[SPOILER alert]
PREMISSA: Depois de ser diagnosticado com uma doença terminal, Lucious Lyon (Terrence Howard), um renome do hip-hop, quer decidir qual dos seus três filhos ficará à frente da sua companhia discográfica.
Okay, sejamos honestos, a premissa em si, bastante “King Lear”esca (como o personagem Jamal menciona a determinada altura), parece ter tudo para ser terrível. Mas a verdade é que este piloto foi dinamite! O TRAILER já o fazia prever. Agora, se continuará a explodir expectativas ou acabará por fazer ruir a série, se verá.
O episódio abriu de imediato com música, ilucidando-me em relação à série apostar em produções originais, algo de que sou fã. Música eleva uma história e é por isso que existem bandas sonoras, mas quando se intrinca na própria narrativa tem outra magia e é por isso que sou fã de musicais, embora Empire não atravesse a fronteira para esse género.
Nesta cena de abertura temos o Lucious Lyon numa sessão de gravação de uma das suas cantoras. O seu maneirismo, tal como o nome, é condizente com um rei que subiu a pulso até ao trono de um império construído por si. Existe poder na sua expressão e olhar lacerados, tal como na sua incisividade fria capaz de evocar memórias dolorosas como a morte do irmão da cantora para extrair dela o sentimento que ele quer que dê à música. No entanto, em instantes, existe também uma névoa no rosto do imperador e somos de imediato levados para detrás dela, vendo em flashbacks o Lucious a fazer uma panóplia de exames. E nisto a letra ganha outra dimensão, “I’ve got time on my side”, “leaving so soon”, “not guaranteed”…
Fiquei de imediato preso a Empire por esta sua capacidade de num par de minutos, oferecer tamanha textura a um personagem.
A forma de introduzir os filhos do Lucious foi igualmente capaz, reunindo de imediato os três numa cena para os contrastar. O mais novo, Hakeem (Bryshere Gray a.k.a. Yazz The Greatest), o party boy deslumbrado pela fama. O do meio, Jamal (Jussie Smollett), eterno dedicado à sua arte. E por fim o mais velho, Andre (Trai Byers), o homem de negócios.
É entre eles que o Lucious tem de escolher para entregar o seu império. A escolha óbvia seria Andre, que esteve presente a cada passo da construção da discográfica Empire, dedicando-lhe a sua vida, tal como o pai. No entanto, Lucious questiona-se se não será melhor que o líder seja, como ele, alguém de notoriedade musical. A escolha seria então Jamal, mas nunca lançou um álbum e é gay, o que na comunidade negra é visto ainda com menos bons olhos que o usual. Sobra Hakeem, cujas capacidades e responsabilidade deixam a desejar. O Lucious não tem a sua vida facilitada.
Entra Cookie (Taraji P. Henson) que vem complicar ainda mais as coisas. Mãe dos potenciais herdeiros e ex-mulher de Lucious, Cookie esteve presa 17 anos por crimes relacionados com drogas que renderam o dinheiro a Lucious para ele começar a empresa. O passado do cantor relacionado com as drogas é conhecido, mas os contornos mais específicos da sua ascensão ao trono poderiam ser desastrosos. É com essa ameaça que ela surge a exigir metade do património Empire a Lucious.
É também com Cookie e com a imensa vida que Taraji P. Henson lhe oferece que Empire se torna imensamente mais interessante. Assim que a Henson surge no ecrã, o ar estala perante o fogo. Ela contrasta com a aparente calma do Lucious. Até a frieza do Lucious parece amenizar notavelmente em confronto com a caloricidade da Cookie no final do episódio.
Em poucos minutos da sua libertação de Cookie, vemo-la a dizer ao namorado do Jamal para limpar a casa e dar uma carga de pancada ao Hakeem. Tudo isto poderia tornar a personagem demasiado caricaturesca, se à ferocidade de Cookie, Henson não fosse capaz de oferecer meio-tons que a sublinham como alguém que fez um enorme sacrifício pela sua família e que quer o respeito e dividendos por isso.
Quem parece querer dividendos também é Andre, motivado pela sua esposa. Neste piloto Andre é apresentado como alguém dado a maquinações e com uma autoestima bastante pobre, achando que o pai gosta mais até do irmão que é gay (e que rejeita por isso) do que de si.
A decisão óbvia de Lucious será Hakeem, com o Jamal demasiado passivo para sequer reivindicar o seu direito. É por isso que ele pede à Cookie para ser manager do Jamal e incentivá-lo a lutar. Ele espera que os irmãos se autodestruam, abrindo-lhe o lugar para liderar a Empire.
Não foi preciso argumentar muito para a Cookie aceitar. Ela é a natural defensora do filho Jamal, renegado pelo pai por ser gay. Aliás, neste piloto o Jamal pareceu-me ser o personagem quintessencial, com vários flashbacks a focá-lo. Depois da relutância em deixar a Cookie ser a manager do Jamal, o Lucious diz o que nos perguntamos se terão sido meras palavras advindes da frustração da derrota, “I never wanted him anyway.” Mas “I know”, responde-nos a Cookie.
Na cena seguinte vemos o Jamal a cantar, entrecortada com um flashback absolutamente desolador. Em miúdo num jantar de natal, o Jamal apareceu com os saltos altos da mãe e o Lucious furioso pegou nele e – eu pensava que ele ia espancar o miúdo, mas pior – colocou-o no caixote do lixo. Este momento, como por certo tantos outros que desconhecemos, marcaram o Jamal que cantou nesta cena o quanto gostava de ser bom que chegue (“Good enough”) para o pai. Foi discutivelmente a melhor cena do episódio e aquela em que a vontade da Cookie de proteger o filho se tornou na completa resolução de tornar o filho uma estrela e no líder da Empire. No entanto, custou ainda mais uma desilusão com o pai para fazer o Jamal aceitar o carinho e dedicação que a mãe lhe estava a oferecer: o Lucious desvalorizar o trabalho que o Jamal fez na música do Hakeem foi a gota de água.
Este piloto foi ótimo, mesmo que não foi sem falhas e alguns pontos de interrogação. Empire tem contornos algo telenovelescos que, não sendo problema no piloto, podem tornar-se demasiado melodramáticos se não forem bem torneados no futuro. Também houve demasiado jogo do gato e do rato com a personalidade e carácter do Lucious que para o final do episódio meteu uma bala na cabeça de um “amigo” que ameaçou destruir-lhe o império.
O piloto foi também sucesso nos ratings que demograficamente empataram com o sucesso também estrondoso que foi How To Get Away With Murder. É bastante animador tendo em conta que o elenco é quase todo negro. As personagens negras já são raras, quanto mais uma história que se centra nelas.
Outras coisas:
– O Andre neste episódio é quase somente alguém manipulador. Maior definição ao personagem é essencial, sob o risco de o tornar um mero instrumento criador de conflito.
– “I wanna show you a faggot really can run this company.” não ter saído de forma completamente ofensiva é um testemunho à imensa capacidade de Henson.
– A produção de Timbaland nas músicas da série faz realmente parecer que pertencem aos sucessos de playlist das estações de rádio.
Nota: 9.5/10
André F Dias