Baseada na banda desenhada de Garth Ennis e Steve Dillon, eis que chega ao pequeno ecrã, com o mesmo nome, Preacher. Dos escritores Seth Rogen e Even Goldberg e com produção executiva de Sam Catlin, a nova aposta da AMC é deliciosamente fantástica. Não só se manteve fiel à BD como ainda a tornaram em algo verdadeiramente absurdo e catastrófico, ao estilo de Tarantino.
Preacher tem de tudo: desde de um Reverendo bêbedo, a uma ex-namorada psicopata e assassina, passando por um vampiro irlandês que precisa apenas de devorar uma vaca para reconstituir todo o seu corpo (literalmente), terminando com um rapaz com uma cara simplesmente horrível. E tudo isto, e não só, numa alegre e constante blasfémia a Deus e à religião.
Dominic Cooper (Agent Carter) interpreta Jesse Custer, uma pessoa sombria e com um passado misterioso, que relutantemente regressa à sua pequena cidade natal, Annville, Texas, para tomar o lugar deixado pelo seu pai como Reverendo. Quando Jesse nos é apresentado, está à beira de perder a sua fé, por achar que Deus os abandonou e mostra-se cada vez mais desapaixonado nos seus deveres como Reverendo todos os domingos.
Mas antes mesmo de conhecermos Jesse, o pilot abre, confirmando o compromisso dos escritores e da produção em manter alguns elementos mais fantasiosos do material original. Preacher começa no espaço, com um cometa misterioso que uiva através do cosmos até terras africanas, onde possui brevemente o corpo de um Reverendo antes de abandonar o recetáculo e dar-nos uma introdução explosiva ao mundo visceral, cómico e sombrio de Preacher.
Cassidy (José Gilgun, Misfits) e Tulip (Ruth Negga, Agents of Shield) recebem também introduções sangrentas, à medida que vamos conhecendo melhor Annville. Enquanto Jesse tenta ajudar um jovem que aparentemente vê a sua mãe a ser constantemente maltratada, Cassidy está a lutar contra caçadores de vampiros a bordo de um avião. A sequência de ação é simplesmente fantástica, divertida e sangrenta e adequa-se na perfeição à personagem que Gilgun interpreta. Cassidy é um vampiro irlandês extremamente divertido e cheio de humor que gosta de whisky quase tanto como gosta de sangue. De salientar que as suas capacidades regenerativas são divinais, desde que tenha uma vaca que possa devorar.
Tulip é, quiçá, a flor mais selvagem de sempre a florescer no Texas. A antiga Raina de Agents of Shield faz a sua aparição no piloto numa luta de vida ou de morte no banco de trás de um carro fora de controlo no meio de um campo de milho, o qual termina com o bad guy morto com uma maçaroca de milho na boca. De seguida, convence duas crianças a ajudarem-na a fazer uma bazuca artesanal, mas eficaz, e que traz, literalmente, a destruição à terra e a quem a perseguia. A sua química com Jess é palpável e Ruth desempenha Tulip na perfeição. Uma personagem inteligente, capaz de tudo e extremamente violenta. Perfeita no pequeno ecrã.
A adaptação do comics mantém-se extremamente fiel, onde todo o misticismo do sobrenatural tem como base estes três protagonistas, que são fortemente apoiados pelo restante elenco secundário, nomeadamente por W. Earl Brown como o xerife local, áspero, mas boa pessoa, e que tenta cuidar da sua mulher e do seu filho (o último dos quais será de particular interesse para fãs de banda desenhada). Sim, Arseface ainda está intacto e é introduzido aqui pelo seu nome próprio, Eugene. Um adolescente problemático, mas demasiado preocupado e sério, porque acredita que existem alguns atos tão imperdoáveis que nem mesmo Deus pode absolvê-lo dos seus pecados. Jesse reconhece a sua própria silenciosa crise de fé na afirmação de Eugene, de que Deus não está a ouvir as suas orações, oferecendo uma introdução surpreendentemente dolorosa para uma das criações mais fantásticas de Ennis e Dillon. Eugene é a prova de uma adaptação bem-sucedida. Nos quadradinhos, ele é muitas vezes alvo de piadas e de gozo, mas aquando da sua primeira aparição, Eugene é imediatamente estabelecido como um personagem compreensivo, como uma criança que só quer um abraço. Mas perguntam-se porque este personagem é tão especial. Ora bem, por algum acidente, ainda a ser revelado, o rosto de Eugene ficou completamente enrugado e com a aparência de um ânus.
É esse tipo de material e também de seres humanos que explodem, de lutas de vampiros, de entidades do sobrenatural, do ridículo e do cómico, que afirma o compromisso da série de reter os principais elementos do material original, ao mesmo tempo que a transição é feita de forma suave, com uma escrita afiada e com uma realização, diria eu, perfeita. De realçar que a série começa antes da BD, para possibilitar essa suave transição. Embora no piloto esteja sempre presente o humor e a extrema violência.
É impossível, claro, julgar uma série inteira ou mesmo uma única temporada num piloto, que é projetado para vender uma série, não só a executivos como ao público em geral. Mas para Preacher, por certo não será difícil manter o nível de irreverência, de doidice, de humor e de conteúdos visualmente apelativos pelo resto da temporada. Uma excelente estreia, quiçá uma das melhores estreias do ano, numa época, apelidada de idade de ouro da televisão, em que a fasquia para a afirmação de séries está muito alta.
Fernando Augusto