“Everything you are about to see is based on actual events and people.” – Quando uma série começa assim enquanto transita para uma paisagem de um cemitério na Escócia em 1827 sabes que estás preparado para um bom começo. Lore é uma série de antologia em que cada episódio se baseia num evento real e conta-os com uma pitada de fantasia, mas não muito, acrescentada à história. E o primeiro episódio desta 2.ª temporada é a história dos conhecidos assassinatos de Burke e Hare, dois irlandeses que foram condenados por matarem 16 pessoas, para venderem os seus corpos a um médico.
A série acerta em cheio na atmosfera que cria ao recriar a Escócia do século XIX. Uma boa parte da história passa-se num bar rasca cheio de escoceses bêbados e é aí que conhecemos os nossos protagonistas – e não nos deixam enganar por mais do que um minuto. Por muito bem vestido que Hare esteja, é um instante até vermos que nenhum deles é propriamente uma boa pessoa, quando começam a extorquir dinheiro de um homem que estava em dívida para com eles. Este homem tem um papel indireto – sem saber ou ter culpa, do ponto de vista moral – da morte das 16 pessoas. Este é um daqueles pormenores que gostava de saber se aconteceu mesmo ou de que forma é que Burke e Hare souberam que podiam vender cadáveres frescos por uma quantia absurda de dinheiro a Robert Knox, um médico, para que este pudesse investigar curas e novos procedimentos.
E foi assim que Burke se apresentou a ele próprio, e involuntariamente a Hare, ao homicídio. Afinal de contas, a melhor maneira de garantir que se tem um cadáver fresco e em boas condições para ser dissecado é sermos nós próprios a tratar do assunto. Com o dinheiro a subir-lhes à cabeça, continuaram durante bastante tempo esta série de assassinatos, escolhendo sempre pessoas cujo desaparecimento não iria ser fácil de notar. A série retrata muito bem, na minha opinião, este período, em que a sensação de poder, de matar alguém e sair impune com isso, começa a embriagar Hare, que vai matando e enriquecendo, enquanto justifica os seus atos com um vazio “in the name of science”. E nem estamos perante um caso de ponderar se os fins justificam os meios, porque esta dupla não queria saber da ciência ou de avanços médicos, apenas de dinheiro nos seus bolsos.
No entanto, Burke é retratado como mais violento e com um verdadeiro gosto por matar e o contacto regular com ele leva Hare a questionar as suas decisões. Começa a sentir remorsos pelo que fez e tenta sair desta vida, parando, mas Burke, como um drogado, precisa sempre de mais. Isso leva ao clímax do episódio, quando Hare denuncia o homicídio mais recente que cometeram e deixa-se apanhar junto a Burke, conseguindo, no entanto, fugir à pena de morte. A maneira como a série nos vai contanto o que aconteceu através do espetáculo de marionetas está muito original e engraçada, como se fosse o debate que estava a acontecer dentro da cabeça de Hare.
Adorei o episódio, mas sou suspeito porque tenho uma grande queda por séries que recriam épocas (como Peaky Blinders), especialmente este tipo de épocas e de sítios como a Escócia e a Irlanda, e por histórias de assassinos em série. Quando juntam os dois não tenho qualquer hipótese. Estava rendido após cerca de 10 minutos de episódio. A banda sonora faz um trabalho espetacular, conseguindo subtilmente pôr-nos no ambiente de uma Escócia de 1800. Ao longo do episódio, com menos frequência do que devia, também nos vão transmitido alguns factos ou explicações sobre certas expressões que vão utilizando, o que nos vai relembrando que se trata de uma história real e que 16 pessoas morreram para que dois pudessem enriquecer.
Burke foi castigado, sendo enforcado e tornando-se, ironicamente, o cadáver mais rentável de sempre, estando exposto num museu. Quanto a Hare? Nobody Knows.
Raul Araújo