#blackAF – 01×01 – because of slavery
| 18 Abr, 2020

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Kenya Barris (criador de black-ish, grown-ish, mixed-ish) protagoniza uma série vagamente autobiográfica sobre a abordagem irreverente de um pai à educação dos filhos perante a realidade cultural e racial dos Estados Unidos. Ou, black-ish, mas meta.

Quem está familiarizado com black-ish será perfeitamente capaz de reconhecer as dinâmicas de #blackAF. Naquilo que terá sido um projeto derivado de uma paixão ou uma necessidade profundas de se expressar, Kenya Barris projetou a sua identidade para a família Johnson. Agora, tendo merecido o nicho (cada vez maior) que criou para a sua voz, distancia-se, refletindo a sua personalidade numa personagem homónima que, de uma forma mais ou menos documental, pretende prender à realidade as facetas de Andre Johnson (interpretado pelo hilariante Anthony Anderson em black-ish) que caem no exagero cómico. Esta comédia referencial e pseudo-documental terá, certamente, as suas liberdades artísticas. Nem estou convencida que Kenya Barris personagem e Kenya Barris ator, escritor, criador sejam exatamente a mesma pessoa. No entanto, no limite daquilo que permite a performance, esta é para mim a grande (e única) diferença entre black-ish #blackAF.

Não quero por isto dizer que a série não seja boa, que não tenha piada ou que não valha a pena. Há apenas que reconhecer que já conhecemos estas personagens e que o facto de nos chegarem pelas mãos da mesma equipa, pela visão do mesmo criador e pela voz do mesmo autor resulta numa repetição dos temas, das preocupações e até do estilo das personagens que as precedem.

Posto isto, há que reconhecer que a série está bastante bem construída. Se não nos chegasse no rescaldo das outras criações de Barris, seria até extraordinariamente original. Até a faceta faux-documental, que já reconhecemos de séries como a recém-terminada Modern Family, é colmatada pelo cariz auto-referencial da breve viagem pela carreira de Barris que dá início a este piloto. Desvia-se um pouco o olhar do próprio documentário para focar nas circunstâncias muito particulares desta família e passamos a estar perante um “meta-documentário”. Não é exatamente original, mas é peculiar o suficiente para parecer novo. Acrescentando a isto a performance caracteristicamente sólida (se bem que, mais uma vez, pouco inovadora) de Rashida Jones e o shift da visão artística deste projeto, dos patriarcas para uma das filhas (Iman Benson no papel de Drea Barris e numa performance fulcral ao sucesso desta série), temos uma série cuja única desvantagem é, infelizmente, o facto de já ter sido feita.

Igualmente divertida, interessante e inteligente, #blackAF só sofre dessa repetição. É algo de injusto uma vez que o que mais há são séries sobre os mesmos temas, contadas pelos mesmos pontos de vista e, muitas vezes, pelas mesmas personagens. No entanto, o facto de esta série ser do mesmo criador, no mesmo tom, e com dinâmicas muito semelhantes (as crianças Barris conseguem ser um tanto ou quanto diferentes da família Johnson, mas tocam em todos os mesmos pontos e no que toca aos pais, é chapa 5) torna extraordinariamente difícil ignorar esse facto. Infelizmente, #blackAF acaba por sofrer um pouco com isso.

Não me querendo também esta a repetir durante mais tempo, quero acrescentar apenas que apesar de tudo recomendo vivamente que vejam esta série. Nada do que escrevi até agora invalida o facto de esta ser uma série engraçada, eloquente, relevante e até surpreendente. É uma ótima aposta para qualquer ocasião e promete deixar-vos bem-dispostos do início ao fim. A abordagem que faz às questões raciais e culturais que muitos de nós nos damos ao luxo de ignorar é muito mais subtil, nonchalant e significativamente menos acusatória do que foi este meu comentário e, como tal, tem o resultado desejado. #blackAF, como as suas antecessoras, consegue jogar com o simples reconhecimento das desigualdades sociais, culturais e raciais da atualidade sem ter qualquer pretensão de resolver estas questões num episódio de 30 minutos. E, assim, consegue ganhar uma importância que a maioria das sitcoms não têm, sem perder a qualidade. É uma ótima série para ver, e para partilhar.

Raquel David

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