[Contém spoilers]
Ordeal by Innocence é a adaptação a série do livro com o mesmo nome da mestre do mistério, Agatha Christie. As adaptações televisivas e cinematográficas são bastantes ao longo dos tempos e os estilos adoptados variam imenso entre cada uma delas. As mais comuns, e invariavelmente com mais sucesso, são aquelas em que figuram os detetives famosos da autora: Hercule Poirot e Miss Marple.
Mais raros, ou raramente sonantes, são as adaptações em que nenhum deles aparece, como acontece com esta série. Neste caso, uma família bonita, um casal que não pode ter filhos e que portanto adota cinco crianças. Personalidades muito diferentes, mas bons irmãos, ainda que com relações ocasionalmente tensas entre eles. Tudo muda, no entanto, quando a mãe aparece morta dentro de casa. As dúvidas começam a surgir sobre o porquê de isto acontecer a uma senhora tão boa e surge a dúvida sobre a identidade de quem foi capaz de tal atrocidade.
Aqui temos uma série num estilo clássico dos livros: o início é algo confuso, com uma construção rápida, superficial e direcionada das personagens e do meio envolvente, imediatamente seguida de uma morte – ou mais do que uma – em que as condições para o crime ter acontecido não parecem claras para ninguém. E depois é certo o caminho a seguir: incutir a dúvida sobre todo e qualquer um dos intervenientes. Todos tinham motivo, todos tinham oportunidade, embora em aparência a vida fosse a mais adorada e cobiçada. Um especial detalhe ao nível da imagética, com um bom jogo de cores entre planos e muito cuidado na apresentação de cada cena e de cada personagem, revelando sempre mais um pouco, mais um pormenor do qual ainda não nos tínhamos apercebido.
A nível de elenco não há muito a apontar, com especial destaque para o pai, protagonizado pelo incrível Bill Nighy, que conta com uma longa e bem sucedida carreira e que adiciona aqui mais uma personagem bem interpretada ao seu repertório. Este primeiro episódio serve como introdução alargada à história, aproveitando os 50 minutos para aprofundar algumas personagens em particular, tornando os motivos de cada uma aparentemente mais óbvios. No final, como desde o início, a dúvida está instalada, ainda que as cenas finais revelem demasiado. Não é particularmente de estranhar, já que Agatha Christie, tinha tendência a escrever as suas histórias mais focadas nos motivos do que nos culpados. Tudo depende da direção que a história seguir depois do próximo episódio, que tem de fazer a ponte entre o início e o fim desta minissérie.
Qual será, afinal, a ligação do irmão que sempre teve tendências agressivas e que foi tido como culpado, mesmo depois de morrer na prisão? O que se passou entre os vários irmãos para existirem relações tão tensas entre eles? Estará o físico atabalhoado que aparece do nada a dizer a verdade? Teria a mãe alguma faceta escondida que tenha justificado ter sido alvo deste crime? As especulações podiam ser muitas, mas se esta for uma história típica de Agatha Christie, como tudo indica que é, seriam também inúteis. Por mais esforço que se faça, as coisas só se percebem completamente no final.
Júlia Pinheiro