Sinto-me mal por escrever esta review. Sim, um reviewer também sente remorsos e senti-os porque, neste caso específico, deparo-me com um remake de uma minissérie clássica da História norte-americana que não vi. Roots acompanha a história de Kunta Kinte, um jovem de uma comunidade nigeriana, que é escravizado para a América. Kunta é um rapaz singelo, que procura levar uma vida normal e tem ambições de se tornar um universitário, até que uma antiga disputa entre o seu pai e um traficante de armas leva a que este seja apanhado de surpresa e levado por uma jornada de horror que irá marcar a sua vida para todo o sempre.
A adaptação de Roots, do romance de Alex Haley, e por sua vez da minissérie de 1977, é um conto cruel e impiedoso de uma história pura e inocente. É uma abordagem grandiosa que dá um toque moderno a um evento histórico da evolução humana. Kunta Kinte é o símbolo de que a humanidade tem ainda muito que crescer e, em 2016, há ainda uma certa urgência em revitalizar este sentimento atroz, esta crueldade com que ainda se trata o outro que difere no tom da pele. Um dos pontos principais deste remake – uma vez que não vi a minissérie original, não poderei estabelecer comparações, ainda que me sinta mal por isso – consiste no lançamento desta adaptação no século XXI.
Isto é importante. Porquê fazer um remake de algo que está tão intrinsecamente ligado à História da Televisão? Agora que temos Underground, uma outra série que conta a história de um grupo de escravos que foge do seu proprietário, qual é a necessidade de um remake de Roots? São questões importantes!
A televisão está agora na sua fase dourada, como já sabemos. Há um saturar de narrativas que se tornam cíclicas e que nada trazem de novo, servem apenas para preencher horários, mas este remake de Roots continua a ser visualmente triunfante. Nunca nos podemos esquecer que a televisão age como um veículo educativo e, ainda no século XXI, o racismo e a discriminação são, infelizmente, tão comuns como no século passado. Surgem de várias formas, mas o desdém continua lá; aquela sobrevalorização da raça caucasiana acima daqueles que variam na tonalidade da pele porque são vistos como animais indignos de estar ao mesmo nível que os “de raça pura”, por mais incrível que pareça, ainda existem. São questões preocupantes e que dependem das gerações futuras para que se cultive uma mudança radical de pensamento. A história de Kunta Kinte é absolutamente tocante. Um conto de horror pintado em tela dramática com personagens carismáticas e atores fenomenais que não têm medo de quebrar os limites da sua conduta para nos fornecerem uma obra crua dos valores humanos.
A série Underground, do canal WGN, roça esta tentativa, ainda que se perca em certos momentos por um pretensiosismo que não chega a ser credível o suficiente para nos agarrar. Neste reboot de Roots, a ambição traça-se por imagens de uma violência mordaz, por contrastes metafóricos chocantes da humildade com a ambição, da humanidade com o animalesco, da dor à atrocidade.
Não podia ter surgido em melhor altura. Altura esta em que a história se interliga com a sociedade de forma a chocar e torturar o próprio espectador para que este consiga mais facilmente entender o outro, de respeitar o outro, de amar o outro, mesmo que as características variem entre si porque, afinal de contas, somos todos humanos. Se este Roots é uma boa adaptação, não consigo responder, mas se este Roots vale a pena ser visto… vale! Vale porque as raízes são importantes para todos nós e, sejamos sinceros, nenhum de nós ficará indiferente ao que é visto: à brutalidade das imagens, à frenética da fotografia e da montagem, nem ao talento do jovem Malachi Kirby, que é absolutamente inquietante. As raízes são o que determina o nosso ser e as raízes de Kunta são tão fortes que se tornam num hino à liberdade e também num pesar de consciência. Não há raças superiores. Somos quem somos e a pele não é mais do que um adorno ao nosso corpo. A alma… essa não tem cor, porque as almas não se julgam pelo seu tom, mas sim pelas suas intenções.
Vejam Roots porque é um colossal exercício de televisão e, se puderem, vejam também o seu original porque, mesmo que esteja para aqui a divagar das emoções que ver esta parte 1 de 2016 me trouxe, não deixo de ter um peso na consciência por ainda não ter visto o original que o influenciou.
Jorge Lestre