Nunca fui grande fã da expressão “Por trás de um grande homem, está uma grande mulher”, mas parece ser essa a essência de Fosse/Verdon. É uma expressão um pouco simplista que seria até redutora não fosse o monumental talento das personalidades em questão e a brilhante performance de Sam Rockwell e Michelle Williams, que lhes fazem tanta justiça quanto lhes é permitido. A verdade é que tanto Fosse como Verdon são de facto “grandes” e a sua obra (conjunta) de tal forma impactante que ressoa ainda nos dias de hoje. Mas é verdade também que qualquer representação de eventos reais é, inevitavelmente, ficcional e deixar estes dois atores fantásticos convencer-nos de que tudo se passou exactamente como o vemos aqui (flashbacks, drama e números musicais incluídos) é capaz de ser a melhor ideia que a FOX teve nos últimos tempos.
Fosse/Verdon torna, de uma forma sublime, uma série biográfica num (quase) musical, sem perder verosimilhança. Aliás, é talvez o que torna a série tão pessoal. A nós, que não podemos mais do que imaginar o que seria a mente de Fosse, parece-nos inteiramente plausível que estivesse povoada de coreografia, movimentos únicos, novos, estranhos, experimentais, movimentos banais que ganham significado em palco, ou ao serem explorados esteticamente. Parece-nos mais do que óbvio que qualquer detalhe o inspirasse, que este homem encontrasse arte em todo o lado, que visse o valor do que todos os outros desprezavam. Não é essa a marca de um génio?
É de génio também, e virtude de uma belíssima realização esta capacidade de fundir o banal com os números musicais que Fosse ensaia neste episódio e de incorporar nos próprios números a vida desta dupla. De manifestar a dualidade da paixão de Fosse, que o parece alimentar e atormentar em simultâneo, em momentos delicados de flashback. De manifestar a sua obra através da sua vida, num movimento inverso ao que terá sido o real, mas que, curiosamente, é o que nos atrai a esta série, que usa a obra que nós já conhecemos, para nos desvendar a vida por detrás da mesma. Vida esta que nos parece tão interessante, tão dramática e tão estrondosa como a obra em si.
O flashback à infância de Fosse é impecável. São momentos que surgem de um impulso que nem sempre é óbvio e que parecem sempre cobertos de uma poeira que remete automaticamente para algo de antigo e meio esquecido, mas precioso como aquelas banalidades que se guardam no sótão porque não suportamos a ideia de nos vermos livres delas. De Verdon não vemos nem sabemos tanto. Ela parece funcionar, neste primeiro episódio, como um complemento à mente de Fosse; um elemento fulcral que permite que a sua visão se materialize. Torna-se interessante que a vejamos, da perspetiva da série, sempre como que à sombra de Fosse, quando o próprio Fosse nos parece lutar para sair da sombra do seu nome e do seu talento. A série funciona, como o nome indica, com base na dinâmica entre Fosse e Verdon cujos egos e personalidades colidem, mas que inevitavelmente se atraem, funcionando sempre melhor como dupla.
Esta é uma série que tem de ser vista. Uma série que aconselharia a todos, mas que é o paraíso dos amantes de teatro musical, de dança, de música e de qualquer pessoa que goste de um bom espetáculo.
Raquel David