Alemanha, pelas mais diferentes razões, e são uma boa representação de como a guerra transforma as pessoas. Cada um lida com a situação à sua maneira, mas são percetíveis os danos psicológicos e físicos que o conflito armado teve neles. Se olharmos com atenção para a maioria das personagens, todas elas são uma representação daquilo que era a raça ariana: jovens belos, de olhos e cabelos claros e com figuras elegantes. Ao contrário do que acontece na maioria dos filmes e séries que retratam esta época, temos aqui representados “os verdadeiros e fiéis alemães”, aos olhos de Hitler, que têm orgulho em quem são e não questionam as decisões de quem os governa. Todos os elementos característicos de uma época são essenciais à criação de séries deste género e Charité parece tê-lo conseguido fazer ao escolher atores que são imediatamente reconhecidos como “arianos”, um aspeto que me saltou logo à vista. Temos aqui um excelente trabalho de casting.
A série aborda também um dos tópicos mais negros do regime nazi: as experiências feitas em inocentes. O marido de Anni, Artur (Artjom Gilz), no fim do episódio, dirige-se ao Hospital Pediátrico, onde irá fazer experiências em crianças que se sujeitam às mesmas de forma voluntária ou, neste caso, através de uma autorização dos pais, mas não é isso que acontece. Como a enfermeira diz, as crianças que estão ali pertencem ao Reich, não precisam de autorização de ninguém. É também importante referir que todas as crianças tinham alguma deficiência física ou mental; logo, segundo as diretrizes da altura, eram dispensáveis. Se se interessam pelo assunto, recomendo-vos a leitura do livro Os Médicos da Morte, de Philippe Aziz, que explora bem esta crueldade.
Durante o episódio, houve umas cenas que me fizeram bastante confusão: as de Paul com a perna amputada. Era bastante claro que a câmara estava posicionada, em algumas cenas, não todas, de modo a que não se visse essa parte da perna do ator, o que resultou em ângulos bastante estranhos, como quando Paul estava a ser posto na cadeira de rodas. Eu sei que os efeitos especiais custam dinheiro e quanto menos melhor para a parte financeira, mas esta opção não foi a mais inteligente.
Ao que parece, o grande acontecimento da história irá acontecer no 2.º episódio, com o nascimento do bebé dos Waldhausen, um momento que irá fazer com que a vida destas personagens mude drasticamente e, consequentemente, com que as suas convicções “arianas” sejam abaladas. Ou talvez não. Mas isto são meras especulações. Para sabermos, teremos de ver o próximo episódio, que é exatamente o que eu vou fazer.
Resumindo, Charité tem um enredo cativante, com um casting muito bem conseguido e com um contexto histórico bastante interessante. Se viram Babylon Berlin, que continua a ser bastante superior a todos os níveis, tenho quase a certeza de que irão gostar de Charité também. Mas não recomendo a série apenas a quem viu a série do Inspetor Gereon Rath, mas sim a todos aqueles que gostem de séries de época e do período da Segunda Guerra Mundial e do regime nazi.
Cláudia Bilé