[Contém spoilers]
Murphy Mason (Perry Mattfeld) é um desastre. É egoísta, não respeita ninguém, bebe demais, e nem sequer é simpática para o próprio cão. E é cega. Mas quando Tyson (Thamela Mpumlwana), o seu melhor amigo, desaparece, Murphy decide-se a descobrir o que lhe aconteceu.
Cega desde os 14 anos devido a uma doença rara, Murphy vive num estado curioso de negação. Apesar de depender fortemente dos seus pais e de Jess (Brooke Markham), a sua incrivelmente paciente colega de casa e amiga, age com a impetuosidade de quem reclama diariamente a sua independência e com a irresponsabilidade de quem não tem nada a perder. A sua cegueira, que é claramente uma das razões da sua atitude, é tratada como irrelevante. Como se para Murphy, fosse apenas a confirmação de que a vida estava destinada a correr-lhe mal. Até a maneira distante como trata Pretzel, o seu adorável cão guia, reflete esta dualidade. Não só porque demonstrações de afecto não são o seu forte, mas também, suspeito eu, porque Pretzel é uma lembrança constante da sua condição, assim como uma ligação permanente aos seus pais super-protectores que abriram uma escola de cães-guia quando Murphy perdeu a visão. Mas isso é uma tese para outra altura.
Em oposição a este caos, está Tyson. Com 17 anos de idade, Tyson é o melhor amigo de Murphy e a única pessoa com quem ela parece falar abertamente de forma regular. Depois de, com apenas 15 anos, ele a ter salvo de um ataque por parte de um assaltante, Murphy desenvolveu uma amizade genuína com Tyson. Quando ele desaparece e a polícia decide que não há provas suficientes para uma investigação, ela recusa-se a desistir. Ainda que não tenha quaisquer provas (o corpo que ela julga ser de Tyson desaparece antes que a polícia chegue ao local), ou meios de as conseguir, e que o primo de Tyson (Darnell, um traficante de droga para quem Tyson trabalhava) lhe diga para não se meter no assunto, Murphy está decidida a encontrar o responsável pela morte do seu amigo.
É esta intensidade que nos atrai à personagem de Murphy. Toda a gente gosta de uma personagem problemática, certo? Todos nós gostamos de os ver ser auto-destrutivos e de torcer por eles, e de ficar do lado deles quando mais ninguém fica. Adoramos achar que somos os únicos que têm acesso àquele lado mais sensível e mais genuíno destas personagens. Quer dizer, nós somos os únicos que os vemos nos seus momentos mais íntimos; aquela lágrima solitária, aquele olhar melancólico que mais ninguém vê…
Murphy Mason não é a excepção, mas é diferente. Talvez seja apenas o carisma peculiar desta personagem, ou a performance formidável de Perry Mattfeld, que lhe dá vida de uma forma extremamente convincente. Mas a verdade é que Murphy nos agarra nos primeiros minutos do episódio e não nos larga mais, deixando-nos à espera de ver o que acontecerá a seguir. A atitude displicente de Murphy, que parece não se importar com absolutamente nada nem ninguém contrasta com o carinho genuíno que demonstra por Tyler no único momento em que temos o privilégio de os ver juntos e revela uma complexidade emocional que torna Murphy de tal forma interessante que seria o suficiente para nos manter interessados. Quando juntamos a isto o desaparecimento de Tyler, temos o início de uma série que promete deixar-nos todas as semanas à espera de mais. Pessoalmente, mal posso esperar.
Raquel David