[Contém spoilers]
Depois da morte de Travis (Aleksander Skarsgard), Krystal (Kirsten Dunst), a sua viúva, vê-se forçada a trabalhar para a empresa que prometeu ao marido o sonho americano enquanto lhes arruinavam a vida. Guiada pelo desespero e em busca do que lhe é devido, Krystal fará tudo para garantir uma vida melhor para si e para a sua filha.
Antes de mais convém avisar que On Becoming a God in Central Florida contém todo e qualquer estereótipo sobre este belo estado e seus habitantes. Com parques aquáticos, cores gritantes, jacarés e armas enormes, esta série tem todos os elementos de um bom headline floridiano. Neste sentido, podíamo-nos deixar levar e encarar On Becoming a God in Central Florida como uma mera comédia às custas da família pacóvia que se deixa enrolar num claro esquema de pirâmide, mas esta série é bem mais do que isto.
Apesar de começar de uma forma relativamente simples, este piloto revela-se progressivamente mais interessante. A complexidade da relação entre Krystal e Travis, que se amam genuinamente para lá de qualquer conceção idílica de amor, alimenta e orienta toda a série. Aquilo que seria uma história de vingança relativamente simples e quase exclusivamente cómica, torna-se uma verdadeira odisseia com um elemento dramático surpreendentemente bonito. Krystal ama Travis, para lá das promessas de uma vida melhor, de uma riqueza afluente. Krystal ama Travis pelo homem que é e está-lhe grata pela vida que têm. Travis, em contrapartida, mais do que sonhar com helicópteros, champanhe e litorinas, sonha ser capaz de providenciar uma vida boa, segura e despreocupada a Krystal e à filha. É este amor e não a ganância ou a simplicidade de espírito que o tornam vulnerável ao esquema da FAM. Com a morte de Travis é este amor, o mesmo amor que se manifestou nos momentos de discórdia, que prevalece. É este amor que promete carregar a série e isto torna-se exponencialmente mais interessante do que seria apenas uma história de vingança.
A série apoia-se fortemente nos ombros de Kirsten Dunst a quem, pessoalmente, louvo a capacidade que aqui demonstra de criar espaço para o outro. Ou seja, a capacidade de se eclipsar nos momentos certos para que nos seja possível ver o que Krystal vê, o pai dedicado, o marido honesto e sincero.
À primeira vista, parece-nos que a série recairá sobre Travis, sobre a sua luta pelo sonho de uma vida melhor, sim, mas acima de tudo de uma vida boa e confortável para a família. No entanto, Krystal torna-se rapidamente a peça fulcral da série e, pelo fim do episódio, a compaixão que temos por ela chega para nos manter interessados. Tudo isto devido a uma interpretação de tal forma humana da parte de Dunst, com quem não podemos senão empatizar com a situação e vivê-la da mesma forma que ela. É por esta razão que, em vez de julgarmos a estupidez de Travis, o compreendemos. Assim como compreendemos a reação de Krystal à sua morte e a sua necessidade de procurar retribuição pelo mal que foi feito ao seu marido e pela situação em que ficou a sua família. A série leva-nos diretamente ao ponto mais interessante e mais vezes ignorado de toda e qualquer fraude, o impacto que tem nas pessoas que afeta e nas suas famílias.
Apesar de ser uma comédia, On Becoming a God in Central Florida agarra-nos pelo coração e mantém-nos investidos nas personagens e nas suas histórias. Bem entregue a Kirsten Dunst, esta série parece ter muito para dar. É um ótimo investimento para qualquer pessoa que procure uma comédia com um pouco mais de “sumo” ou, por outro lado, um drama mais leve.
Raquel David