[Pode conter spoilers]
Sintonia é a nova produção brasileira, original da Netflix. 3% abriu caminho com todo o hype gerado, sobretudo com a sua primeira temporada, a que outras produções lhe pudessem seguir as pisadas. Confesso que fico sempre curioso em “experimentar” estas grande produções com uma língua que nos é tão familiar. Será justo dizer em relação a Sintonia, que tem uma marca em nada idêntica a 3%, que é uma série totalmente diferente, um drama de “adolescência madura”, no qual são reunidos elementos interessantes que misturam crime, droga, religião, pobreza, sonhos e sobretudo muito funk.
A série chegou a incluir nos seus planos a estrela em ascensão no Brasil, Kevinho, o que viria a não se concretizar, mas as suas músicas fazem parte da banda sonora da série, que se pode caracterizar por ser vibrante, acompanhando o nível elevado de adrenalina e o estilo algo atabalhoado da produção. A música e estilo funk são uma constante e, por isso, no que toca à banda sonora, os fãs deste género vão amar e, quem não é fã, não terá na banda sonora um atrativo para arriscar em Sintonia.
A história foca-se em três personagens, Doni, Rita e Nando. Todos em busca de se desenrascarem num universo tipicamente pobre, mas que não lhes rouba a vontade de sonhar. Doni é a personagem central, mas pelo piloto não conquista, faltou dedicar mais tempo ao seu arco no episódio inicial para ajudar a criar alguma empatia pela personagem. Quanto a mim, foi sempre dominado pelas cenas onde entrou nunca se destacando e pelos arcos e momentos que rodearam a sua aspiração face a uma possível carreira musical no funk. Quanto aos seus dois amigos, Rita e Nando, que são irmãos, têm uma “carga” bem mais pesada às costas, ambos associados à criminalidade (a diferentes níveis) para sobreviverem e pagarem as contas: Nando a braços com um crime envolvendo um polícia e Rita envolvida na venda de droga e responsável pela prisão de uma amiga. Confesso que fiquei mais curioso e interessado na história de qualquer um dos dois do que na suposta “história principal” de Doni, mas na verdade nenhum dos três atores me deixou minimamente deslumbrado e o elenco/representação foi para mim um dos pontos mais fracos deste piloto.
Com três histórias desconexas, a série perde-se um pouco entre elas não conseguindo fazer valer a força dos temas culturais, sociais e religiosos com grande impacto que inclui na sua narrativa.
Por outro lado, a série tem o mérito de se aventurar num território algo desconhecido, no meio das favelas de São Paulo e consegue transportar os espectadores para esse mesmo cenário através de uma figuração e fotografia dignas de nota. Nunca visitei, mas a série fez-me acreditar que estava a ver a pura realidade do lado mais pobre, mas também típico e genuíno da favela paulista. Outro ponto que contribui imenso para que isso seja possível é o jargão utilizado do princípio ao fim, como se de um “dialeto” próprio se tratasse e, nesse aspecto, os diálogos nunca perdem a mesma essência.
Em suma, penso que Sintonia, tendo falhas técnicas, e não primando no capítulo da representação, merece ainda assim o benefício da dúvida e pelo menos que experimentem 1-2 episódios ou que se aventurem nos seis que compõem esta primeira temporada que está a gerar grande burburinho no Brasil e que retrata algo desconhecido para os seriólicos espalhados pelo mundo que poderão ter aqui bom entretenimento a explorar.
André Borrego