[Contém ligeiros spoilers]
The Handmaid’s Tale, o drama que mais queremos ver/não queremos ver da televisão está de regresso. Por um lado era bom que este sacrilégio acabasse de vez para a pobre June, por outro, o que The Handmaid’s Tale nos dá nesta 4.ª temporada (principalmente com The Crossing) é tão bom que nos tornamos sádicos amadores.
A nossa Handmaid reaparece nos ecrãs com um misto de heroína e vilã. Se por um lado é a salvadora revolucionária que o Canadá e os ativistas desejam que seja, é também inimigo público n.º1 e alvo a abater em Gilead. Nesta quarta temporada não perdemos absolutamente nada da história e continuamos exatamente onde nos deixaram há 20 meses. Depois de toda a tortura física e psicológica, o sofrimento passa a ser bem mais físico, e se antes as cenas de violação nos provocavam nós no estômago, June vê-se agora a lidar com tiros na barriga e waterboarding. Esta mudança é “bem-vinda”, não só porque a ameaça é outra, mas o espaço é outro. Outra escala, outras responsabilidades e outro impacto.
Episódio 1 – Pigs
Não é que June se acanhe na altura de subir ao pódio da responsabilidade, mas o peso das decisões recai completamente nos seus ombros. Há decisões inteligentes e outras impulsivas, mas todas elas acarretam um peso, eventualmente. Embora o foco nos olhos da protagonista, uma imagem de marca da série, não seja tão frequente agora (novamente, a escala), nunca perdemos a personalidade da cinematografia. Os momentos de tensão e os slow motions carregados de simbologia estão muito presentes.
Também aí para as curvas está Lydia (Ann Dowd). Eu confesso que sempre pensei que poderia reganhar a sua bondade e eventualmente mudar de lado, mas o que vemos é que nem quando Gilead a castiga injustamente ela perde o “norte”. É refrescante ver que nem só de arcos de redenção está a cheia a ficção, mas também me parece que a senhora nem sempre está completamente ciente dos seus atos (basta ver a montanha-russa de emoções do terceiro episódio). 19 dias no parque de diversões e o máximo que ela tem para mostrar é uma caneca a dizer “I Hate June“.
Penso que todos concordamos que a grande estrela deste episódio é a fantástica Mckenna Grace (que passou de jovem Emma Swan em Once Upon a Time, contracenou em Gifted com Chris Evans, enfeitiçou em Chilling Adventures of Sabrina e chega aqui como uma “mini-Serena”). O mais apetitoso da personagem é que também é percetível que nem tudo bate bem ali. Há algo mais que uma jovem traumatizada e espero ver mais dela.
Melhor:
– “Good Girl… make me proud.”
Pior:
– Não se entende a necessidade de revelar aos Waterfords que foi June a responsável pela chegada das crianças ao Canadá, a não ser “porque enredo”.
Episódio 2 – Nightshade
Já chega de fugir, está na altura de dar luta. Uma June que ainda não recuperou do último confronto, que não tem bem o controlo do sítio onde está, decide expandir o raio de ação para limites que sabemos ser perigosos. No entanto, tudo nos é dado como se fosse um doce que há muito desejamos. A vontade de vingança é tal que se fecha os olhos ao perigo e vemos June a espalhar “sombra da noite” como uma Marie Antoinette no meio dos bolos.
Infelizmente, o arco a norte continua a não fascinar nem prender. Moira (Samira Wiley), Luke e companhia cumpriram um papel muito importante anteriormente: balão de oxigénio para o espetador. Pequenos intervalos para respirar do terror de June para “desfrutarmos” do conflito sem zoom, menos claustrofóbico, com mais cor. O problema é que agora não parece haver (para já), uma razão para o tempo de antena. Já tinha sido introduzida a ideia de que as crianças adaptam-se mal à mudança, mesmo para melhor. Não há nada de novo aqui.
Melhor:
– A presença de Laura Vandervoort (Supergirl de Smallville), que finalmente aparece nos ecrãs numa série não terrível, a mostrar que é capaz. Fico feliz por ela!
– A conversa dos Waterfords, Joseph Fiennes e Yvonne Strahovski, na capela é genial. Não só porque demonstra toda a história destes dois, como a vontade de não mais repetir arcos e avançar com toda a amargura.
Pior:
– Fora de Gilead não se está bem…
Episódio 3 – The Crossing
Pois é, esta foi a estreia de Elisabeth Moss na realização e é o nível que vemos…
Embora spoilada pelas imagens de promoção da série, a captura de June fez-me inicialmente revirar os olhos. Depois de certos episódios na 2.ª temporada, tenho pouca paciência para as repetições. A principal razão para tal reação é a excelência a que a série já nos habituou, torna-nos como que impermeáveis ao mediano! Felizmente a talentosa atriz, numa hora, leva-nos numa epopeia de emoções, tortura e sofrimento.
Aconselho-vos a rever o episódio e a analisar a viagem que a personagem percorre, os sentimentos que sente e o quanto ela sujeita. O pico do episódio acaba por ser isso mesmo, a ponta de uma lança que nos atravessa o coração suado. Quando o segundo revirar de olhos acontece (medo que o traje faça o regresso para o Primavera-Verão de 2021), temos uma descarga de felicidade em câmara lenta e uma facada no peito que nem dói de tão rápida. O que fica é a perda. Uma perda que não tem tempo de ser sentida, não há tempo para isso…
Melhor:
– Por muito inútil que o arco no Canadá seja, ver interpretações como a de O-T Fagbenle neste episódio, quase justifica tudo.
– Elisabeth Moss em dose dupla que vale por mil.
Pior:
– Na lista de personagens que se calhar já despachavam podemos inserir o Comandante Joseph Lawrence (Bradley Whitford). Até percebo que tenha a sua utilidade para Gilead, custa é acredita que sejam tão complacentes com tanta ofensa;
– O novo desenvolvimento de Serena?! Não, tipo, não… novela mexicana não!
– Vamos olhar em retrospetiva para esta série no final e o seu maior prego no caixão será sempre a relação de June com Nick (Max Minghella). Não é só pelo ambiente ácido em que é obrigada a desenrolar-se, mas principalmente a completa falta de química entre estes dois…
Confesso-me genuinamente surpreendido com a energia com que a série regressa nesta 4.ª temporada, provando que ainda há algo para acrescentar. Só precisa de se focar no melhor e aprender a deslaçar-se do peso morto. Continuam a faltar adjetivos para a performance do elenco, para a qualidade de escrita e para a mestria da cinematografia. A decisão de nos darem estes três episódios de assentada foi outra jogada de mestre para prender o mais desconfiado…
Em Portugal, podes acompanhar a temporada na NOS Play.
Vítor Rodrigues