Sara é a nova série portuguesa da RTP, criada por Bruno Nogueira, também ele ator na mesma, e realizada por Marco Martins. Sara acompanha a vida de Sara (Beatriz Batarda), uma atriz de cinema e teatro conhecida pela capacidade de representar papéis trágicos e dramáticos. Durante as gravações de um filme, em que é imperativo que chore, as lágrimas não aparecem. Não conseguindo corresponder às expectativas do realizador, Sara começa a questionar a sua vida e desiste de ser atriz de cinema. Aconselhada pelo agente (Albano Jerónimo), aceita um papel numa novela. Para além dos nomes referidos, Sara conta também com Rita Blanco, Miguel Guilherme, José Raposo e Nuno Lopes.
A série estreou em episódio duplo, mas a primeira meia hora não me entusiasmou muito. Sara começa no set do filme que ela está a gravar no momento, uma floresta. Este período de tempo é passado a mostrar quem é Sara e é notável logo desde o início que as falas da personagem que a atriz está a interpretar se fundem com os sentimentos que sente dentro dela. Sejam em voz-off ou nos seus ensaios ao espelho, começa a criar-se um ambiente propício ao que irá acontecer momentos depois: uma explosão de fúria por parte de Sara quando, após várias tentativas e palavras de encorajamento por parte de Morais, o realizador, interpretado por José Raposo, não consegue deitar uma única lágrima.
A série começa a ganhar ritmo quando entra na narrativa uma atriz de novela. Há toda uma dicotomia entre o que é a representação para cinema e o que é a representação para televisão. A crítica é muito forte e é necessária. Canais como a TVI e a SIC têm o horário nobre cheio de novelas, umas atrás das outras. A receita é quase sempre a mesma e a inovação é pouca. Pouco importa se um ator ou uma atriz tem talento, o que interessa é ter uma cara bonita ou ser uma figura pública bem conhecida e que leve a estação televisiva a ser a líder de audiências durante o tempo em que a novela está no ar. A cena entre a Sara e a atriz de novela que lhe pede aulas de representação (Inês Aires Pereira) é um dos pontos altos do episódio. A personagem de Inês é o contrário da personagem de Beatriz. A atriz de novela é bonita, tem um bom corpo, tem uma boa casa, ganha muito dinheiro, tem muitos patrocínios, ao passo que Sara não é dona de uma beleza do outro mundo, tem um corpo “normal”, vive num modesto apartamento na Avenida da República, em Lisboa, não ganha muito dinheiro e patrocínios nem vê-los. Este é um retrato bem real do que acontece nos dias de hoje na indústria televisiva e cinematográfica. Os verdadeiros atores esforçam-se por ter apoios e reconhecimento naquilo que fazem, enquanto as caras bonitas continuam a ter o seu lugar de destaque em muitas produções televisivas. Não estou com isto a dizer que não haja atores e atrizes talentosos nas novelas, porque os há, mas o grande destaque deste tipo de entretenimento raramente se baseia neles ou tira partido do que eles fazem de melhor.
Como amante da literatura que sou, gostaria de destacar as passagens dos textos de Henrique Moreno (António Durães), pai de Sara e escritor. As passagens foram retiradas do livro A Máquina de Fazer Espanhóis, de Valter Hugo Mãe, livro que não li, mas que fiquei com muita vontade de ler depois de as ouvir declamadas. São um elemento importante na narrativa e achei uma excelente escolha.
Como referi no início da minha análise do episódio, a primeira parte, que corresponde ao primeiro episódio, não me cativou e penso que, se tivesse terminado aí, não teria vontade de ver o segundo episódio. Contudo, depois da entrada da tal atriz de novelas, a dinâmica do episódio mudou para um registo mais humorístico e mais crítico. Os atores estão todos de parabéns. Nenhuma das interpretações ficou aquém do que era pedido e os aspetos técnicos, a escolha de planos, os tons utilizados, etc., ajudaram a complementar os já muito sólidos desempenhos dos atores.
Penso que a série tem potencial e vou ver o próximo episódio. Espero que a série se mantenha mais na linha do segundo episódio e que consiga agarrar os espectadores. É bom ver que há cada vez mais pessoas a apostar na ficção nacional e de qualidade.
Cláudia Bilé