[Não contém spoilers]
O novo ano e a nova década que se iniciam chegaram cheios de novidades no que diz respeito a séries. O primeiro dia ficou marcado por diversas estreias, entre as quais se encontra uma pela qual aguardava há alguns meses. Messiah prometeu, desde o momento em que anunciaram a produção da série, trazer aos espectadores mais uma abordagem da velha história bíblica, com a pequena diferença de que esta decorre nos dias atuais. A premissa chamou-me a atenção e o piloto, ainda que não tenha achado nada do outro mundo ou espetacularmente bom, deixou-me curiosa.
O tema da religião desperta em mim um interesse que não consigo explicar inteiramente, visto que não sou religiosa e muito menos crente. Sempre me fascinou toda a mistificação em torno de um suposto salvador que morreu para nos salvar a todos dos nossos pecados. Bom, parece-me que a sua morte foi em vão, dado o estado atual das coisas. Sempre me perguntei também como podem tantos milhares de milhões de pessoas serem tão cegas no que toca ao tema da religião e como podem acreditar em algo que é evidentemente uma invenção humana. Desta forma, tenho tendência a ver produções que abordam esta temática e mais ainda quando dão um twist à narrativa e inserem a dúvida da veracidade de tudo o que rodeia a crença numa entidade invisível e no seu enviado à Terra.
Este primeiro episódio de Messiah não deslumbrou, não chocou, não viciou, não prometeu uma história arrebatadora. Foi um bom episódio onde nos foram apresentadas aquelas que serão as principais personagens e não vou dizer que não fiquei curiosa por saber mais sobre as suas vidas e o que se desenrolará, porque fiquei. Gostei da separação visual, linguística e cultural que fizeram do mundo Ocidental e do mundo Oriental, afinal de contas é assim na vida real, é como se uma barreira invisível mas bastante presente separasse os dois lados impedindo-nos de compreender e assimilar o lado oposto de onde nos encontramos.
Uma das coisas que mais apreciei em He That Hath an Ear foi o facto de quase todas as cenas na Síria e, posteriormente, em Israel, serem faladas em Árabe/Hebraico. Não são poucas as séries que utilizam atores com ascendência árabe ou até mesmo 100% árabes para desempenhar papéis de personagens nativos do Médio Oriente e que depois os colocam a falar inglês 99% do tempo. Messiah parecia pautar-se pela diferença até que o Messias fala um pouco de inglês com outra personagem também ele árabe, Aviram. Achei totalmente desnecessário introduzirem o inglês nestas personagens tão cedo, uma vez que é óbvio que os americanos vão meter o nariz nesta situação do Messias aparecer no Médio Oriente.
Outro dos aspetos positivos foi o paralelismo com a realidade. No episódio, o Estado Islâmico foi derrotado e é mostrada uma imagem de Damasco, a capital da Síria, completamente destruída pela guerra. Quem me dera que no nosso mundo esta ameaça também já tivesse sido neutralizada, mas já estivemos mais longe. A pergunta é: a que custo? No lado Ocidental, a CIA estará em destaque (o que seria uma série sobre o Médio Oriente sem uma parte relativa às agências americanas?) e a personagem que se destaca dela, Eva Geller (Michelle Monaghan), será fulcral nos eventos que se sucederão.
No fundo, Messiah é uma série sobre mais do mesmo, mas com uma componente nova: a de se passar na atualidade. Esse poderá ser o fator que a diferencia das demais que já abordaram o tema do Messias que vem salvar o mundo, o confronto entre as diferentes religiões, da população que não acredita que ele é realmente o filho de Deus e o castiga por mentir. Nos dias que correm será que acreditaríamos no regresso de um salvador? Na altura em que ele supostamente surgiu também muitos não acreditaram e ele acabou na cruz. Terá o Messias da série (Mehdi Dehbi) um fim similar? Uma coisa é certa: pelo menos escolheram a pessoa ideal para interpretar o papel de uma pessoa originária do Médio Oriente e não um caucasiano, louro e de olhos azuis.
A série não surpreende, pelo menos neste primeiro episódio, mas deixa no espectador o bichinho da curiosidade que não deixa passar em branco a questão mais importante: será ele realmente o Messias, o Anti-Cristo ou uma fabricação de organizações políticas para lançar ainda mais o caos no mundo? Para descobrir resta fazer uma coisa, ver os restantes nove episódios. Eu vou ver.
Fun fact: aparentemente a série não causou a primeira impressão desejada nos islâmicos, que criaram uma petição para cancelar a série, pois consideram que é demasiado islamofóbica. A petição conta já com mais de 4200 assinaturas e os utilizadores islâmicos da Netflix ameaçam cancelar as subscrições ao streamer caso a sua vontade não seja satisfeita. Estamos a começar a ver um padrão no que toca às produções relacionadas com a religião?
Beatriz Caetano